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18/06/2017 às 05h40min - Atualizada em 18/06/2017 às 05h40min

Oficina de pintura atende jovens com necessidades específicas

Atividade oferecida há 12 anos tem atualmente 22 alunos e funciona com doações e professora voluntária

ADREANA OLIVEIRA | EDITORA
Essa turma se reúne às segundas-feiras em oficina de pintura para começar bem a semana / Foto: Adreana Oliveira

 

Amanhã é segunda-feira. Muitas pessoas não pensam nesta frase com entusiasmo. Porém, para o grupo de jovens e adultos da oficina de pintura ministrada por Heloísa Gomides, na Biblioteca Pública Municipal Presidente Juscelino Kubitschek, em Uberlândia, a segunda-feira é um dos dias mais aguardados da semana.

No dia 12 de Junho, Dia dos Namorados, a reportagem acompanhou a oficina e encontrou alunos dedicados, animados e extremamente educados. Com idades entre 15 e 31 anos, esses jovens convivem com alguma síndrome, como Down (que atinge 1 a cada 600 nascido vivos) ou até mesmo uma condição rara como a Síndrome Autossômica Recessiva, que não passa de uma centena de casos no mundo.

A cada segunda-feira um dos alunos coordena a oficina no local cedido pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC). Isabella Leite, 23 anos, foi a coordenadora da oficina do dia 12. “Meu colega Guilherme escolheu o tema ‘o coração’, porque hoje é Dia dos Namorados”, disse ela que iniciou a distribuição do material na mais perfeita ordem.

Em pouco mais de 90 minutos, ou até menos, todos já exibiam suas obras, assinadas e com muito orgulho. Isabella contou com o apoio do namorado, que também participa da oficina.

Gustavo Alves Anchieta, 22 anos, era um dos mais animados. Além de participar das oficinas, ele trabalha na loja de móveis dos pais, onde atende os clientes “sempre com um sorriso no rosto”.

Guilherme Garcia de Melo, de 15 anos, também fez um belo trabalho no azulejo e afirmou ser um romântico de carteirinha. A mãe dele, Ana Maria Garcia, é uma das que acompanha as aulas. Ela diz que sempre o incentivou com atividades e ele contou com acompanhamento psicopedagógico e psicoterapia. “Ele ficou na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – Apae - até os quatro anos e depois foi para a escola regular. Sempre gostou muito de desenhar e já evoluiu bastante”, conta.

Ana Maria afirma que ainda sente que existe preconceito contra pessoas com deficiência dentro da própria família, algo velado, situação que já foi pior. “Era comum antigamente as famílias esconderem as crianças. Hoje, apesar de não os vermos inseridos constantemente em grupos com jovens ditos normais, já melhorou bastante”, afirma ela, que tem outros filhos de 30 e 25 anos. “Por incrível que pareça o Guilherme é o que me dá menos trabalho. As limitações dele são praticamente motoras, e mesmo assim ele é muito independente porque eu sempre soube respeitar o tempo dele e evitei também uma superproteção”, explica.

Vanessa Rodrigues de Souza tem 26 anos. Faz natação, é aluna do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ainda faz dança. “Eu costumo ir e voltar de van e tenho tudo muito bem organizado na minha agenda”, comenta.

Nas oficinas de pintura eles desenvolvem amizades duradouras. A estudante universitária Kellen Calegari fez 30 anos recentemente e os amigos foram convidados para um baile de máscaras que marcou a data.

Tatiana Mendonça já fez 31 anos, mas gosta de pensar que ainda tem 19. Ela faz dança, canta e toca violão. Durante a oficina de pintura é possível ouvir uma outra melodia cantada por ela enquanto desenha. Quem olha não percebe, mas a jovem também passou por uma depressão, está saindo da medicação agora. “Ela se dava muito bem com o irmão e depois que ele se casou e mudou de casa, ela ficou muito triste, parou até com a oficina. Agora ela está voltando aos poucos e os colegas ajudam bastante”, disse a mãe dela, Maria Trindade.

Sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia, ela se lembra de quando ainda utilizava transporte público e as pessoas não percebiam que Tatiana tinha necessidades específicas. “Nem sempre davam lugar para nos sentarmos e sei que muitas mães ainda passam essa dificuldade com os filhos. No nosso caso, o carro próprio ajudou bastante”.

