Um projeto de iniciativa popular que propõe a redução de custos na Câmara Municipal de Uberlândia está mexendo com o meio político e gerando divergências antes mesmo de chegar ao Legislativo. O projeto prevê, entre outros pontos, a diminuição de 27 para 17 vereadores, redução do número de assessores por gabinete de 15 para 5 e a redução dos salários dos vereadores e da verba indenizatória em 40%. O cálculo apontado pelos organizadores é que num período de quatro anos a economia chegaria a R$ 100 milhões.
Em nível municipal, para que um projeto de iniciativa popular seja considerado válido é necessário o apoio de 5% do eleitorado. No caso de Uberlândia, que tem 477 mil eleitores, o mínimo necessário é de 23.889 assinaturas. O grupo que organiza o movimento tem como meta reunir pelo menos 25 mil assinaturas, e até o momento já conseguiu 22 mil adesões.
O presidente da Câmara, vereador Alexandre Nogueira (PSD), disse que a iniciativa é inconstitucional. “Isso é prerrogativa exclusiva da Mesa Diretora da Câmara Municipal. Nem vereador que não faça parte da Mesa pode apresentar”, disse Alexandre Nogueira, que também tem posição contrária ao que propõe o projeto. “Nos últimos quatro anos não houve nenhum reajuste no salário de vereador. Todo ano, a Câmara devolve dinheiro para a Prefeitura. Só em 2016 foram R$ 8 milhões de economia. E com o desemprego em alta, não dá para fala em redução de assessor”, disse.
A redução de gastos na Câmara Municipal foi idealizada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) em Uberlândia, que iniciou a coleta de assinaturas em agosto do ano passado, durante a Exposição Agropecuária do Camaru. O empresário Pedro Cherulli, um dos integrantes do movimento, disse que, antes de propor a iniciativa popular, o grupo consultou juristas sobre a viabilidade de levar o assunto adiante. “Não há conflito. O projeto é uma solicitação aos vereadores e será colocado na mesa deles. Entre falar [que é inconstitucional] e ser, tem uma Comissão de Constituição e Justiça”, diz Cherulli. “O projeto de iniciativa popular tem que ter um foco único, e o nosso foco é a redução de custos na Câmara”, sustenta.
O Diário do Comércio ouviu os vereadores durante a sessão de ontem (veja posicionamentos na tabela nesta página) e também procurou um especialista em gestão pública para comentar o assunto.
Segundo o advogado André Leandro Barbi de Souza, do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (IGAM), com sede em Porto Alegre e atuação em vários estados, o artigo 29 da Constituição Federal estabelece como competência da Câmara Municipal, através da Mesa Diretora, apresentar projeto de lei fixando os subsídios de prefeito, vice, vereadores e secretários municipais. “É possível e legítimo a comunidade se mobilizar e estabelecer elemento de pressão para que a Câmara adote medidas, como espécie de participação popular. Outra coisa é a comunidade usar regras da Constituição para propor projetos de iniciativa popular. Quando a Constituição indica o autor da matéria, só ele pode propor”, diz.
Ele explica que se o projeto de iniciativa popular tratar de salários dos vereadores, configura-se o vício de origem e, portanto, a proposição poderá receber parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça. No entanto, o advogado especialista em direito político esclarece que, se o projeto obtiver os 5% de assinaturas do eleitorado, independente do conteúdo, a Câmara não pode se recusar a recebê-lo. “A partir do protocolo, a Câmara vai divulgar para a comunidade o conteúdo do projeto de lei, inclusive por meio eletrônico, e fazer a leitura na primeira sessão subsequente. Em seguida, vai para a Comissão de Constituição e Justiça avaliar a compatibilidade e os vereadores se manifestam sobre o erro de origem”, disse André Leandro. “Se o objetivo for criar um fato político, então está criado. “A Câmara também pode se sensibilizar e acolher o projeto, se tornando autora e corrigindo o erro”, completa, ressaltando que neste caso a Mesa Diretora assumiria a autoria da proposta com base na iniciativa popular.
UBERLÂNDIA
Ao propor um projeto de iniciativa popular para reduzir os custos na Câmara Municipal de Uberlândia, o Movimento Brasil Livre acabou esbarrando em outros dados que reforçaram a coleta de assinaturas junto ao eleitorado. Segundo levantamento do MBL, a Câmara de Uberlândia tem um dos mais altos custos do país, levando em consideração a proporção entre o número de habitantes e a representatividade legislativa. “Fizemos um levantamento das 40 maiores Câmaras Municipais do país. Para nossa surpresa, constatamos que a de Uberlândia tem o terceiro maior custo cidadão”, disse o empresário Pedro Cherulli, um dos integrantes do movimento em Uberlândia.
Nos cálculos do movimento, o custo do Legislativo local chega a R$ 0,61 por habitante, só perdendo para as Câmaras de Florianópolis (R$ 0,71) e Palmas (R$ 0,77). O valor é resultado da soma dos salários pagos aos vereadores dividido pelo número de habitantes. De acordo com o estudo, o custo médio nacional por habitante é de R$ 0,21. Outro dado destacado pelo MBL é representatividade, que em Uberlândia é de 24.803 habitantes para cada vereador, enquanto que a média nacional é de 52.865 habitantes/vereador.
Populares aprovam iniciativa
Os integrantes do Movimento Brasil Livre têm aproveitado eventos com grande concentração popular para recolher assinaturas de eleitores e conseguir o mínimo de 5% exigido pela legislação. Até a última quarta-feira, o MBL havia feito 60 ações de coleta de assinaturas. “O salário de vereador é um absurdo, não tem necessidade de ganhar tudo isso [R$ 15 mil, brutos]”, diz o garçon Renato Damião da Silva, após dar seu aval ao projeto.
O coordenador de operação Francisco Pereira da Silva disse que costuma acompanhar as sessões na Câmara Municipal e acha alto o número de 15 assessores por gabinete. “Tem muita empresa grande que não tem essa quantidade de funcionários”, disse.