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22/07/2019 às 14h45min - Atualizada em 22/07/2019 às 14h45min

Após sete anos do lançamento, polo aeroespacial continua abandonado em Tupaciguara

Diário de Uberlândia foi até o local e conversou com ex-prefeito e o presidente da CDL; MP moveu ação por ato de improbidade

SÍLVIO AZEVEDO
Protótipo da cabine do Tupã está em meio de outros objetos sucateados, no galpão da empresa | Foto: Sílvio Azevedo
O que era um projeto de prosperidade e avanços tecnológicos parou no tempo com a intervenção da Justiça e 12 pessoas, instituições e empresas sendo denunciadas por improbidade administrativa. Assim se encontra o projeto do Polo Aeroespacial de Tupaciguara. O Diário de Uberlândia esteve na cidade na última semana para constatar a situação de abandono da estrutura e conversar com representante da sociedade comercial e o ex-prefeito, Alexandre Berquó, que se frustraram ao criar expectativas com o projeto.

Anunciada com pompas pelo Governo de Minas Gerais em julho de 2012, a parceria entre Universidade Federal de Uberlândia (UFU), através da Fundação de Apoio Universitário (FAU) e a empresa responsável pelo projeto de construção da unidade, a Axis Aeroespacial, está sendo investigada pelos ministérios públicos Federal (MPF) e Estadual (MPE) pela não execução do projeto inicial, causando um prejuízo de mais de R$ 5,2 milhões para os cofres públicos. Os valores foram repassados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) à FAU.

Se saísse do papel, o polo colocaria a cidade triangulina, com aproximadamente 24 mil habitantes, nos radares da tecnologia aeroespacial do país. O projeto contemplava a construção do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia, uma fábrica de aviões, que produziria aeronaves modelo AX-2 Tupã com capacidade entre seis e oito passageiros, voltadas para o mercado de executivos, e a implantação da Escola Técnica do Brasil Profissionalizado, que formaria profissionais para o segmento.

A classe empresarial de Tupaciguara lamenta o impasse. De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da cidade, Ariosvaldo de Rezende, houve muita expectativa quanto a chegada do Polo Aeroespacial. “A expectativa foi ampla, com um projeto tão ambicioso, claro que todos ficamos ansiosos para essa mudança tão radical na vida e no comércio, mas com os acontecimentos políticos local e estadual, estamos conformados que se um dia acontecer, ainda terá que ser tomado todo o processo, pois o que estava feito parece que não sobrará muita coisa para ser revisto ou praticado”.

Houve muita expectativa quanto a chegada do Polo Aeroespacial, de acordo com presidente da CDL | Foto: Sílvio Azevedo

Na ação, foram indiciados o ex-deputado e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais, Narcio Rodrigues Silveira, o ex-prefeito de Tupaciguara Alexandre Berquó Dias, o ex-deputado estadual José de Freitas Maia, o representante da Axis Daniel Marins Carneiro, o ex-presidente da Fapemig Mário Neto Borges, o ex-reitor da UFU Alfredo Júlio Fernandes Neto, o ex-diretor da FAU Carlos José Soares, a Axis Aeroespacial Ltda, a Fapemig, a UFU, a FAU e o Município de Tupaciguara.

No começo de 2019, após ouvir todos os envolvidos, o juiz federal José Humberto Ferreira recebeu a ação e viu que há uma eventual improbidade administrativa. O magistrado ainda concedeu nova liminar determinando que a FAU disponibilize todos os projetos de inovação que ela seja gestora no Portal Transparência. A primeira liminar, de 2017, determinou o bloqueio dos bens da Axis.

Segundo o promotor Fernando Martins, do MPE, diversas irregularidades foram encontradas desde o projeto até a execução. “A Fapemig, através da UFU, acabou concedendo um financiamento que é atípico, pois eles fomentam com bolsas os pesquisadores, que tem vínculos com a universidade. Ou seja, ou são alunos, orientandos ou docentes. Nesse caso era um empresário (Daniel Marins) que não tinha sequer uma titulação para receber um fomento dessa natureza”.

