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09/02/2019 às 14h58min - Atualizada em 09/02/2019 às 14h58min

Mais um herói em Brumadinho

Tenente Henrique Hipólito Silva Braga, dos bombeiros em Uberlândia, é um dos 60 militares da região convocado para os resgates

VINÍCIUS LEMOS
Foto: Divulgação
O tenente do Corpo de Bombeiros em Uberlândia Pedro Henrique Hipólito Silva Braga, de 24 anos, estava de folga quando foi convocado para ajudar nas buscas em Brumadinho, ainda no dia 25 de janeiro, data em que houve o rompimento da barragem da Vale. Junto a outros cinco militares das unidades de Uberlândia e Uberaba, no dia seguinte (26), Braga já participava das buscas em meio ao mar de rejeitos que tomou a região daquele município mineiro.

O uso intensivo de cães no serviço foi a marca da equipe do Triângulo Mineiro em Brumadinho. O turno de Braga durou 10 dias, mas, na última quinta-feira (7), ele embarcou novamente para render colegas que continuavam nas buscas.

Natural de Belo Horizonte, o oficial dos bombeiros, que está em Uberlândia há 2 anos, também participou dos trabalhos de resgate em Mariana, no final de 2015. Ele afirma, porém, que as buscas em Brumadinho são ainda mais complicadas do que as realizadas há pouco mais de três anos. Pelo menos até o final desta semana, Braga e um conjunto de 60 bombeiros do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba continuarão a participar dos trabalhos em meio à lama da barragem da Vale, conduzindo 25 cães farejadores.

No trajeto de volta para Brumadinho, tenente Hipólito concedeu uma entrevista ao Diário de Uberlândia a respeito da experiência vivida no local da tragédia.
 
Diário de Uberlândia - Como foi o trabalho inicialmente?
Tenente Hipólito
- Foram empregados os cães nos pontos de interesse. Quando a gente tentou fazer uma varredura, não funcionou direito, os cachorros ficavam atolados e o desgaste era muito grande. Aí, tínhamos os pontos de interesse, como a área do refeitório, lugares com odor forte ou área de maior possibilidade de encontrar possíveis vítimas. Foi pontual. Depois, a gente começou a trabalhar com máquinas. Passávamos máquinas e depois os cachorros para indicar onde mais as máquinas poderiam passar de novo.
 
Quais eram as principais dificuldades para o resgate?
Essa questão do deslocamento dos cães, que atolavam muito. Eles se desgastavam porque atolavam mais do que a gente. Embora o peso deles seja menor, como a superfície de contato também é pequena [as patas], a pressão sobre o barro é maior e eles afundam. O ambiente é muito contaminado, há muito distúrbios, há muitos pedaços pequenos [de corpos] às vezes espalhados pelo ambiente. Os cães encontraram mais de uma dezena de pedaços. Temos um número final de 11 [pedaços] encontrados pela equipe de busca, resgate e salvamento com cães, sendo seis de ação direta com os cachorros. Em aproximadamente cinco metros de profundidade, chegamos a encontrar corpos. Apenas com cães poderíamos encontra-los. Os demais, a equipe encontrou no visual e com trabalho até sem cães.
 
Era uma rotina de quantas horas?
A chamada era às 5h30. Íamos para o campo às 7h e nos recolhíamos por volta das 18h. Mas os cães não trabalham nesse mesmo tempo. Era nos períodos de menor calor e o revezamento deles era feito um para dois, por exemplo, se a gente trabalha 20, eles descansam 40. Colocávamos os cachorros pontualmente. Se exigíamos demais deles, não tínhamos resultado, porque eles entram num estado de estafa, com essa exaustão.
 
O senhor imaginou trabalhar em uma situação extrema como aquela?
A gente teve uma experiência prévia em Mariana, mas trabalhei apenas um dia por lá. Essa prévia nos deixou em alerta e começamos a treinar cães para esse tipo de desastre. Mas mesmo assim, Brumadinho é uma outra escola, que pode nos fazer melhorar mais ainda o trabalho com os cães. A situação encontrada em Mariana foi uma, com ambiente com poucos distúrbios. Em Brumadinho, a gente tem um ambiente cheio de distúrbios e outras situações que o cachorro também estranhou pela dinâmica e complexidade do desastre lá.
 
Como o senhor descreveria aquele ambiente?
Nos primeiros dias, o ambiente era mais liquefeito, então o deslocamento era muito complicado e tínhamos áreas de pouco acesso. Até hoje não se podia deslocar totalmente com tranquilidade em alguns terrenos. Muitas áreas estão impossíveis de se fazer o deslocamento, seja com o cachorro ou mesmo com o condutor. Usávamos máquinas que chamamos de anfíbios. Em alguns pontos apenas os anfíbios conseguem fazer esse deslocamento.
 
Como foi a recepção em Brumadinho?
Tivemos pouco contato com a população. Tivemos mais contato com funcionários da Vale e eles estavam muito dedicados, porque todos tinham uma história triste para contar de um amigo ou parente que está lá embaixo. O ímpeto para trabalhar era muito grande por conta disso. Eles estavam sempre dispostos a ajudar para encontrar esses amigos ou familiares que estavam lá. Todos no cenário têm uma história triste para contar. É bem pesado nesse sentido.
 
Vocês tiveram um descanso de quanto tempo?
Ficamos dez dias lá e três em Uberlândia. Eu estava em um clube quando fui acionado. Nunca estamos preparados para uma coisa dessas.
 
Nessa volta, como vai ser?
Vamos ficar de sete a dez dias lá novamente. A partir de agora, haverá uma escala de rodízio mais rígida. Mas isso é a parte do canil, os demais militares ficam de sete em sete dias até o final do mês. São, do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, 60 homens rodiziando diretamente na operação.
 
Como o senhor vê o trabalho do Corpo de Bombeiros exaltado e elogiado dentro de um serviço tão difícil?
Isso tem que servir de motivação e somente de motivação. A gente está sempre fazendo esse tipo de procedimento, mas, infelizmente, é apenas quando acontece uma tragédia como essa que mostramos nosso potencial e valor. Infelizmente, é só no momento do desastre que mostramos nossa capacidade de resposta e o que é o Corpo de Bombeiros, porque aí fica evidente. Nesse momento, é oportunidade também de crescimento da corporação e por conta disso a gente trabalha. Nós esquecemos a parte de heroísmo e fazemos nosso trabalho.
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