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25/06/2018 às 12h44min - Atualizada em 25/06/2018 às 12h44min

Um olhar para a praça

De palco de artistas de rua a acolhida para pessoas em situação de vulnerabilidade, bancos da Tubal Vilela acumulam histórias de vida

WALACE TORRES | EDITOR
O violoncelo de Gabriel é o que mais chama a atenção de quem passa pela praça Tubal Vilela
É na sombra de uma paineira, num banco de praça que Léo, Gleidson, Kleiton, Gabriel, N. e tantos outros passam a maior parte do dia e da noite. Trocam sorrisos, falam da vida, compartilham histórias e também um prato de comida. Enquanto pessoas passam apressadas de um lado para o outro, para eles o tempo marcado pelo relógio não interessa. São donos do próprio tempo.
Um pouco mais à frente, Nazareno e Eduardo treinam malabarismo com facões e bolinhas de borracha. Dois argentinos sem destino vivendo um sonho de adolescência.
Em outro canto da praça o som do violoncelo de Gabriel é o que mais chama a atenção de quem passa por ali. Mas não de tanta gente como ele gostaria que fosse.
Nessas três situações distintas identificadas pelo Diário de Uberlândia estão pessoas que moram na rua, que estão em situação de rua e que fazem arte de rua. Três histórias que por um determinado período dividiram – algumas ainda dividem - a mesma praça, a Tubal Viela.
O principal espaço público no hipercentro de Uberlândia é ao mesmo tempo um ambiente de passagem, de estadia, de apresentação. Vidas que vem, que vão e que ficam.
Para Gabriel Santos, o violoncelista, a rua é o palco da vida. Há um ano ele deixou a casa da mãe, em São José do Rio Preto (SP), para ganhar o mundo. Se apresenta em calçadões e praças públicas, além de atuar em eventos corporativos e festivos. Já se apresentou na calçada da avenida Paulista, no pulmão de São Paulo, para centenas de pessoas. Em Uberlândia, primeira cidade mineira a conhecer, passou a última semana tocando diariamente na praça Tubal Vilela. As poucas pessoas que pararam alguns minutos para apreciar sua apresentação não lhe causou espanto. “A arte de rua ainda vai crescer e vai ser reconhecida (no Brasil)”, diz Gabriel, frisando que adotou a arte de rua não por falta de opção, mas pelo prazer de fazer algo diferente e ser valorizado. “A rua é uma escola, a gente aprende, as pessoas elogiam, faz bem pra cabeça”, reforça o jovem de apenas 16 anos e um sonho em mente: conhecer a América e depois a Europa.
Com endereço fixo em Ribeirão Preto, Gabriel Santos conta que teve o apoio da mãe depois que prometeu não abandonar os estudos. Atualmente, está no segundo ano do ensino médio. Por isso, as viagens, por enquanto, são mais curtas. “Quero fazer bacharelado em violoncelo”, diz.
Do outro lado da praça, os jovens Nazareno Fresco Soulé, 19 anos, e Eduardo Franco, 20, praticam malabarismo se preparando para mais uma apresentação em cruzamentos movimentados da cidade. Os dois saíram da Argentina há cinco meses com um espírito aventureiro. Já passaram por cidades do Paraná, São Paulo e Minas Gerais. Estão há um mês em Uberlândia e pretendem seguir adiante, cada vez mais longe. “Quero ir pra Amazônia, Peru, Colômbia, Chile e depois chegar até na Europa”, diz Nazareno, calculando um prazo de dois anos até conseguir atravessar o atlântico. “Estou vivendo o meu sonho”.
Além de artes circenses, ele conta que fez curso de eletrônica, toca piano, escreve poemas e trabalha com madeira. “Não importa tanto o dinheiro (que ganha nas apresentações), gosto do sorriso das pessoas”, diz Nazareno, que afirma ter conquistado a autorização da mãe após concluir o ensino técnico. “Dá saudade, mas eles sabem que eu sou feliz”.
O amigo de infância Eduardo Franco vai no mesmo embalo. “As pessoas têm medo (de aventurar). Estamos seguindo nossos sonhos, as sensações”, conta.
O dinheiro que vem das ruas ajuda a pagar uma pensão “mais barata” perto do Terminal Rodoviário, onde vão apenas para dormir. A roupa gasta pelo tempo e o sotaque gringo já foi alvo de muitos olhares desconfiados, porém não impediu que fizessem novas amizades. A praça Tubal Vilela não é somente um local de treino, é também ponto de encontro.
Foi lá que conheceram o venezuelano Gabriel Sandrea, 44 anos, uma espécie de “relações internacionais” como ele mesmo gosta de ser reconhecido. Gabriel afirma que é médico veterinário, já atuou no exército venezuelano e que fala 11 línguas. Está há dois anos no Brasil, e há cinco meses em Uberlândia. Desde maio, vive na praça Tubal Vilela, depois de ser “mandado embora” da casa dos pais de sua namorada. A moça está grávida de três meses. “Eles têm a cabeça fraca”, diz o venezuelano, que conhece a vida de praticamente todos que moram ou passam o dia na praça.
Ele conta que mantém contato com paróquias, como a de Santa Terezinha na praça Tubal Vilela, e outras instituições sociais em busca de ajuda e mantimentos para os colegas que estão na rua ou que precisam de suporte clínico. É o caso de Léo, um pintor que está em depressão, sofre com o alcoolismo e hoje passa o tempo no banco da praça. Ou a situação de Gleidson Alves, 39, um músico que também sabe os serviços de pintura, pedreiro e restauração de imóveis, mas que diante dos vícios da “bebida, droga e mulher”, como ele mesmo enumera, não consegue emprego. “Na rua a gente passa por muita coisa boa e muita coisa ruim”, conta. Questionado se não teria vontade de procurar uma clínica de recuperação ele diz que “já tentei e não consigo”.
 