No decorrer do processo, outras incongruências foram encontradas. “Verificamos que o Mário (ex-presidente da Fapemig), preencheu para o Daniel o projeto. Agora imagina, quem vai financiar tem que exigir que o projeto seja técnico, dogmático, científico... Ao invés de exigir, foi ele que preencheu. Isso também chamou a atenção do Ministério Público. Além de irregularidades na prestação de contas e a inconsistência do projeto, que no começo era para consolidação de uma fábrica de aviões em Tupaciguara e de repente virou um mock-up, uma cabine do piloto. São diversas inconsistências que não conseguiram convencer nem o MP estadual quanto o federal ”, explicou o promotor.
 
OUTRO LADO 
O advogado Celestino Carlos Pereira, que representa a Axis Aeroespacial e Daniel Marins Carneiro, disse que Daniel é um dos engenheiros mais premiados por inovação na histórica da Embraer e ressaltou que a Ação Civil Pública hora nenhuma o acusa de desvio de dinheiro. Disse ainda que seu cliente, como não tinha ligação com a UFU, abriu a empresa Axis Aeroespacial para servir como um prestador de serviços, embora fosse o idealizador do projeto.

“Porém, entendeu o Ministério Público que teria havido privilégio a Axis, por não ter participado de licitação”. Segundo informou, tudo que foi pago, foi entregue. Ainda de acordo com ele, o pagamento era por medição e tudo foi prestado contas. “A defesa ainda acredita que se ainda forem disponibilizados os recursos financeiros que se fizerem necessários o projeto poderá ser concluído, com imensurável ganho para a região, Minas Gerais e o Pais”, completou.

Em nota, a Fapemig informou que “diante de indícios de irregularidades no mencionado projeto, instaurou Tomada de Contas Especial para apuração de eventual dano ao erário. Atualmente, o processo está sob análise do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais”. A UFU e a FAU não responderam aos questionamentos do jornal.

O ex-prefeito Alexandre Berquó disse que atuou apenas como articulador para que o projeto fosse para Tupaciguara. “Eu estava sendo proativo e tentando ajudar com que as coisas acontecessem. E o político é o articulador da história”, disse Berquó (confira a entrevista completa na página ao lado).

A Prefeitura de Tupaciguara, em nota, informou que jamais recebeu ou intermediou qualquer contrato administrativo que tratasse de verba pública destinada ao desenvolvimento de projeto de aeronave AX-2 Tupã, ou qualquer outro projeto ligado à aviação civil, e que “o Município requerido em nada participou da formulação e realização de qualquer processo licitatório, e muito menos na realização de contratos ou execução de projetos com os outros requeridos; repisa-se, que não movimentou qualquer verba pública relacionada a projeto de pesquisa científica e tecnológica no ramo de aviação”.

Os representantes do ex-diretor da FAU, Carlos José Soares, do ex-presidente da Fapemig, Mário Neto Borges, o ex-deputado e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais, Narcio Rodrigues, e o ex-reitor da UFU, Alfredo Júlio Fernandes Neto, não foram encontrados.

EX-PREFEITO
Alexandre Berquó explica como funcionaria o polo na cidade | Foto: Sílvio Azevedo


O ex-prefeito de Tupaciguara Alexandre Berquó conversou com exclusividade com o Diário de Uberlândia e explicou como funcionaria o Polo Aeroespacial de Tupaciguara, que seria parte integrante do Complexo Aeroespacial de Minas Gerais. Segundo ele, o projeto começou como uma fábrica de aviões e se tornou algo com uma magnitude jamais vista.

“Recebemos um sinal verde para começar o projeto e, em reuniões com governo do estado de Minas Gerais, oficiais da Aeronáutica e Governo Federal, foi ganhando corpo. Seria de tamanha importância que conseguimos fechar uma parceria com o Centro de Pesquisa Aeroespacial Nacional da França (Onera) e o Centro Aeroespacial Alemão (DLR)”, disse.