 

DEDICAÇÃO

Mãe estuda para conhecer mais a síndrome rara dos dois filhos e para ajudar outros jovens

Rosa Helena Urzedo de Queiroz é mãe de Leslie Taciene Severino Queiroz, 29 anos, e Brunno Régis Severino Queiroz, 34 anos. Os irmãos têm uma condição genética raríssima chamada Síndrome Autossômica Recessiva. O caso deles está nas mãos de especialistas de outros países. “É um caso único na literatura médica. Eles têm um déficit cognitivo. Notamos alguns traços de autismo, como movimentos repetitivos e aqueles momentos em que eles ficam imersos no mundo deles”, explica Rosa que é pedagoga, lecionou por 30 anos e está aposentada há um ano.

Ela também é psicopedagoga física e especialista em Educação Especial e Orientação Sexual. Atualmente trabalha em um livro sobre sexo na vida das pessoas com deficiência. É sua forma de colaborar com a inclusão que todos sonham ser mais efetiva e real.

Para Rosa Helena, a família, a religião e o conhecimento são pilares fundamentais para a sociedade entender e aceitar o que não está dentro dos padrões considerados normais. “Jesus Cristo nos deixou a maior lição, nunca discriminar ninguém, não importa a religião. Ensinou também a humildade, igualdade e a liberdade no combate às barreiras que surgem no dia a dia que não são somente físicas”, disse.

A família deve oferecer toda a estrutura e indicar o caminho, desmistificar o filho para o mundo. “O conceito da deficiência vai além do que se vê. O pai e a mãe devem ter a coragem e a ousadia de mostrar aos seus filhos desde pequenos que todos têm direitos e são iguais, mesmo sendo diferentes”, explica.

Rosa Helena aposta ainda no conhecimento. “Quanto mais você conhece mais compreende, e não falo disso só no sistema educacional formal não, falo para todas as situações em nossas vidas”, disse ela, que não é a favor de um professor ter formação especial para trabalhar com educação especial. “Nas salas de aula precisamos de material didático adaptado, nas ruas precisamos de acessibilidade. Precisamos também de recursos humanos independentemente de uma formação específica porque a inclusão está no coração de cada um”, enfatiza.

 

COMPROMETIMENTO

Para voluntária, projeto vai acompanhá-la até o último suspiro

Wendel Prado e a professora Heloísa Gomides, que está no projeto desde o início / Foto: Adreana Oliveira

O projeto Oficina de Pintura existe há 12 anos. Foi idealizado por Warley Ladir de Rezende, que se afastou por questões de saúde, junto com Heloísa Gomides. Ela tem formação em letras, é funcionária pública aposentada e voluntária na oficina, que tem 22 alunos regulares. “Aqui, eles têm um espaço para socialização onde se sentem acolhidos, alguns estão conosco desde 2005”, conta Heloísa.

Ela diz ainda que sua casa vira uma extensão da biblioteca. Lá, eles fazem quatro festas por ano: Páscoa, Dia das Mães, Festa Junina e Natal. Tudo com ajuda dos pais e responsáveis pelos jovens. A oficina também é realizada com material adquirido por doação. “Meu sonho é ter um Centro de Convivência onde eles possam realizar muitas outras atividades. Hoje, se aparecer mais alunos não temos como receber porque o espaço já ficou pequeno. Se tenho uma certeza é que não desisto desses meninos até meu último suspiro”, explica a oficineira.

Ela recebe um abraço carinhoso de Wendel Prado, 28 anos, o galã da turma. Os colegas comentam que ele tem duas namoradas e ele disfarça e pergunta para a repórter “você tem marido”? Brincadeiras à parte, Wendell gosta e precisa estar em movimento. Ele faz natação e dança. Mais tímidos, mas não menos comprometidos, ao lado dele estão Laura Pena, que acabou de fazer 18 anos, e Anderson Rezende Luz, de 31 anos, que adora caminhar.

Maria da Guia diz que Wendel nem sempre foi tão extrovertido, essa personalidade ele foi construindo com o tempo. “A gente busca coisas que ele gosta, como Educação Física, a própria oficina de pintura e a dança. Ele adora essa época do ano por causa das festas juninas e ele interage bem em todos os meios”, elogia.


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