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08/03/2018 às 05h12min - Atualizada em 08/03/2018 às 05h12min

Lei Maria da Penha: violência vai além da agressão física

Injúria psicológica, moral, patrimonial e sexual também são contempladas pela legislação

NÚBIA MOTA | REPÓRTER
Adriana denunciou duas vezes o ex-marido por causa de ameaças e agressões verbais | Foto: Núbia Mota

Em 12 anos de casamento, Adriana (nome fictício) nunca sofreu uma agressão física do marido. No último mês, no entanto, ela foi à Delegacia de Mulheres, na região central de Uberlândia, procurar ajuda. Foi a segunda vez que ela prestou queixa contra o pai de seus dois filhos, depois de anos de ameaças e agressões verbais.

Histórias como a de Adriana, em que os ataques não são físicos, correspondem a cerca de 80% dos casos que chegam até a Polícia Civil em Uberlândia, segundo uma estimativa da delegada Ana Cristina Marques Bernardes, o que demonstra que as violências psicológica e moral vêm sendo cada vez mais denunciadas. “As mulheres estão mais cientes de seus direitos”, disse Ana Cristina.

Ainda de acordo com a delegada, a maioria das mulheres que chega até a delegacia é vítima de ameaça ou injúria (leia mais abaixo). Na unidade, após a denúncia, primeiramente é feito um trabalho preliminar de triagem, com atendimento psicológico e psicossocial às vítimas. Depois, as mulheres são encaminhadas à autoridade policial e à Defensoria Pública, se for o caso.

“Fazemos todo um trabalho de conciliação, caso seja de vontade da vítima e do autor, mas caso a violência continue, assim como todo crime, pode acabar em prisão. Acontece muito com mulheres mais fragilizadas, e o autor, percebendo isso, usa dessa condição para praticar a violência psicológica”, disse a delegada.

Assim como a violência física, as violências psicológica, moral patrimonial e sexual também são contempladas pela Lei Maria da Penha. Outra possibilidade de aplicação da lei é para proteção da mulher que é agredida por outra mulher, seja em uma relação doméstica, familiar ou de afetividade. 

“Uma mãe, por exemplo, também pode denunciar o próprio filho. As mulheres já estão cientes disso, estão cada vez mais informadas de seus direitos e isso tem gerado um maior número de denúncias”, disse Ana Cristina Marques.

De 2016 para 2017, a ONG SOS Mulheres e Família, que apoia, orienta e encaminha pessoas que vivenciam ou vivenciaram violência doméstica, conjugal e familiar em Uberlândia, dobrou o número de intervenções, por meio de promoção de atividades socioeducativas e psicossociais, como palestras, por exemplo. Enquanto em 2016, o público alcançado foi de 3.190 pessoas, em 2017, foram 6.048 pessoas atendidas pelas ações.

AMEAÇA DE MORTE

A atendente de supermercado Adriana, hoje com 38 anos, sempre sonhou em se casar e ser mãe. Tudo aconteceu como o planejado, até o relacionamento se tornar abusivo.

“Ele nunca foi bom pai. Quando engravidei pela primeira vez, com 22 anos, ele me pediu para tirar o bebê. Acabamos nos separando anos depois e tudo piorou quando voltamos. Ele começou a me ameaçar, falava mal de mim para meus filhos e me mandou embora de casa”, afirmou Adriana.

A primeira vez que ela procurou a Delegacia de Mulheres foi porque o ex-marido a ameaçou de morte com uma faca. O casal se separou por 2 anos e reatou o relacionamento por cerca de 2 meses.

“Ficamos morando juntos na mesma casa. Ele chegava bêbado de madrugada, ligava o som alto e não deixava a gente dormir. Enforcou a cachorrinho dos meus filhos. Contraiu hepatite na rua. E agora, por último, deu um tiro no portão com uma espingarda de chumbinho. Gosto dele, mas não quero mais”, afirmou.

Depois de 2 anos separada novamente, Adriana briga na Justiça para se divorciar e conseguir com que o ex-marido pague pensão alimentícia para os filhos de 16 e 9 anos. “Saí de casa sem nada e pago aluguel. Trabalho todo dia e faço bico para conseguir pagar as contas. Ele não está nem aí”, disse.
 
SUPORTE

Terapeuta defende grupos de ajuda e união feminina

Para a terapeuta consteladora Márcia Santiago, a violência psicológica e moral contra a mulher ainda é mais difícil de ser coibida do que a violência física porque nem sempre o problema é visto. “É a palavra do homem contra a da mulher. Ela sofre pela ação do agressor e da sociedade, que duvida. Hoje temos muitos canais de proteção. Mas sabe o que ainda não temos? União. Somos muito rivais”, disse. 

A profissional defende a formação de comunidades femininas, seja por meio de aplicativos por celular ou encontros para um café. “No meu bairro temos um grupo de vizinhança solidária só de mulheres no WhatsApp. Se o cara sabe que eu, lá de dentro do banheiro, posso mandar uma mensagem pra 50 mulheres, ele vai pensar duas vezes antes de me agredir.”

Ainda segundo Márcia Santiago, é importante que mulheres que ocupam cargos de chefia passem a olhar as funcionárias com mais cuidado. “Temos que defender as demais. Fazer um chá de fraldas, cuidar das funcionárias grávidas, que têm filhos, que estão com TPM. Você é violenta não só com que você faz, mas com o que não faz. Se eu não tenho esse cuidado, como posso cobrar isso do homem?”, afirmou.

Outro aspecto abordado pela consteladora é sobre a conscientização das futuras gerações. “A menina precisa crescer sabendo que tem o mesmo valor do menino, mesmo não sendo igual a ele. Tenho três filhos e eles jamais bateriam em uma mulher, porque eu não permito. Estou deixando no mundo três homens que não são violentos. E isso é muito bom.”
 
NÚMEROS

Registros de agressões físicas caem no último ano

Os casos de agressões físicas contra mulheres registrados pela Polícia Militar (PM) em Uberlândia apresentaram redução em 2017 ante 2016.

Segundo dados divulgados pela corporação, no último ano houve queda de 8,3% no número de agressões, com 994 casos computados, ante os 1.085 de 2016. Já os registos de lesão corporal (quando a vítima apresenta ferimentos) tiveram redução de 7,3%, 621 ante 670.

Em contrapartida, os números de feminicídio e homicídio tentado permaneceram estáveis na cidade. A corporação registrou cinco assassinatos de mulheres tanto em 2017, quanto em 2016. Já em relação às tentativas, foram 12 casos no ano passado, e 13, em 2016.

Os números oficiais, por sua vez, nem sempre correspondem fielmente à realidade. Isto porque, segundo reforçam especialistas, nem sempre os casos de violência doméstica são denunciados pelas vítimas.
 
TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
 
Violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher
Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher
Violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada
Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos da mulher
Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria
 
ESTÁTISTICAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM UBERLÂNDIA
 
2017

- 5 feminicídios
- 12 tentativas de homicídio
- 621 lesões corporais
- 994 agressões
 
2016

- 5 feminicídios
- 13 tentativas de homicídios
- 670 lesões corporais
- 1.085 agressões

Agressões não físicas, como psicológicas ou morais, correspondem a 80% dos casos de violência doméstica recebidos na Delegacia da Mulher
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