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06/08/2017 às 05h10min - Atualizada em 06/08/2017 às 05h10min

Rumo à Romaria

Além da tradicional caminhada, peregrinação também é feita nessa época a cavalo, de bicicleta e carros de boi

WALACE TORRES | EDITOR
Turma de Serra do Salitre faz o trajeto há 11 anos para agradecer os votos à Nossa Senhora da Abadia / Foto: Walace Torres

 

O que leva uma cidade com cerca de 4 mil habitantes a receber num período de apenas 15 dias uma multidão 100 vezes maior que a sua população? A fé. E o que essas pessoas fazem para confirmar essa devoção pelo menos uma vez ao ano? Quase tudo. Nessa época do ano todos os caminhos levam a Romaria, cidade de 54 anos e que sustenta uma tradição que vem do século XIX.

Assim como a primeira imagem de Nossa Senhora da Abadia, encomendada de Portugal, chegou à Capela provisória do antigo vilarejo transportada em lombo de animais, trem e carro de boi na década de 1870, até hoje os seus devotos também se utilizam de vários meios para chegar até o atual Santuário e beijar o pé da Santa. Gente de todas as partes do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e estados vizinhos de Minas Gerais chegam a Romaria com a intenção de pagar uma promessa, pedir um voto ou simplesmente praticar o turismo religioso.

A grande maioria dos que visitam Romaria nos dias que antecedem a festa de Nossa Senhora da Abadia, comemorada em 15 de agosto, faz o trajeto a pé, enfrentando sol, frio, cansaço, bolhas nos pés e dores pelo corpo. Mas, de uns tempos pra cá, tem crescido o número de grupos de romeiros que chegam à antiga Água Suja no lombo do cavalo, de bicicletas e outros meios alternativos de transporte, como o carro de boi.

Para a Santa, provavelmente a maneira como cada um se deslocou não faz diferença na graça alcançada, mas para os peregrinos quanto maior o esforço, maior a sensação do dever cumprido.

O técnico agrícola Mateus Eduardo Teixeira já tinha ido de Ibiá, no Alto Paranaíba, a Romaria a cavalo. Este ano foi de carro depois de conseguir a graça pedida à Santa, que era justamente tirar a carteira de habilitação. Para pagar a promessa, ele subiu as escadarias e percorreu o corredor até a imagem da Santa de joelhos. “Sempre quando eu peço, ela me atende. É uma forma de agradecer”, diz Mateus.

Gutemberg Celestino Dias Geraldo é de Serra do Salitre, no Alto Paranaíba, e faz o trajeto até Romaria a cavalo há 11 anos. A viagem deste ano teve início numa quarta-feira e só terminou no último domingo, depois de passar por muita dificuldade pelas estradas de terra. Ele conta que o cansaço é logo superado ao lembrar do motivo que o levou tantas vezes até Romaria. “Quem é devoto igual a gente é até difícil falar. Eu passei por um problema sério de saúde e ‘peguei’ com Nossa Senhora da Abadia e pedi pra não morrer”, conta Guto, como é mais conhecido entre os amigos. “Enquanto vida tiver, vou vir para agradecer”, diz. Além dos agradecimentos, o grupo leva todo ano duas cestas básicas para doação.

Das 19 pessoas que viajaram a cavalo, haviam seis mulheres. Ana Carolina Cortes, de 21 anos, fez o percurso pela terceira vez. Estudante de Veterinária, ela mora em Patrocínio e tem família em Serra do Salitre. “A gente vem mesmo para agradecer, pois tudo que pede, ela [Nossa Senhora da Abadia] atende”, diz a estudante, que confirma que a fé é sua maior motivação nas horas em que o cansaço bate forte. “Tem muitos momentos difíceis, mas chega sempre bem graças a Deus”.

