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19/02/2019 às 07h59min - Atualizada em 19/02/2019 às 07h59min

Jornalista relata tempo infiltrado na PM carioca

Reportagem de Raphael Gomide publicada em 2008 ganha versão em livro

Raphael Gomide raspa a cabeça para iniciar a preparação para se tornar soldado no Rio | Foto: Arquivo pessoal
Então repórter da sucursal da Folha de S. Paulo no Rio, Raphael Gomide decidiu em abril de 2007 participar de um concurso para se tornar soldado da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro. Embora a vida dos jornalistas já não estivesse fácil àquela altura, ele não pretendia mudar de ramo. Seu objetivo era reunir informações para contar aos leitores os detalhes do dia-a-dia da formação de um PM.

A incursão ao Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), no Rio, foi apresentada em uma longa reportagem publicada pela “Folha de S. Paulo” em maio de 2008. Uma versão ampliada acaba de ser lançada em e-book, com o título de "O Infiltrado - Um repórter dentro da polícia que mais mata e mais morre no Brasil" (235 páginas, R$ 18 em versão digital).

Para ser aceito pela corporação, Gomide enfrentou sete meses de testes. Ao longo desse período, em que não se identificou como repórter, fez provas de matemática e português, e se submeteu a cinco etapas de avaliação física. A seleção previa ainda uma série infindável de restrições. Bastavam dentes cariados ou doenças dermatológicas, como acne, para que o candidato fosse desclassificado.

O edital da PM impunha ainda proibição de tatuagens na quase totalidade das situações. Pelo custo baixo, a saída era removê-las por meio da raspagem com lixa. "Deixava enormes bifes de carne viva, no curto prazo, e espessos queloides como memória", conta o autor sobre os sacrifícios de candidatos que ele conheceu para apagar essas marcas pelo corpo.

Aprovado em todas as etapas, Gomide tornou-se um recruta, atividade exercida por quase um mês. Nesse momento, tomou contato com o que chama de "discursos preponderantes" da Polícia Militar. "A PM institucionalmente não admite corrupção e desvio de policiais", ele diz. Por outro lado, "tolera amplamente a violência, inclusive letal, contra os criminosos".

A condescendência da corporação com o uso exagerado da força gerava situações, no mínimo, peculiares. Depois de transmitir aos recrutas a orientação oficial, baseada na moderação, os instrutores se dedicavam a "comentários pessoais", em que defendiam fazer Justiça pelas próprias mãos. Ou seja, não titubeavam em desautorizar o que tinham acabado de ensinar.

Mais do que a precariedade das instalações (banheiros sujos, salas sem ar condicionado), chama a atenção no relato de Raphael Gomide um método de ensino que não disfarça a hipocrisia. "O Infiltrado", porém, não reduz o problema à formação. Contempla outros fatores históricos que prejudicam a carreira, como os salários baixíssimos e a rejeição de grande parte da sociedade em relação aos policiais.

O livro ganha com o modo objetivo como as informações são encadeadas. A leitura corre de modo fluente. No entanto, um cuidado maior na revisão teria evitado falhas como "pelo falta de cerimônia". Além disso, não há imagens. Gomide lembra momentos em que se dedicou a fotografar o CFAP, mas essas fotos não aparecem na edição. Não são problemas que comprometam o livro. "O Infiltrado" é uma grande reportagem que nos ajuda a compreender a duradoura crise da segurança no Rio.

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