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30/01/2017 às 12h22min - Atualizada em 30/01/2017 às 12h22min

SEM CARNAVAL: Tradição resiste sem o mesmo brilho

Cancelamento da Festa de Momo em Uberlândia dá tom melancólico à festa

ADREANA OLIVEIRA | REPÓRTER - JDC
Helena Mara Oliveira e Mary Silva se vestem para a entrevista, mas queriam mesmo desfilar na Avenida do Samba - FOTO: ADREANA OLIVEIRA

“Eu quero ir para a avenida. Agora!” Com essa frase a bela Heloísa Mara Pereira de Oliveira desfilava pelas dependências do Terrerão do Samba “toda trabalhada no Dourado”, no bairro Patrimônio. Ela conversou com a reportagem do Diário do Comércio na tarde da última quinta-feira (26) enquanto aguardava a equipe da TV Universitária de Uberlândia para a gravação de uma reportagem sobre a não realização do Carnaval de rua de Uberlândia em 2017. Mara, como é mais conhecida, nasceu em julho de 1955 e já estava nos ensaios do grupo que veio a fundar a Sociedade Recreativa Tabajara, em fevereiro de 1956. “Me lembro bem da criação do Carnaval em Uberlândia, eu ainda amamentava a minha caçula”, conta Dona Benedita Pereira de Oliveira, mãe de Mara e uma das componentes da Velha Guarda da Escola.

Mara, que desfila na Ala das Baianas, faz questão de fazer a própria fantasia, contrata até estilista. Sente falta dos ensaios que a esta altura já alegrariam as noites no alto do Patrimônio. Mary Ivone da Silva, da Ala de Evolução, também pronta com a fantasia que não vai para a Avenida, afirma que sente o corpo arrepiar só de lembrar da emoção que é desfilar no Carnaval.

Como manda a tradição, tanto Mary quanto Mara, não tiram o sorrisão do rosto, mesmo quando a repórter percebe os olhos a lacrimejar. Falam de uma programação alternativa que deve ser viabilizada com a ajuda da comunidade, uma forma de resistência à medida do poder público de cancelar a festa. “Eu queria mesmo era sentir as luzes da ribalda, o calor do povo, a alegria do desfile enquanto passamos cantando nosso samba-enredo. A tristeza é muita, mas temos que pensar que voltaremos com tudo no ano que vem”, diz Mara Oliveira.

A Tabajara é a escola mais premiada do Carnaval uberlandense, mas todas as outras escolas – Unidos do Chatão, Acadêmicos do Samba, Garotos do Samba e a caçula Garras de Águia e ainda os blocos Aché, Aparu e o mais novo, Extravasa, passam pela mesma melancolia. Nesta época os ensaios estariam a todo vapor, os barracões cheios e os trabalhos de confecção de carros alegóricos e fantasias estariam na agenda de centenas de pessoas envolvidas.

“Eu entendo que a cidade tem outras prioridades, saúde principalmente e não sou totalmente contra o cancelamento do Carnaval. Serve também para que todas as escolas repensem seu funcionamento e seus trabalhos independente do subsídio. Precisa haver mais união”, diz o sábio João Rodrigues, o Bolinho, referência do Carnaval local.

Do lado dele, Dona Benedita está inconformada. “Eu não concordo com o cancelamento do Carnaval, ainda não acredito que isso está acontecendo, mesmo porque a gente sabe que o dinheiro que viria para os subsídios ou seria gasto no Carnaval não vai para a saúde ou outra secretaria, cada uma tem seu orçamento”, afirma ela que também não concordou com a mudança da Avenida do Samba da Monsenhor Eduardo para a José Roberto Migliorini.

TERRERÃO

Douglas Marcelino Machado abriu o Terrerão do Samba para as entrevistas da Tabajara na quinta-feira. Mesmo com toda simpatia, era possível notar uma certa melancolia e desapontamento em seu rosto por conta do cancelamento do Carnaval de Rua de Uberlândia. Ele preferia estar abrindo os portões deste espaço para os ensaios da escola, que a esta altura já estaria alegrando o fim de tarde no alto do patrimônio. “Esta é a tradição de um povo que raramente celebra suas conquistas. Os sambas-enredos que as escolas de samba levam para a Avenida nos dão uma visibilidade que não temos durante todo o ano. É muita gente que trabalha durante meses para que ela aconteça e neste ano vai fazer o que?”, lamenta.

A Associação das Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos de Uberlândia (Assossamba) com a ajuda das comunidades das escolas e blocos, trabalham na montagem de uma programação alternativa que deve ser anunciada nos próximos dias, para que o Carnaval não passe em branco. “A gente conta com a ajuda da comunidade que tem pouco e mesmo assim arruma um jeito de contribuir. Não vai ter o mesmo brilho mas é uma forma de mostrarmos que estamos aqui”, diz dona Benedita

ECONOMIA DA CULTURA

Para especialista, corte é mais simbólico do que concreto

Muito se fala na economia com o cancelamento do Carnaval de Uberlândia, há quem apoie e quem proteste, mas há muito além do quesito financeiro em jogo. Em subsídios para as escolas o valor gira em torno de R$ 400 mil (leia mais na página A4), mais a estrutura para a montagem da Avenida do Samba e para locais como o pátio do Mercado Municipal, que recebia o tradicional Baile de Máscaras, marcado pelas marchinhas dos antigos carnavais e um espaço que reunia famílias inteiras no Fundinho. Neste ano ele também não acontece. Desta forma, os ambulantes que trabalhariam naquele local não terão essa renda extra, quem não pode viajar, terá uma programação mais restrita na cidade e possivelmente ficará entregue às programações de TV e se não sai de casa, não movimenta a economia.

O diretor do Grupontapé de Teatro de Uberlândia e estudioso de Economia da Cultura, Rubem Silveira dos Reis, acredita que o corte nesta verba é mais simbólico do que concreto do ponto de vista prático. “Quando se economiza em cultura se economiza centavos. Quando se vê o montante é possível perceber que o impacto no geral não é tão significativo. Há outras perdas além da questão monetária. É importante ver a mensagem subliminar que está por trás desta atitude. É assim que a cultura será tratada daqui pra frente?”, questiona.

Outras cidades da região como Ituiutaba e da zona da mata mineira como São João Nepomuceno, na Zona da Mata, também não celebrarão o Reinado de Momo neste ano. Perde o mercado da beleza sem suas rainhas e princesas, a alegria do Bobo da Corte e a simpatia do Rei Momo.

Rubem dos Reis, que neste fim de semana fala sobre Economia da Cultura no interior mineiro, comenta ainda que a intolerância tem aumentado em relação ao artista e a cultura. “O artista está ficando sem lugar. Enquanto acompanhei pelas redes sociais, parece que o apoio à não realização do Carnaval em Uberlândia tinha mais apoiadores do que contestadores. Chega num ponto em que a sociedade compra uma ideia política de que o mundo não precisa da cultura, e isso é um erro que pode gerar consequências drásticas no futuro. O mundo precisa de arte, de cultura para se desenvolver”, afirma Reis.


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