 

TRADIÇÃO

Caravanas se encontram no caminho em carros de boi

Caravana da família de Keilla percorre 75 km em carros de boi desde a região de Coromandel / Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Uma das viagens mais tradicionais até Romaria é em carros de boi. Em pleno século XXI os veículos de tração animal ainda fazem a diferença pelas estradas de terra da região, especialmente nesta época do ano. Caravanas saem de vários municípios e se encontram no meio do caminho, numa verdadeira confraternização rumo a Romaria.

O lavrador Sebastião Carlos da Silva tem 37 anos e faz o trajeto até a antiga Água Suja em carro de boi desde os 2 anos de idade. A tradição que começou com seus avós é seguida pelos filhos de Sebastião. “Só daqui de casa tem umas 12 pessoas, a esposa, os filhos, minha mãe, o sobrinho”, conta Sebastião, que sairá no dia 9 de um distrito na zona rural de Patrocínio numa caravana de 15 carros de boi durante dois dias.

Os dias que antecedem a viagem são de preparação dos animais e dos mantimentos que serão utilizados no trajeto. “Pra aguentar a viagem tem que ser uma comida forte”, diz Sebastião, citando que não pode faltar a linguiça de porco, costela seca, ovo, paçoca, pão de queijo e uma pinguinha para “tirar a poeira da garganta” à noite.

No meio do caminho, a turma de Patrocínio irá se juntar ao grupo da família de Keilla Regina, que sairá um dia antes da zona rural de Coromandel, percorrendo cerca de 75 km. Aos 29 anos, ela se prepara para a décima viagem em carro de boi. “É bastante cansativo, são três dias de sol, poeira, armar barraca, mas é muito alegre também. O melhor da Romaria é justamente a viagem que a gente faz”, diz a estudante que passou a acompanhar a família depois de ouvir as histórias do pai.

As caravanas ficam em Romaria até a festa de Nossa Senhora da Abadia, participam da cerimônia de coroação e da missa sertaneja e depois retornam para as respectivas cidades.

 

TRILHEIROS

Grupos de ciclistas percorrem 100 km por estradas de terra

Grupo reúne pessoas de todas as idades, que aproveitam para curtir a paisagem / Foto: Divulgação

A cada ano aumenta o número de ciclistas que chegam a Romaria pedalando, especialmente vindos de Uberlândia. Os trilheiros, como são conhecidos os praticantes do mountain bike, geralmente fazem o percurso com vários dias de antecedência da festa, justamente para evitar trânsito de romeiros. A maioria dos grupos prefere o caminho por terra que, além de ser mais seguro, é ideal para quem gosta de curtir cada momento. “Por terra, é mais bonito a paisagem e menos perigoso de ter acidente, pois não tá disputando espaço com os carros”, diz Wagner Ferreira Borges, empresário que organiza excursões até Romaria há dez anos. Ele conta que a cada ano surgem novos praticantes que encaram o desafio de 100 quilômetros em cima da magrela. “As turmas sempre são diferentes a cada não. Muita gente vai pela devoção à Nossa Senhora da Abadia, mas tem também muita gente de outras religiões que vai mesmo pelo passeio”.

A idade não é limite para os romeiros ciclistas. Na turma de 27 pessoas que o empresário Wagner levou este ano, três tinham menos de 16 anos de idade e outros dois, acima de 60 anos. José Silvério Carneiro era o novato mais experiente do grupo. Aos 74 anos, Silvério percorreu pela primeira vez o caminho de bike. “Eu já estive várias vezes em Romaria trazendo alguém de carro para pagar promessa. Desta vez, confesso que foi um desafio, mas com a graça do Grande Arquiteto do universo, me permiti aventurar”, diz Silvério, que começou a pedalar há apenas três anos. “Pelo que percebi não deixei a desejar. Cheguei são, inteiro e já penso em voltar ano que vem”, completa o administrador, que nas semanas anteriores havia participado de um circuito de 196 quilômetros em dois dias, na Bahia, onde trabalha atualmente, e ainda de uma volta ciclística em Goiás.

A maioria dos grupos de ciclistas conta com carro de apoio, que oferece lanche, hidratação e suporte mecânico, e retorna de carona, com as bicicletas transportadas em guinchos específicos.


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