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07/07/2018 às 13h00min - Atualizada em 07/07/2018 às 13h01min

Por mais e melhores ciclovias

Uberlândia tem 95 km de vias e faixas exclusivas para ciclistas, mas a maior parte não está integrada e falta manutenção

WALACE TORRES | EDITOR
Desde que decidiu vender o carro, há três meses, por uma questão de reestruturação financeira, a bancária Iara Borges Assis passou a utilizar a bicicleta como principal meio de transporte. Seja para o trabalho, para visitar os amigos ou até ir ao supermercado.

“Melhorou muito o meu condicionamento físico, até perdi alguns quilinhos e já não tenho mais o estresse do trânsito”, conta. De casa até o trabalho, ela utiliza apenas as ciclovias da avenida Rondon Pacheco, que têm 6,6 km de extensão em cada lado da via. Já quando precisa ir ao Centro, tem que disputar espaço com os carros, motos e ônibus. “Seria muito legal se os órgãos governamentais se dedicassem a ampliar a quantidade de ciclovias. Tenho vários amigos que andam (de bicicleta) só nos fins de semana porque não tem toda essa estrutura nas vias de Uberlândia. Eu sou agraciada porque moro perto do Praia e trabalho na Justiça Federal, então ando de uma ponta a outra da Rondon”, diz.

Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Planejamento de Transporte da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes em 2016 apontou que cerca de 30,5 mil pessoas utilizam a bicicleta como meio de transporte diariamente em Uberlândia. A estimativa é que o quantitativo de ciclistas seja bem maior considerando ainda quem faz uso esporádico, a lazer ou como prática esportiva. Para quem mora nos bairros e precisa atravessar a cidade de uma região a outra, ou depende de passar regularmente pelo Centro não desfruta da mesma sorte que a bancária Iara Borges.

Uberlândia tem hoje 95 km de vias exclusivas para ciclistas, o que representa apenas 3,2% dos mais de 3.000 km de malha viária urbana. São 58 ciclovias e 20 ciclofaixas. “O problema é que são ciclovias e ciclofaixas fragmentadas, desconectadas, e não estão na rota de origem e de destino dos ciclistas, ou seja, de casa para o trabalho ou para a escola. A única que tem a função de servir como mobilidade urbana é a da Rondon”, aponta o geógrafo Frank Barroso, que coordenou a pesquisa em 2016 e até hoje acompanha a atualização da malha cicloviária mesmo não estando mais na Settran. 

Ele afirma que boa parte das vias destinadas aos ciclistas não teve o planejamento adequado por parte do Poder Público ao longo dos anos, o que contemplaria conhecer o universo dos usuários, os deslocamentos e principalmente fazer a integração entre ciclovias. “A maioria dos deslocamentos está nos bairros, segundo apontou a pesquisa. Já as vias de transposição precisam de mais ciclovias e não tem, e quando tem é muito pequena”, diz. Ele cita que 54% das ciclovias e ciclofaixas da cidade tem até 2 km de extensão. Há situações em que a via não tem as dimensões de um quarteirão convencional. Na região norte, por exemplo, a ciclovia do residencial Flamboyant tem 299 metros de extensão e ainda não faz ligação com nenhuma outra naquela região. Já no loteamento Taiaman, na região oeste, há duas ciclovias isoladas, uma de 398 m e outra de 559 m.

A Lei 10.686/2010, que regulamenta o sistema viário de Uberlândia, determina que os novos loteamentos sejam entregues com ciclovias ou ciclofaixas. Mas como alguns empreendimentos estão em regiões mais isoladas, a falta de ligação entre as vias exclusivas para ciclistas é evidente, ao contrário da malha viária que chega até àquela localidade. 