Adolescente grávida passa a noite no banco da praça
 

A mesma praça que serve de palco aos artistas de rua e de moradia para os que estão em situação de vulnerabilidade, também é um ambiente de refúgio para a adolescente N., de 17 anos. Há sete meses ela conta que foi expulsa de casa pela mãe ao contar que estava grávida. Hoje, passa o dia entre a praça e as ruas vendendo bala, chicletes e jujuba. À noite, dorme em cima de um banco. Apesar da precariedade, ela afirma que tem feito o pré-natal regularmente graças ao convênio médico mantido pelo pai, que mora no Rio de Janeiro e, segundo ela, não sabe que a filha está vivendo nas ruas.
Perguntada sobre o que gostaria de fazer, ela é enfática: “Eu só queria terminar meus estudos e ter um serviço”. A adolescente frequentou até a sétima série do ensino fundamental.
A saudade de casa é outro sentimento que bate forte e que ela tenta contornar com a chegada do primeiro filho, que vai se chamar Luís Eduardo. “É uma homenagem ao meu irmão que faleceu com dois meses por causa de um problema no coração”, diz.
 
Pernambucano é acolhido por casal
 
Os bancos que dão abrigo temporário a quem não tem moradia, que recebem todo tipo de dependente são os mesmos que recebem casais apaixonados, servem de mesa para um jogo de damas e ponto de encontro a amizades que se consolidaram nas ruas. Kleiton Lopes da Silva, 30, já percorreu o país em busca de dias melhores. Pela quarta vez veio parar em Uberlândia. Ficou um mês vivendo na rua até que um casal de advogados se sensibilizou com a situação e o acolheu.
Além de pagar o aluguel de uma quitinete, o casal tem ajudado com a alimentação e na indicação de emprego, o que Kleiton espera conseguir depois do dia 26 quando irá buscar sua carteira de trabalho no posto de atendimento. “Eles estão apostando em mim”, diz o pernambucano, que admite ter retornado a Uberlândia por considerar ser uma cidade que “tem os braços abertos”.
Com o futuro próximo de dar uma nova guinada, Kleiton acredita que falta às pessoas hoje em dia “respeito acima de tudo” e “ajudar mais ao próximo”. Coisas que ele garante nunca esquecer. “Mesmo que eu arrume um emprego, eu não vou deixar de vir aqui (na praça)”, diz se referindo aos amigos feitos na praça. “São amizades sinceras. Não é pelo dinheiro, pela cor ou por raça. São pessoas que estão na mesma situação que você”.
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