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24/12/2017 às 05h01min - Atualizada em 24/12/2017 às 05h01min

Ciclistas se mobilizam por mais segurança

Grupos de pedal traçam estratégias com autoridades para reduzir crimes nas trilhas

WALACE TORRES | EDITOR
Maioria dos grupos de pedal percorre trilhas na zona rural de Uberlândia, onde os roubos são frequentes / Foto: Trilha Bike/Divulgação

 

Josemar Rodrigues de Oliveira, 60 anos, costumava pedalar cerca de 400 quilômetros por semana por estradas rurais no entorno de Uberlândia. Quando não encontrava companhia, ia sozinho. “Gosto de trilha de 80, 100 km. Tinha uma vida muito ativa. Ainda tenho, gosto demais de pedalar, mas bem menos”, diz.

Seus passeios quase que diários lhe renderam até o apelido de Lobo Solitário. Hoje, as trilhas são em menor quantidade e também em distância. O percurso rural foi substituído pelo urbano. O que lhe fez desacelerar de 400 para cerca de 80 quilômetros percorridos por semana não tem nada a ver com idade ou falta de companhia. Aliás, pedalar sozinho já não é mais uma opção. A falta de segurança na zona rural e o aumento dos crimes contra ciclistas o fizeram mudar o comportamento.

Era uma manhã de domingo, 23 de julho, dois dias antes de seu aniversário, quando Josemar foi surpreendido por quatro bandidos armados com revólver que, de súbito, saíram do mato e o renderam ao retornar de uma trilha na região de Sucupira. Nesse dia ele nem estava sozinho. Era um grupo de 17 pessoas, entre eles casais e até crianças. “(Os bandidos) Estavam a pé. Foi uma tortura psicológica, apontando arma para crianças”, conta.

Cada um dos marginais fugiu numa bike. Josemar ficou sem duas magrelas naquele dia, uma dele e outra do filho. As outras duas eram de amigos. No mesmo dia, a Polícia Militar conseguiu recuperar duas bicicletas devido a um rastreador instalado num dos celulares que também haviam sido roubados. “Eu passei a pedalar mais no perímetro urbano, mas hoje não tem mais sossego”, lamenta.

A situação chegou a tal ponto que os próprios grupos de pedal começaram a se mobilizar pelas redes sociais, postando ocorrências, fotos de bikes roubadas e protestos. A união dos grupos motivou uma primeira reunião em outubro deste ano com representantes de todos os órgãos de segurança e o Poder Público Municipal. Na pauta, cobrança por mais segurança e definição de estratégias para coibir a criminalidade.

Um detalhe que chamou a atenção durante a audiência foi a conclusão de que um dos fatores que mais contribuíram para atrair a criminalidade era justamente a ferramenta utilizada pelos ciclistas para divulgarem sua revolta com a situação. Nas redes sociais, não era raro encontrar ciclistas que postavam fotos ao lado de suas bikes modernas e faziam questão de contar o quanto desembolsaram na compra. Outro fator agravante: divulgação antecipada das rotas, com horário de saída e pontos de referência.

Os furtos e roubos de bicicletas também têm ocorrido com frequência no perímetro urbano, inclusive em residências. A bike de Lucas Jacinto da Silva, 19 anos, foi levada de dentro da sua casa, com ele presente. “Tinha chegado do treino pela manhã e fui dormir um pouco. Quando acordei, ela não estava mais lá. Alguém deve ter visto chegando e ficou de olho”, diz Lucas, que durante três meses sem bicicleta chegou até pensar em parar de pedalar e disputar competições. Mas, segundo conta, com a ajuda e a força dos amigos que fizeram uma “vaquinha”, conseguiu comprar uma bike nova e retornar ao esporte. “Tenho outros colegas que também tiveram a bike levada de dentro de casa. Um deles ainda está pagando até hoje”, diz.