O geógrafo cita que a mesma lei define ainda que o sistema viário foi estabelecido de forma integrada e compatibilizado com as normas de parcelamento e zoneamento do uso e ocupação do solo e com a mobilidade urbana. “O interessante é que no inciso I do artigo 3º está claro o postulado de que a legislação deve estabelecer a hierarquização do sistema viário a partir da estruturação urbana definida no Plano Diretor do Município em consonância com o Código de Trânsito Brasileiro. Este código define várias questões fundamentais para garantir a segurança dos ciclistas que não estão sendo aplicadas pelo município de Uberlândia”, defende Frank Barroso, citando parte de sua tese defendida no projeto de graduação. Outro ponto da legislação que não estaria sendo cumprido é o que estabelece funções diferenciadas para o sistema viário, priorizando os transportes não motorizados e coletivo. “Para cumprir esse dispositivo é necessário investir na modalidade a pé e por bicicleta (....). Os ciclistas ainda esperam que essa determinação seja realidade”, completa o geógrafo, que também é presidente da Associação dos Ciclistas de Uberlândia.

ESTRUTURA - Falta manutenção nas vias exclusivas para ciclistas

A falta de manutenção de parte das ciclovias e ciclofaixas existentes chega a gerar situações de risco tanto quanto as vias de grande fluxo de veículos que não dispõem de espaço exclusivo aos ciclistas. Na avenida Solidariedade, que corta os bairros Dom Almir e Joana D’arc, na região leste, a sinalização praticamente inexistente na ciclofaixa torna o trânsito confuso e perigoso. Ciclistas, motociclistas e motoristas dividem espaço na via. Alguns arbustos no canteiro central invadem a ciclofaixa, tornando o desvio para o meio da avenida em um outro perigo. A sinalização também é precária na ciclofaixa da avenida Aldo Borges Leão, nas proximidades dos bairros Canaã e Jardim Célia. Na ciclovia da avenida Elis Regina, no Santa Rosa, o que chamava a atenção nos últimos dias era a quantidade de entulho jogado no espaço dos ciclistas.

A ciclofaixa da avenida Antônio Thomaz Ferreira de Rezende, no bairro Nossa Senhora das Graças, região Norte, foi a primeira a ser implantada, em 1994. Além do asfalto danificado, alguns blocos de concreto que separam o trânsito das bicicletas dos veículos estão arrancados. Foi lá que mês passado um ciclista morreu atropelado por um veículo que vinha na direção contrária, atravessou a pista e foi parar em cima do passeio. Foi a oitava morte no trânsito de ciclistas em Uberlândia nos últimos 18 meses.

Nem mesmo as estruturas construídas pelos novos loteamentos estão imunes a falhas. Na avenida Landscape, na região sul, um poste improvisado para suportar a fiação entre um lado e outro da via continuava instalado até a última semana bem no meio da ciclovia.

A maior ciclovia da cidade - e a mais movimentada, na avenida Rondon Pacheco - é também a que oferece maior número de obstáculos aos ciclistas. Mesas e cadeiras de alguns bares invadem o limite permitido na calçada, forçando pedestres a se deslocar para a ciclovia. Uma obra em outro comércio ocupava na última quarta-feira cerca de 100 metros de extensão e toda a largura do passeio nas proximidades da interseção com a avenida Anselmo Alves dos Santos. Ambulantes também fazem uso da calçada e até de parte da ciclovia nas proximidades do Fórum. A sinalização também está apagada em muitos trechos, especialmente nas ruas de entrada na avenida.

Há ainda a falta de conscientização de pedestres e até atletas que utilizam a ciclovia como trajeto. “Há uma quantidade muito grande de pessoas que ao invés de caminharem no passeio, caminham na ciclovia. Em certas partes da Rondon é até compreensível porque não tem o passeio, mas a gente percebe também que as pessoas não tem bom senso de quando entrar na ciclovia andar no canto dela para não atrapalhar o fluxo da bicicleta, que é o veículo preferencial da via”, diz o empresário Bruno Rossi, que há um ano e meio utiliza a bicicleta na maioria dos dias para ir ao trabalho. “A bicicleta é uma aliada da sociedade, é um meio de transporte mais econômico, é saudável e quanto mais pessoas andando de bicicleta, menos veículos trafegando nas ruas e consequentemente, menos acidentes de trânsito”, completa.


Ciclofaixa da avenida Antônio Thomaz Ferreira de Rezende

PROJETOS - Cultura da bicicleta ganha novos adeptos

Apesar da falta de estrutura viária, um número cada vez maior de pessoas tem aderido à cultura da bicicleta, tanto como meio de transporte como para o lazer e a prática esportiva. Atualmente existem mais de 40 grupos de mountain bike em Uberlândia, que é a modalidade de maior atração, e que fazem ao menos duas trilhas por semana por trechos da zona rural.

