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08/04/2018 às 05h12min - Atualizada em 08/04/2018 às 05h12min

Atrasos salariais atrapalham a vida de servidores do Estado

Parcelamento dos pagamentos fez com que o funcionalismo alterasse datas de vencimento dos compromissos domésticos

WALACE TORRES E NÚBIA MOTA | EDITOR E REPÓRTER

Ronaldo Amélio Ferreira já transferiu a data de vencimento de seu cartão de crédito quatro vezes nos últimos dois anos. Edwiges Beatriz Mercaldi fez o mesmo com as contas de energia elétrica e o aluguel. Situação bem parecida na casa de Wellington Pereira de Oliveira. Leandra da Cruz Silva até tentou fazer o mesmo com a despesa do condomínio, mas não teve jeito.

Um é professor, a outra aposentada, o terceiro auxiliar de serviços gerais e a última, assistente administrativa. Quatro histórias de vida distintas com um enredo em comum: todos são servidores do Estado.

Desde fevereiro de 2016, quando o Governo de Minas começou a atrasar os salários e a parcelar os pagamentos em até três vezes, boa parte do funcionalismo público estadual parou de fazer planos e passou a enfrentar uma nova realidade que dura até hoje. Com orçamento doméstico apertado e o dinheiro caindo em forma de conta-gotas, cada um teve que se adequar como pôde.

“Nesses nove anos que estou aposentada, eu vinha recebendo corretamente e pagando as contas no mesmo dia que recebo [o salário]. Agora, tenho que mudar tudo de novo. Só que algumas coisas não têm como alterar, então a gente paga atrasado, com multa”, diz a aposentada Edwiges, de 59 anos.

Leandra da Cruz trabalha numa unidade prisional em Uberlândia e pretendia aproveitar o 13º salário no fim do ano passado para quitar o IPVA de uma só vez e ainda colocar algumas contas em dia. Mera ilusão. Quando o governo anunciou que pagaria o benefício natalino em quatro parcelas, ela não teve outra saída a não ser optar pelo pagamento parcelado do imposto de seu veículo. “Desse jeito não vou conseguir casar nunca”, brinca Leandra ao responder uma pergunta se tinha marido e filhos.

O governo atribuiu a dificuldade de caixa à crise econômica e à queda na arrecadação. Desde o início do ano a Secretaria de Estado de Fazenda tem sinalizado uma expectativa de equilíbrio das contas ainda neste primeiro semestre. Mas, certeza mesmo para o funcionalismo, somente a divulgação no início de cada mês da escala de pagamento. Agora em abril, por exemplo, o servidor só irá ver a cor do dinheiro no dia 13, quando cai a primeira parcela ou o salário integral para quem recebe até R$ 3 mil líquidos. Os servidores com salário até R$ 6 mil líquidos irão receber a segunda metade dos rendimentos no dia 26, enquanto que aqueles que têm salário líquido acima de R$ 6 mil terão o restante depositado no dia 30. Já a quarta e última parcela do 13º salário será depositada em 19 de abril.

“Vale frisar que o rombo de R$ 8 bilhões deixado pelas gestões anteriores nas contas públicas do Estado levou ao parcelamento dos salários e do 13º. Apesar do déficit herdado e da gravíssima crise que o país enfrenta, o Governo de Minas Gerais segue pagando os salários dentro do mês a todos os servidores estaduais”, informou a Secretaria de Estado de Fazenda, em nota enviada ao Diário de Uberlândia.

A Secretaria explicou ainda que “o escalonamento está diretamente relacionado à possibilidade real de desembolso do Tesouro Estadual, considerando-se a entrada de recursos, sempre priorizando o compromisso de pagamento da folha. Apesar do esforço deste governo em cumprir o organograma da escala de pagamentos, tem ocorrido eventuais atrasos, em função do fluxo de caixa insuficiente”.

PRIORIDADES 

Polícias tiveram os salários parcelados em no máximo 2 vezes

Nem todos os quase 400 mil servidores estaduais foram submetidos ao mesmo sistema de escalonamento. Na área de segurança pública, as polícias Militar e Civil tiveram os salários parcelados em no máximo duas vezes. O décimo-terceiro dessas categorias também já foi quitado até janeiro. A mesma situação prevaleceu para alguns cargos na Saúde.

“Foi uma opção política do governo. Enquanto na Polícia Militar, no Judiciário e outras categorias mais elevadas a primeira parcela do 13º foi paga ainda em dezembro, nós da Educação, que somos maioria e com rendimentos mais baixos, tivemos o pagamento parcelado em quatro vezes, a partir de janeiro. Não deu nem para comprar o presente dos filhos ou como se diz, o peru de Natal”, diz o professor de Geografia Ronaldo Amélio.

“A Cemig nos cobra a conta de luz em dia e o Estado não nos paga em dia. É um contrassenso, pois a mesma fonte pagadora é a recebedora”, completa.
Por conta dos atrasos e de outras situações, a categoria da Educação está em greve desde 8 de março.

