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08/12/2020 às 08h00min - Atualizada em 08/12/2020 às 08h00min

Padre Pio são os meus pecados!

ANTÔNIO PEREIRA
A família Dantas Barbosa, de Paracatu, deu muitos vigários à Igreja Católica. Manoel foi vigário de Araxá de 1852 a 1853, Saturnino foi vigário de Araxá, Araguari, Estrela do Sul e Monte Carmelo a partir de 1852 até depois de 1888. Por Uberabinha passaram dois sacerdotes Dantas Barbosa: João da Cruz, entre 1867 e 1890, e Pio, de 1890 a 1909. Estão homenageados nas ruas Padre Pio e Vigário Dantas. O padre Pio teve participação importante na História do Município. Além de vigário, vamos encontrá-lo participando do Conselho de Intendência, como Suplente, a partir de sua instalação no dia 14 de março de 1891. A função do Conselho era organizar a administração pública. Nas primeiras eleições foi eleito Vereador.
 
Tinha espírito caridoso e tomava parte nas reuniões culturais que ocorriam informalmente, às tardes, na Livraria Kosmos, de Zacharias Alves de Mello, que ficava na rua Marechal Deodoro. Era a mesma Livraria, instalada depois na avenida Afonso Pena, há alguns anos desativada. Era um exímio charadista. Residia numa chácara que ocupava todo o quarteirão hoje formado pelas ruas Quinze de Novembro, Silva Jardim, Cel. Severiano e avenida Afrânio Rodrigues da Cunha. Era um cidadão alto, magro, desengonçado no andar, roupas maltratadas, moreno, olhar estrábico e pouca elegância. Entretanto, era de simpatia incomum, riso franco e aberto e muito admirado e querido por seus paroquianos.
 
Foi um precursor do Carnaval. Antes dessa festa estabelecer-se na cidade com sua forma atual, praticava-se o Entrudo. O Entrudo era uma brincadeira em que não entrava nem música, nem dança, nem canto. As pessoas se molhavam e o instrumento mais característico dessa brincadeira eram os limões de cheiro, pequenas bolas de cera cheias de água perfumada. Por época do Carnaval, o padre Pio enchia os bolsos de limões de cheiro e ia a casas de famílias conhecidas atirá-los nos amigos. Tinha um esperto cavalo castanho, o “Zueira”, no qual cavalgava pelas ruas poeirentas do centro da cidade. O animal estava tão acostumado com suas visitas que já parava em suas portas espontaneamente.
 
Apesar de todas as suas qualidades, o padre Pio aprontava. Costumava enfrentar com bom humor os problemas causados por suas aventuras pouco condizentes com seus juramentos sacerdotais - e não os escondia dos amigos. Pelo contrário, contava-os. Quando foi destituído da paróquia pelo Bispo Diocesano de Uberaba, dom Eduardo Duarte Silva, exatamente por aqueles deslizes, ele mesmo contou ao Zacharias Alves de Mello, da Livraria Kosmos, como fez sua defesa perante o superior. O Bispo chamou-o a Uberaba e, além de destituí-lo do vicariato, admoestou-o severamente. Delicado, dom Eduardo misturou as razões para amenizar a descompostura. Falou em descuido, desmazelo no tocante à salvação das almas e... que tinha tomado conhecimento, através de notícia em jornal, do rapto de uma moça que se bandeara para a prostituição.
 
Acontece que, em Uberaba tinha havido situações semelhantes recentemente e o bispo andava às voltas com os padres envolvidos. Padre Pio ouviu com humildade as admoestações. Quando o Bispo terminou, pediu permissão para defender-se. Ele tinha visto, por casualidade e por sorte, um exemplar do jornal “Lavoura e Comércio”, que já se editava naquela cidade, em cima da mesa do bispo, no qual, em rápida leitura, identificara notícias sobre aqueles casos semelhantes. Quem sabe o Bispo tinha esses jornais à mesa para novos puxões de orelhas? Autorizado, ele pouco falou. Apenas tomou do jornal e estendeu-o para o superior pedindo-lhe que lesse aquelas notícias. Meio contrafeito, sem ter o que responder, dom Eduardo tamborilou os dedos sobre a mesa, balançou a cabeça e apenas comentou paternalmente: “Esse padre Pio são os meus pecados!..”
 
Dom Eduardo foi firme. Nomeou o padre André Aguirre como novo vigário de Uberabinha e destituiu o padre Pio, mas permitiu-lhe que continuasse morando aqui e, eventualmente, rezasse missas e fizesse casamentos. Não adiantou o povo (mais ou menos oitocentas pessoas), com banda de música e tudo, após a demissão, reunir-se à frente da chácara solidarizando-se e tentando demover o Bispo da decisão. Não teve jeito. Mas o bispo ficou medo e, na primeira visita pastoral que fez à cidade, pediu ao Francelino Cardoso que preparasse o povo para não ocorrer nenhum fato desagradável. Curiosamente Francelino era maçom.
 
Fontes: Pedro Salazar Pessoa Filho, Tito Teixeira, Monsenhor Antônio Afonso e Aparecida Portilho Salazar.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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