Outro demonstrativo de que as magrelas estão conquistando novos adeptos é o projeto Udi Bike, que consiste no compartilhamento de bicicletas na área urbana.

Implantado em 2016 com recursos da iniciativa privada e o apoio do Poder Público Municipal, o projeto conta com 40 bikes divididas em quatro estações ao longo da avenida Rondon Pacheco.

Desde fevereiro deste ano o Instituto Saúde e Equilíbrio assumiu a gestão do projeto, que foi inserido na Lei de Incentivo ao Esporte, do Governo Federal. A iniciativa permitiu que fosse dada a isenção da cobrança aos usuários. Desde então, já foram registradas mais de 5,5 mil viagens no sistema. “Tivemos um aumento de 140% na procura em relação aos últimos seis meses antes de assumirmos o projeto”, conta o coordenador do projeto, Clóvison Helberth, mais conhecido entre os ciclistas como Clovin. No mesmo período ainda foram feitos mais de 2,8 mil novos cadastros de usuários. Apesar de gratuito, é preciso fazer o cadastro no site do programa (udibike.com.br) com o número do cartão de crédito, como forma de prevenir eventuais furtos da bike. 

Atualmente, o Udi Bike tem como patrocinadores a Algar, que foi a pioneira, e a ITV Urbanismo. Por meio da lei de incentivo ao esporte, parte dos recursos que seriam destinados a impostos ajuda a financiar o projeto, que ganhou uma atividade complementar. A ONG que administra o Udi Bike firmou uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação para ministrar oficinas em escolas da rede municipal. Durante as aulas de educação física, dois instrutores ensinam alunos de 5 a 8 anos de idade a andar de bicicleta. 

“São dois grandes passos para fomentar a bicicleta como meio de lazer, transporte, turismo, esporte e qualidade de vida”, diz Clovin, reconhecendo que Uberlândia ainda vive na cultura do carro. “A gente ainda tem muito a crescer na malha cicloviária em geral. É preciso incentivar o uso da bicicleta e tirar as pessoas do comodismo”.


Projeto de ONG ensina crianças de 5 a 8 anos da rede municipal a andarem de bike

MELHORIAS - Settran faz levantamento da situação das vias

A Secretaria de Trânsito e Transportes (Settran) já iniciou o levantamento da situação das ciclovias e ciclofaixas existentes na cidade. Segundo o secretário Divonei Gonçalves, a intenção é fazer a manutenção das vias exclusivas e revitalizar a sinalização, a exemplo do que tem sido feito com a malha viária. “Já fizemos quase 9.000 m² de sinalização viária, que está precária em vários locais da cidade. Estamos concentrando onde tem mais problemas e maior fluxo de veículos, vamos chegar nos bairros (...) mas o contexto cicloviário está dentro do planejamento também”, disse.

Ele esclareceu que há proposta de ampliar as vias exclusivas para ciclistas, investindo na ligação entre ciclovias onde houver essa possibilidade. “Vamos trabalhar para que isso aconteça. A legislação evoluiu na questão dos novos loteamentos investirem em ciclovias. Antes não tinha uma obrigação dessa natureza”, aponta.

Sobre a situação de lixo, mesas de bares e entulho de construção nas calçadas da avenida Rondon Pacheco, forçando pedestres a dividirem espaço na ciclovia, Divonei disse que a população pode ajudar denunciando através do Serviço de Informação Municipal (3239-2800). “A interrupção da calçada não pode acontecer. A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico fiscaliza os bares, limpa as vias. O que acontece é que no dia seguinte está do mesmo jeito. A população também tem que ter consciência e fazer a sua parte”.

Com relação ao fato de o município não priorizar os meios de transporte não motorizados, conforme apontou o geógrafo Frank Barroso, o secretário ressaltou que a própria lei que trata dos loteamentos representou um ganho, mas frisou que qualquer novo investimento necessita de planejamento e recursos. “O sistema de ciclovia vai sendo construído de forma que vai se aprimorando. A cultura do carro existe em todo lugar. Mas o meio não motorizado está ganhando espaço”, disse.
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