Berquó também afirma desconhecer o motivo que levou a ser citado na Ação Civil Pública. “Talvez eu esteja sendo processado por proatividade.” Confira abaixo mais detalhes da entrevista: 
 
Diário de Uberlândia: Como esse projeto chegou ao conhecimento do prefeito de Tupaciguara?
Alexandre Berquó:
O Daniel Marins Carneiro apresentou o projeto e ventilaram arrumar investidor, mas ele rechaçou, pois investidor visaria só lucro enquanto o pensamento dele era ter uma empresa que tivesse lucro, mas com viés na pesquisa. Por isso ele queria uma ajuda do governo para terminar o projeto, para ele não ficar amarrado necessariamente com capital e continuar mexendo com pesquisa. Nós fomos na Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais], que não tinha ninguém que entendesse da área da aeronáutica. Então, contrataram uns engenheiros para avaliar o projeto. Os engenheiros disseram que o Governo do Estado deveria apoiar aquele projeto pois ia mudar a história da aeronáutica mundial de pequeno porte. A Fapemig disse que ajudaria se o Governo Federal ajudasse com uma parte do financiamento, através do Ministério de Ciências e Tecnologia.
 
E como foi o contato com o Governo Federal?

Berquó: Da mesma forma que aconteceu na Fapemig, no Ministério de Ciências e Tecnologia não tinha especialista na área. Contratou uma equipe e quando foi dar o resultado, chamou o presidente da Fapemig em Brasília, que ouviu do próprio Ministro que Minas Gerais tinha descoberto uma equipe de gênios e que o projeto nosso tinha ganhado nota 92,8 em inovação, porque o Ministério só financiaria se tivesse nota acima de 70 e eles participariam do financiamento desse projeto.
 
Com isso o projeto saiu do papel?

Berquó: O projeto teve sequência e o que ficou acertado entre eles é que o Daniel, através da Axis, faria o projeto e o mock-up [protótipo]. Ele fez os dois e cumpriu o combinado. O resto não sei o que aconteceu.
 
Como o projeto ganhou corpo?

Berquó: Estava tudo dando certo. Aí criamos o que seria o Instituto de Inovação Tecnológico, que teria o projeto do avião e o instituto de energia renovável, que era um projeto que eu já tinha pensado para Tupaciguara. Aí o Daniel, como é da área de hipersônico, tem um relacionamento com quem é dessa área, sugeriu a criação de um Polo Aeroespacial em Tupaciguara. Com isso fomos para o Instituto de Estudos Avançados (IEAv) [organização militar de cunho científico-tecnológico ligada ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial do Comando da Aeronáutica]. O Daniel marcou uma agenda lá e nós fomos. Nessa oportunidade, o Nárcio Rodrigues [então deputado federal] foi representando o Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara, e o Renan Calheiros, presidente do Senado, ou seja, foi representando o Congresso Nacional. Também estavam presentes o presidente da Fiemg regional, representando a Fiemg Estadual, o representante da UFU, eu, e o José Maia, deputado estadual.
 
Como foi essa visita ao IEAv?

Berquó: Durante a visita, fomos questionados se realmente queríamos fazer um projeto em Tupaciguara e continuou. Foi dito: “ah, porque o Ministério da Defesa preconizou no seu plano estratégico de defesa nacional, que é feito de tempos em tempos, que nós do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) deveríamos descentralizar as tecnologias sensíveis e tudo que existe na área aeroespacial está dentro desses muros (DCTA). E nós queremos criar braços do DCTA fora do DCTA”. Então nós queríamos trazer para a cidade uma parte dos laboratórios de aerotermodinâmica hipersônica e uma parte de propulsão a laser, que é foguete movido a raio laser para diminuir o custo de acesso ao espaço 1 mil vezes. Também seria montado aqui o laboratório de aerotermodinâmica hipersônica para testar veículos que voam de 0 a 30 mil km/h. Dentro desse laboratório ia ter um túnel hipersônico, que é um equipamento de altíssima tecnologia que tem pouquíssimas empresas com capacidade de fazer, mas que se for fazer, é orçado em US$ 1 bilhão. Então, impossível de ser feito.  Mas nós saímos nesse dia com convênio assinado de cooperação técnica para a construção desse túnel. É segredo de Estado. Isso nunca foi divulgado claramente. E eles fizeram o projeto e o orçamento ficaria em R$ 50 milhões. Nós conseguimos com o Aécio [Neves], que era senador na época, uma emenda de bancada de R$ 50 milhões que foi colocada à disposição no MEC para a FAU, que seria o órgão repassador do recurso para o IAVe construir o túnel para nós aqui em Tupaciguara, que era um túnel que valeria US$ 1 bilhão.
 