Na casa de Wellington Pereira moram cinco pessoas – ele, a mãe e três irmãs. Todos são funcionários do Estado. Como são salários diferentes, nem todos recebem integralmente na mesma data. “Tem mês que um paga a luz, o outro paga a água, outro paga as compras”, diz o auxiliar, que também dá aulas na educação infantil. “A gente não consegue planejar mais nada. Em 30 anos de Estado eu nunca vi parcelar e nem fiquei sem 13º tanto tempo”, diz a irmã Ângela Maria de Oliveira, já aposentada. “É muito triste ver a nossa classe (da Educação) sofrer desse jeito”, emenda.
 
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO 

Fabiana (nome fictício) é auxiliar administrativo na Fundação Hemominas de Uberlândia e, apesar de também ter alterado o vencimento do cartão, continua pagando multa. A servidora conta ainda que o empréstimo consignado que fez está sendo descontado na folha de pagamento, mas o valor não é repassado ao banco de crédito, que cancelou novos empréstimos para funcionários do Estado. O Diário de Uberlândia entrou em contato com o banco e a gerência disse que essas informações são sigilosas. Posteriormente, a reportagem ligou na agência local, se passando por funcionário público, e a atendente informou que não faz empréstimos para servidores do Estado há cerca de 6 meses, porque o Governo não está repassando o dinheiro.
 
PLANO DE SAÚDE

Categoria em Uberlândia não tem hospital de referência

Não é só no bolso que o funcionalismo público tem sentido as consequências da falta de comprometimento do Estado. A dificuldade de assistência à saúde é um problema bem mais antigo e que tem afetado essencialmente os servidores estaduais de Uberlândia, que há pelo menos três décadas cobram um hospital de referência próprio para a categoria.

Hoje, os servidores e dependentes que precisam de um pronto-socorro têm que recorrer à rede pública municipal ou pagar do próprio bolso um atendimento particular. Até os casos em que há laboratórios e clínicas conveniadas, a espera é longa em função da restrição de cotas. O único convênio hospitalar que o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) – responsável pelo plano de saúde do funcionalismo – mantém atualmente na cidade é com o Uberlândia Medical Center (UMC). O contrato, no entanto, prevê basicamente cirurgias eletivas e atendimento clínico.

A aposentada Edwiges Beatriz Mercaldi esteve no ginecologista em novembro do ano passado, quando ele pediu uma série de exames para avaliar sua saúde. Em dezembro, Edwiges, que é hipertensa e diabética, já estava com todos os resultados em mãos. Já o retorno ao médico só havia data para maio próximo. “É muito desrespeito com a gente, o Ipsemg vem arrastando essa situação há muitos anos. É uma vergonha e uma humilhação”, lamenta, frisando que o desconto de 3,2% do salário para custear o plano é cobrado pontualmente em todo contracheque. “A contribuição pode até não ser muito, mas a gente ainda paga coparticipação em tudo que faz, no médico, no laboratório, na clínica”, diz.

Neusa Chagas também é aposentada do Estado e atualmente faz parte da direção do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), onde exerce, entre outras atividades, o papel de articuladora na busca para conseguir atendimento médico a outros servidores. Enquanto atendia a reportagem na sede do sindicato, ela pediu para interromper a entrevista duas vezes preocupada com o estado de saúde de outros dependentes do plano do Ipsemg.

“O que nos deixa mais triste é saber que o governo se compromete e não cumpre”, diz Neusa mostrando cópia de um documento entregue em mãos ao governador Fernando Pimentel, com data de 4 de maio do ano passado, durante visita a Ituiutaba, no qual os servidores voltaram a cobrar um hospital de pronto-atendimento para Uberlândia.

Ela lembrou que o mesmo pedido fora reforçado num Fórum Técnico realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais há três anos, quando autoridades estaduais disseram que a primeira cidade do interior a ser contemplada com um hospital do Ipsemg seria Uberlândia. Nesse período, a categoria também conseguiu uma liminar, por meio do Ministério Público Estadual, dando um prazo de três anos para que o Estado construísse ou firmasse convênio para ter uma unidade hospitalar destinada a atender ao funcionalismo estadual e seus dependentes. “Até um pré-projeto do hospital regional dos servidores foi entregue ao governo”, aponta Neusa Chagas, que agora ajuda na coleta de mais assinaturas para um novo abaixo-assinado cobrando os mesmos compromissos.

A aposentada que persiste na cobrança em nome da categoria também é vítima das circunstâncias. Há dois anos, Neusa perdeu parte do movimento da mão direita porque o atendimento médico não teve sequência. “Fiquei esperando. Agora vou ter que ir para um hospital particular. (...) Paguei 40 anos da minha vida e agora quando preciso do plano, a gente não tem”.
 
PAGAMENTO

Critérios adotados* no escalonamento:
 
- servidores com salário até R$ 3 mil líquidos (75% do funcionalismo) recebem integralmente;
- servidores com salário até R$ 6 mil líquidos (17% do funcionalismo) recebem uma primeira parcela de R$ 3 mil e o restante na segunda parcela;
- servidores com salário acima de R$ 6 mil líquidos (8% do funcionalismo) recebem uma primeira parcela de R$ 3 mil, uma segunda parcela de R$ 3 mil e o restante na terceira parcela.
 
*Desde fevereiro de 2016
 
Escala de abril:
 
- 1ª parcela: dia 13
- 2ª parcela: dia 26
- 3ª parcela: dia 30
- 4ª parcela 13º: dia 19
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