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03/04/2017 às 09h00min - Atualizada em 03/04/2017 às 09h00min

Falta trabalho, sobra ociosidade nas celas

Apenas um quarto dos presos trabalha; número é ainda menor quando se trata de dar sequência aos estudos

Walace Torres - editor
Na falta de um espaço adequado, sala de aula funciona em ambiente improvisado dentro dos blocos da penitenciária

Se para boa parte da população economicamente ativa as oito horas diárias de trabalho são recompensadas por um merecido descanso, para a população carcerária que exerce alguma atividade laboral essas mesmas oito horas são um privilégio que poucos têm acesso. Segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), hoje 25% dos 67 mil presos em Minas Gerais trabalham enquanto cumprem pena, ou seja, 17 mil detentos. A situação não é diferente em Uberlândia.

Dos 734 presos que cumprem sentença na Penitenciária Pimenta da Veiga, 188 trabalham internamente. Esse número sobe para 253 presos se considerar os que estão no regime semiaberto e trabalham fora, só retornando à Penitenciária para dormir.

Em todo o Estado são 186 unidades prisionais, sendo que em apenas sete delas a maioria dos encarcerados está trabalhando. A de Governador Valadares, na região Leste, é a que tem o maior número de indivíduos exercendo algum ofício: 787, de acordo com dados registrados ano passado.

Mas não é só na mão de obra que a ociosidade prevalece nas carceragens mineiras. Quando se trata de estudos, os números caem pela metade. Em Minas, há 114 escolas presentes dentro das unidades prisionais e APACs, mas apenas 8 mil presos estudam. Na Pimenta da Veiga, em Uberlândia, apenas a Escola Estadual Mário Quintana tem profissionais ministrando aulas dos ensinos fundamental e médio a um número reduzido de presos, 129 ao todo.

Na falta de um espaço físico próprio, as salas funcionam dentro dos blocos. São duas salas em cada um dos três blocos. “Por uma questão de deslocamento e segurança, o número de alunos é limitado. Mas nunca conseguimos chegar até o limite que a escola oferece”, diz a diretora de atendimento ao preso da Penitenciária Pimenta da Veiga, Fabíola de Oliveira Santos Regiane. Ela explica que na maioria dos casos o preso não consegue comprovar escolaridade. Alguns sequer tem registro escolar. “É feito um trabalho com a pedagoga para descobrir se o preso já estudou. Ele faz uma prova para avaliar se tem condições de estar na sala daquele bloco e se ele consegue acompanhar a turma”, conta. As turmas mudam de série a cada semestre. O currículo aplicado é da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O diretor geral da Penitenciária diz que a unidade tem área suficiente para construir um prédio destinado exclusivamente à escola, e até já pediu a verba para a Secretaria de Estado da Educação. “Hoje a escola ocupa um espaço que poderia ser utilizado por alguma empresa para trabalhos de qualificação ou de mão de obra”, diz Rafael Rodrigues dos Santos. Em relação a ampliação de vagas para trabalho, o diretor geral conta que depende de parcerias com empresas e instituições da cidade. Hoje, apenas duas empresas empregam mão de obra da Penitenciária. Uma delas até ampliou o galpão e instalou uma pequena linha de produção de remendos de borracha que gera emprego para 25 homens. A outra empresa emprega 13 detentas que fazem a montagem de pequenas peças utilizadas em sistemas de irrigação. Elas trabalham dentro da própria cela e cada uma monta, em média, duas mil unidades por dia.

O restante dos presos que tem alguma ocupação trabalha em serviços internos como limpeza, manutenção, mecânica, cozinha, lavanderia, arquivo de documentos. Há ainda um grupo com mais de 100 presos que confeccionam artesanato, que é repassado aos familiares e rende uma verba extra no fim do mês. “A visão do Estado é que o trabalho deveria ser prioritariamente de qualificação, mas na falta de parcerias, acaba colocando o artesanato para que o preso não fique ocioso”, diz Rafael. Ele explica que além da resistência por parte do empresariado, há também a restrição de atividades por ser um ambiente prisional. “O preso que trabalha na parceria é muito bem classificado, ele segura o emprego porque sabe que é difícil. Praticamente não temos problemas com os presos que trabalham”, afirma o diretor geral.

 

Desativados

 

Atualmente, nem todos os espaços ofertados estão sendo ocupados. A fábrica de blocos, por exemplo, que gerava até 20 postos de trabalho, está parada há mais de um mês por causa de um equipamento quebrado. A horta comunitária foi desativada desde que começaram as obras da penitenciária feminina. As máquinas limparam o terreno onde haviam os canteiros. Hoje não há obras e nem hortaliças sendo produzidas.

 

Comissão

 

Para trabalhar, o detento tem que ser aprovado pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), que é formada por servidores dos setores de saúde, segurança, jurídico e social, que avaliam os quesitos correspondentes a cada área. Em caso de algum deslize, o preso perde a vaga para outro companheiro. A avaliação acontece toda sexta-feira. A concorrência é grande, principalmente por causa da remição da pena. Para cada três dias trabalhados, um é descontado da sentença. Os presos que trabalham para as empresas recebem ¾ do salário por mês.

Outra forma de reduzir a pena é o projeto de leitura. Na Pimenta da Veiga, 35 presos aderiram. Cada um tem direito a ficar até 30 dias com um livro. Ao final, ele faz uma prova e é avaliado por uma comissão para comprovar se realmente concluiu a obra literária. Se a avaliação for aceita pelo juiz de execução penal, o preso consegue remir até quatro dias da pena por livro.