 

ACIDENTES

Depois da primeira reunião entre ciclistas, autoridades de segurança, Câmara e Prefeitura, a situação começou a mudar. Só em outubro, pelo menos oito bicicletas roubadas foram recuperadas, além de peças. Os ciclistas fizeram mapeamento das principais trilhas e repassaram ao Corpo de Bombeiros, juntamente com a definição de pontos de socorro, para facilitar o resgate em casos de acidentes. Somente nos últimos 12 meses ao menos quatro ciclistas perderam os movimentos do corpo em quedas provocadas, não raras vezes, pelo excesso de velocidade ou falta de atenção, como a travessia em mata-burros. Uma das vítimas faleceu recentemente. Os bombeiros, aliás, se prontificaram a dar cursos gratuitos de primeiros-socorros.

As polícias Militar e Civil também se comprometeram a incrementar o patrulhamento ostensivo visando identificar e recuperar bicicletas e peças roubadas, identificar suspeitos e até acompanhar alguns grupos de pedal.

Já a Prefeitura priorizou a manutenção de estradas rurais, conserto e trocas de mata-burros, especialmente na inversão de vigas para evitar acidentes. Até alguns eventos esportivos em duas rodas já estão nos planos da Futel, visando incentivar a prática e colocar a cidade na rota do turismo esportivo. “Com o apoio das autoridades policiais e do Poder Público, o avanço do esporte e a segurança dos ciclistas são pontos possíveis de serem alcançados. Tão importante quanto isso é a participação e a união do ciclistas”, ressalta o secretário municipal de Gestão Estratégica, Raphael Leles, que foi responsável por colocar todos os órgãos de segurança, ciclistas e os representantes municipais numa mesma mesa.

Para 2018, os líderes de mais de 40 grupos de pedal existentes na cidade ainda aguardam a continuidade das ações de segurança e o fortalecimento da modalidade. Procurados, nenhum líder quis dar entrevista. Parte deles ainda sente a frustração do cancelamento de audiência pública que aconteceria na Câmara no dia 15 de dezembro, quando seriam debatidas novas ideias, inclusive proposições de leis contemplando não só os ciclistas como também corredores.

 

ZONA RURAL

Grupo foi assaltado duas vezes em uma semana

A primeira bike a gente nunca esquece. Que o diga a empresária Izabella Cristina Sinício, que começou a pedalar por influência do pai e da irmã. Depois de alguns passeios com a família, ela decidiu comprar sua própria bicicleta. Três dias depois de retirá-la da loja, ela e outras quatro pessoas foram rendidas por dois homens armados com faca que se aproximaram numa moto enquanto retornavam de uma trilha numa manhã de domingo. Após ameaças, o rapaz que estava na garupa da moto fugiu levando sua bike nova. “Acho até que foi por isso que ele escolheu a minha”, conta Izabella.

O fato não intimidou a empresária, que no sábado seguinte saiu para uma trilha em outra região da cidade com uma bike emprestada e um grupo maior de ciclistas. Ao retornar, já quase noite, um problema nos freios fez o grupo se dispersar. Izabella ficou para trás na companhia do pai e dois amigos. Não demorou e quatro jovens com armas de fogo renderam o grupo e levaram as quatro bicicletas. Pouco tempo depois a polícia localizou sua bicicleta, mas com o quadro trocado. Já a bike emprestada, nada. “Fiz rifa e os amigos e a família ajudaram para diminuir o prejuízo”, diz Izabella, que passou três meses até ter vontade novamente de voltar a pedalar. “Ainda estou meio traumatizada. Se vejo um carro, um farol, fico mais preocupada”, conta.

Wesley Rodrigues também estava no grupo que foi rendido. Depois do episódio, nunca mais voltou a pedalar à noite e nem com grupos menores. “Agora só vou em evento com mais de 30 pessoas”, diz o designer gráfico, que teve a bike recuperada depois de uma semana. “O problema é que todo mundo que vai preso, é solto um dia depois”, lamenta.


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