Betina Teles, 52, trabalhou uma vida no mercado financeiro. Aposentada há dois anos e meio, ela complementa a renda como confeiteira. Apesar de bolos e quitutes terem boa clientela ao longo do ano, o auge são os ovos de chocolate na Páscoa. "Trabalhei por quase 32 anos no Bradesco, na área gerencial. No meu último ano lá, comecei a pensar em uma alternativa para complementar a aposentadoria e me reinventar profissionalmente", afirma Betina.
Como gostava de cozinhar e fazia bolos de aniversário para a família, decidiu unir "o prazer e o trabalho." O jovem Anderson Barbosa da Cruz, 20, está no extremo oposto. Mal começou a carreira. Sem concluir o ensino médio, ele trabalhava na empresa do pai, uma confecção de ecobags.
"Com a crise, o negócio parou. Desde 2016 a demanda caiu muito, e há cinco meses não temos encomendas." Sem renda, fez cursos gratuitos oferecidos por lojas de confeitaria e passou a vender bolos sob encomenda. Os chocolates da Páscoa já se mostram promissores. "Quero juntar o dinheiro desta Páscoa e das próximas para tirar a carta de habilitação, fazer faculdade de gastronomia e, talvez, no futuro, abrir minha própria confeitaria."
Em expansão
O número de pessoas que trabalham por conta própria no ramo de alimentação explodiu com a crise econômica. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quando a economia começava a desacelerar, no fim de 2014, esse grupo atingiu o seu piso estatístico. Eram, então, cerca de 65 mil pessoas. Do segundo para o terceiro trimestre de 2016, ocorreu o primeiro salto: o número de pessoas que trabalhava informalmente com alimentação foi de 78 mil para quase 329 mil.
A Pnad (pesquisa sobre emprego) de dezembro mostrava que a renda de 406,9 mil pessoas vinha da venda de alimentos. Segundo especialistas, a Páscoa é uma oportunidade importante para quem trabalha por conta própria. "É mais um nicho de mercado que surge com a crise econômica e tem condições de absorver parte dos desempregados", diz Cosmo Donato, economista da LCA Consultores. Segundo o Senai, a procura pelos cursos de confecção de ovos aumentou. "A maioria dos alunos são desempregados que buscam renda por meio de alimentos pela facilidade de reproduzir muitas receitas em casa, com pouco investimento", afirma Janaína Mainardi, coordenadora técnica do Senai. (FSP)
Confeiteiros turbinam renda com encomendas
A experiência de quem trabalha com confeitaria confirma a análise dos economistas. Betina se aposentou em junho de 2016, com R$ 2.500 mensais. Em 2017, fez um curso de confeitaria e passou a vender bolos para conhecidos. Na Páscoa, lhe pediram ovos. "Foram 50 ovos logo na primeira Páscoa, sem divulgação.
No ano passado passei a divulgar nas redes sociais e foram 89 pedidos, lucrei R$ 4.450", diz. Para o feriado deste ano, ela já tem 50 encomendas, apenas de ovos recheados, "meia casca de chocolate e recheio de brigadeiro". Cada ovo tem custo médio de R$ 18, inclusos mão de obra, embalagem, água e energia, e é vendido a R$ 55, um retorno de 205%.
Mesmo sendo um principiante nos doces, Cruz já sente o mesmo resultado. São os confeitos que ajudam a complementar a renda da família atualmente. Seu lucro mensal varia de R$ 1.000 a R$ 1.800. Esta será sua primeira Páscoa e, só com os ovos, ele projeta um ganho de R$ 8.000. (FSP)
Produção artesanal cresceu 20% em cinco anos e superou padarias
O grupo Barry Callebaut, especializado em chocolates belgas, aponta que o mercado informal é um diferencial exclusivo do Brasil. "Normalmente, seguimos a classificação de mercados internos em cada país baseada em hotelaria, catering, restaurantes e confeitarias. Mas, aqui no Brasil, também temos o mercado informal como um pilar de atuação. Essa diferenciação só acontece aqui", afirma a empresa em nota.
"Além dos ovos de Páscoa, fora desta época, os produtores de brigadeiro são um público importante." Segundo Fernando Brull, coordenador de marketing da marca, o crescimento das vendas para o mercado artesanal foi de mais de 20% nos últimos cinco anos, superior à demanda de padarias, chocolatarias e restaurantes. Tal expansão é possível porque a atividade pede baixo capital inicial e pode ser desenvolvida em casa.
Para dar início à produção de ovos de Páscoa, é necessário adquirir formas de acetato, que custam de R$ 4 a R$ 8, um termômetro culinário, a partir de R$ 12, e os ingredientes para a casca e o recheio. Uma barra de chocolate belga sai, em média, a R$ 32 o quilo. Chocolates de qualidade um pouco menor custam por volta de R$ 14. O conjunto de facilidades foi fundamental para colocar Priscila Gonçalves, 32, de volta à ativa após ficar desempregada. Com uma filha pequena, recorreu aos doces e bolos, que aprendeu a fazer sozinha, com vídeos na internet, para garantir o sustento. Ganha de R$ 500 a R$ 1.000 por mês. (FSP)