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09/10/2019 às 07h57min - Atualizada em 09/10/2019 às 07h57min

A Plebe Rude de ontem, hoje e sempre

Philippe Seabra, líder da banda, fala pela primeira vez à imprensa sobre álbum duplo e musical

ADREANA OLIVEIRA
“Evolução”, da Plebe Rude, escrita há 30 anos, é o primeiro single do projeto | Foto: Divulgação

Em 1989 o baixista André X apresentou aos colegas da Plebe Rude a música “Evolução”. Para o vocalista e guitarrista Philippe Seabra, a canção era impactante, tinha até teclado, algo não muito usado pela banda de rock que despontava naquele que foi o cenário mais produtivo e rico do rock nacional. Na época, a banda, que iniciou as atividades em 1981 em Brasília (DF), acabava de encerrar o contrato com a gravadora EMI.

“E era tão impactante que a gente não sabia o que fazer com essa música e deixamos ela guardada. Como ela tinha uma certa pegada de humor mostrei para o Evandro Mesquita, da Blitz, mas ele não curtiu”, contou Seabra, ao Diário de Uberlândia, em sua primeira entrevista sobre o projeto.

“Evolução” parecia precisar de seu próprio tempo para crescer organicamente e ressurgir enquanto Seabra revisita vida e obra para uma biografia, que está em fase final de produção. Ele encontrou a letra original e naquele momento tudo fez sentido. A partir dessa música, a Plebe mergulhou em um novo e ambicioso projeto: um álbum duplo, que será lançado em dois volumes – o primeiro deles em dezembro e o segundo depois do Carnaval em 2020 – e um musical que será montado também no próximo ano.

Neste “fast forward” 2019, Seabra explica que a ideia inicial era fazer uma peça infantil, e começaram a aparecer as primeiras músicas. O enfoque seguiu para a história da evolução humana através da violência. “O macaco começou a evoluir quando pegou o osso fêmur e bateu na cabeça de outro macaco. Em ‘2001 – Uma Odisseia no Espaço’ [1968] do [Stanley] Kubrick o grande salto da humanidade de acordo com a narrativa é quando o macaco bate na cabeça do outro. Ele levanta e joga o osso para cima”, recorda Seabra, leitor ávido de ficção científica.

“Depois tem um corte de cena em que aparece uma nave espacial, que na verdade é um satélite armado. Olha a violência que segue até hoje”. Seabra é produtor musical, tem um estúdio enorme em Brasília. A Plebe é autossuficiente na música, mas em termos de musicais axperiência era nenhuma. Ele precisava de ajuda. Não conhecia muito sobre os trâmites burocráticos como registro da obra ou como fazer para levantar capital. Foi quando, no ano passado, conversou com Fábio Yoshihara, seu amigo, e ator experiente no meio.

“Meia hora depois eu estava falando com o Jarbas Homem de Mello. De um momento ‘sem saber o que fazer com isso’ passou para o momento em que conversava com o diretor. Jarbas puxou o musical para um outro caminho, achou que estava muito pesado e precisava de um pouco de leveza, um pouco mais de luz. Ele foi o responsável direto pela inspiração para várias músicas. Deixou de ser uma peça infantil, deixou de focar somente na violência e começou a narrar toda a saga da humanidade, todo o lado bom, todo o lado feio durante uma saga de duas horas de música”, contou Seabra.

Seabra explica que o foco do espetáculo é a evolução a partir do homo sapiens, não da chegada até esse período. É a partir dele e do despertar da consciência que “Evolução” flui. “Estamos falando de 200 mil anos Antes de Cristo que foi a predominância do homo sapiens, e há 50 mil anos veio o despertar da consciência...ferramentas, traços finos em artes na caverna, o artesanato”.

BIO
Você deve estar se perguntando: o que a Plebe Rude tem a ver com musicais? Nascido em Washington D.C., nos Estados Unidos, Philippe Seabra cresceu assistindo a musicais da Broadway, em Nova York, como “Godspell”, “Hair”, “Um Violinista no Telhado”, “A Noviça Rebelde”.

“Gosto muito dessa linguagem e pra gente foi libertador compor imaginando a cena, compor cenograficamente. Com a direção do Jarbas chegamos a um equilíbrio, afinal, nem tudo na evolução humana foi feio, tem muita coisa bonita”.

A Plebe conta hoje com Seabra e André X mais Marcelo Capucci na bateria e Clemente Nascimento na guitarra, e ao mergulhar em seus arquivos para a biografia Seabra revive muito da história política do Brasil. Contemporânea de bandas como Legião Urbana e Capital Inicial, a Plebe tem esse amor incondicional a Brasília. “Nós somos Brasília também, temos a cidade no nosso coração e nesse momento de atrofia cultural que o Brasil está passando, o que pode ser o pior período cultural pelo qual o país passa, vejo que não se tem mais debate, tudo virou meme. A pior coisa que aconteceu para a humanidade foram as redes sociais e a Plebe sempre incentivou o debate”.

A biografia de Philippe Seabra terá um embasamento político, contando de onde veio cada música. “Eu não fazia o que o resto da minha geração fazia, então, minha memória está intacta, sou meio que uma enciclopédia humana e ao escrever sobre essa fase em que tivemos o primeiro contato com ‘Evolução’ parei de escrever para me dedicar ao musical, mas em umas três semanas concluo a bio também”, contou o músico.

“Esse projeto soa pretencioso, mas vindo de Brasília não é incomum. Somos todos filhos de acadêmicos. Quando estamos numa era em que educação e educadores estão sob assalto é fundamental a Plebe chegar com uma obra para mostrar que rock é cultura sim, que rock é postura. A Plebe nunca foi uma banda militante, mas sempre tivemos a postura referente à vida de não aceitar o que está errado, de qualquer lado”, comenta o músico.

Seabra cita outra nova música, “América”, que fala sobre do descobrimento da América do Norte pelos peregrinos e da América do Sul através dos colonos. “Fazemos essa diferenciação e falamos sobre o populismo que assolou a América Latina e América Central. E o populismo dos dois lados está errado. Extremo é extremo e a Plebe sempre teve esse discurso para acordar as pessoas e a nossa arma é a música. Essa obra não é diferente”.
 
COERÊNCIA
O álbum tem 28 músicas, duas delas com mais de dez minutos. E prestes a completar 39 anos de Plebe Rude, Seabra chama a atenção para essa época em que tudo está muito diluído, ninguém presta mais atenção a nada.

“É um pouco patético isso. Por exemplo, a minha biografia tem 450 páginas e dizem que as pessoas não querem mais ler tanto. Então não é para elas. Vai ler resenha de filme na Netflix para não ter que assistir ao filme. Só porque ninguém consegue ler mais nada por mais de cinco minutos, se não tem paciência para ouvir mais que três minutos de música não vou me moldar a isso, não é desculpa para não tentar. Música e arte podem trazer equilíbrio para as pessoas. A música entrou na minha vida muito jovem e o punk me fez encontrar o meu nicho, me deu uma voz que eu não tinha. O brasileiro está muito sem voz e seguimos lutando contra o populismo, contra a censura, contra a grosseria e para quem está desesperado eu sempre digo: sobrevivemos à ditadura, tendências, governos de direita e de esquerda e a Plebe mantém-se coerente. Calma, vai passar.”







 


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