 

Presídio

Jacy de Assis também tem maioria sem ofício

 

No Presídio Professor Jacy de Assis, que recebe presos que ainda aguardam julgamento, a população carcerária é ainda maior que na Pimenta da Veiga, mas o número de gente exercendo alguma atividade é bem inferior. Ao todo, 235 detentos trabalham, sendo 207 homens e 28 mulheres. A direção da unidade prisional não foi autorizada a informar o total de presos existentes e nem a capacidade, mas segundo fontes do setor, a Jacy de Assis tem hoje uma população acima de mil encarcerados. A unidade tem parceria com uma empresa e uma instituição para trabalhos externos. Há ainda duas parcerias em andamento, uma com a Prefeitura, para atividades no galpão de armazenamento de pneus, e outra com a empresa que fornece a refeição ao Presídio.

Em relação ao estudo, 152 detentos frequentam as aulas em sete salas distribuídas nas alas do Presídio.

Internamente, ainda há mão de obra empregada nas áreas de serviços gerais, horta, arquivo, oficina de costura e manutenção, além de atividades de artesanato. “Para a escola, não existem mais vagas devido ao número reduzido de salas. Para o trabalho, estamos em busca de parceiros para detentos que estão em regime semiaberto e têm autorização de trabalho externo”, diz a diretora de atendimento ao preso, Janaína Vaz Pessoa.

 

Na labuta

“Trabalho ocupa a mente e ajuda a sair mais rápido”

 

Por todos os cantos da Penitenciária há um algum detento exercendo uma atividade. No Departamento de Arquivo duas detentas dividem a função de separar as fichas com toda a  documentação jurídica e médica de cada preso. M. tem 31 anos e há cinco está presa por tráfico. Ela iniciou a função no arquivo dois meses depois de ser presa. “Se a gente fica quieto, só pensa besteira. O trabalho ocupa a mente e ajuda a sair mais rápido”, diz M., que cursou todo o ensino médio na prisão e no próximo ano já terá direito ao regime semiaberto.

A colega J., de 25 anos, está há menos tempo no arquivo – cinco meses -, mas também já sentiu a diferença entre passar o dia inteiro na cela ou optar pelas oito horas de trabalho. “Lá na cela sou mais uma entre muitas. Aqui, me sinto útil e valorizada”, relata.

Em cada setor, histórias de vida bandida dão lugar à superação e à ansiedade. L, 32 anos, já trabalhou na cozinha, limpeza, lavanderia e hoje está na produção, depois de seis anos cumpridos de uma pena que, somada, chega a 54 anos de prisão pela prática de 16 assaltos. “Aqui, todo mundo tem uma meta, que é trabalhar e ir embora mais cedo”, diz L., afirmando que os ofícios internos a fizeram arcar com responsabilidades e a mudar o comportamento.

Na ala masculina, J.B., 32 anos e há seis preso, passa oito horas do dia fabricando artefatos de borracha. A dedicação pelo ofício e os estudos não se compara a sentença de 23 anos por latrocínio. Quando entrou na prisão, tinha até a sétima série do ensino fundamental. Agora, já concluiu o ensino médio e até fez a última prova do Enem. “A gente tem que procurar melhoria e não esperar ajuda da sociedade. Aqui, a gente reflete bastante as perdas que tem lá fora, o sofrimento da família (...) Espero ansioso chegar o dia de sair, voltar para a família e construir uma nova vida”.

Em outra linha de produção, o preso de 52 anos de idade diz que as horas dedicadas ao trabalho amenizaram o tempo perdido. “Comecei tarde [uma nova profissão], com 43 anos. A carreira foi curta e a cadeia longa. Quando sair quero continuar de onde não deveria ter parado”, diz o microempresário, preso por tráfico e que sonha em voltar a ter um comércio de venda de carne assada.

 

Sala de aula

 

Heloísa Benaide é professora de História e desde julho do ano passado dá aula na Penitenciária Pimenta da Veiga. Ela passa o tempo trancada, literalmente, numa sala com outros detentos e conta que o resultado da ressocialização compensa qualquer esforço. “Além do conteúdo, a gente tenta trazer esperança pra que eles possam concluir o ensino médio e ter condições de trabalho. Isso é uma satisfação muito grande”, diz. “Temos casos de pessoa que não estudava há oito, dez anos e voltou. Teve um detento que relatou que não sabia ler. Ele tinha entrado pra criminalidade bem cedo, aos 8 anos de idade. Agora, já concluiu todo o ensino fundamental na prisão”, conta.

No último vestibular da UFU, um dos detentos passou pela segunda vez, só que não conseguiu autorização do juiz para ingressar na faculdade por ainda estar no regime fechado. Recentemente, ele foi transferido para outra cidade onde moram os familiares.

Os que ainda ficarão por mais um tempo, se apegam às oportunidades  e na perspectiva de que a bagagem adquirida durante a reclusão seja suficiente para renovar a mentalidade. “A escola pra mim está sendo um bom exemplo.  A gente se aperfeiçoa, aprende a se comunicar. E a professora é pessoa esclarecida, educada e te trata bem. Isso deixa a moral mais alta pra sair, pronto para vencer lá fora”, diz W., 36 anos, que entrou na prisão com a 6ª série incompleta e no próximo semestre já inicia o ensino médio, tendo a mente cultivada pela esperança de ser um engenheiro agrônomo.


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