Então o projeto evoluiu além do esperado...

Berquó: O trabalho que foi montado para a implantação do Polo Aeroespacial de Tupaciguara não se limitou só a isso, porque não é possível estudar uma coisa sem saber o contexto que está inserido. Então foi feito um estudo em Minas Gerais, que já tinha dois projetos que tinham a ver com o Polo Aeroespacial de Tupaciguara. Um é o Aeroporto de Confins, que o transforma em uma aerotrópole, uma cidade aeroporto. O projeto transformaria o aeroporto em um aeroporto de conexão, de cargas e de manutenção de aeronaves. Mas porque Minas? O aeroporto de Confins pode aumentar. O do Rio de Janeiro não pode e nem o de São Paulo. Então tinha esse projeto e outro em Lagoa Santa, que tem uma base da Força Aérea Brasileira (FAB), que seria o Centro de Formação e Treinamento de Mão de Obra, que daria suporte com a formação de mão de obra para Confins. Como seria um aeroporto de conexão, todas as aeronaves passariam por lá, e na passada por lá, fariam a manutenção. Então era um grande projeto de Minas Gerais, que já tem em Itajubá, o projeto da Universidade Federal de Itajubá com a Helibrás, que é a construção de um helicóptero brasileiro, que vai terminar em 2020. Aí o que aconteceu? Virou o Complexo Aeroespacial de Minas Gerais. Tupaciguara com o Centro de Tecnologia Avançada, Itajubá, a parte de helicóptero, Confins e Lagoa Santa.
 
Como seria o envolvimento de outras instituições no Complexo?

Berquó: Porque as coisas não funcionam no país? Porque não existe nada especializado. Nós íamos envolver todas as universidades federais do país que mexem com a questão aeroespacial dentro desse grupo de trabalho. Todos os órgãos de pesquisa do setor viriam para dentro desse grupo. Todas as instituições, como a Fiemg, Sebrae, Senai, que querem ajudar, mas não sabem como, viriam para dentro. Pegar os governos e a iniciativa privada e criar uma coisa só, onde a universidade precisa de pesquisa e a iniciativa privada de pesquisador. O Instituto de Pesquisa pode dar um suporte para as universidades na formação e treinamento de mão de obra, para que eles melhorem a sua capacidade através do INPI, IAEv, DCTA e etc. Os governos e a Fiemg ajudariam na análise de tudo isso na questão empresarial, enquanto o Sebrae formaria mão de obra para treinamento das pessoas. Essa era a ideia do negócio.
 
Por que você é citado na Ação Civil Pública?

Berquó: Eu não tenho certeza. Não li o processo. Pelo que os advogados que acompanham o processo comentaram, deu a entender que eu não podia estar ajudando o projeto a vingar. Eu estava sendo proativo e tentando ajudar com que as coisas acontecessem. E o político é o articulador da história. Quando tem uma articulação política e o dinheiro vem para a instituição da qual você dirige, você faz parte do dinheiro. Mas eu fiz a articulação política e o dinheiro veio da Fapemig para a FAU e da FAU para a Axis. O que eu sei é que era para fazer um projeto, que foi feito, e um mock-up, que também foi feito. Então para dizer a verdade, talvez eu esteja sendo processado por proatividade, por querer ajudar. Se isso não é papel de político eu tenho que entender, institucionalmente, se o prefeito não pode fazer isso. Eu acredito que sim. 

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