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24/01/2019 às 08h22min - Atualizada em 24/01/2019 às 08h22min

O resistir diante de um apagão cultural

Comunidade do bairro Patrimônio recebe pela primeira vez espetáculo que traz inspiração em sua história

ADREANA OLIVEIRA
Solo do ator Caio Franzolin, montagem tem direção de Rafaela Carneiro | Foto: Michel Igielka/Divulgação
O bairro Patrimônio está em uma semana de festas. No final de semana acontece a Folia de Reis Pena Branca, uma das mais tradicionais da cidade, e deve reunir mais de duas mil pessoas no ginásio Poliesportivo do bairro no sábado. Mas a semana ganha outra atração para reforçar o seu valor histórico e cultural para Uberlândia nesta quinta-feira, no Terreirão do Samba, onde será exibido o espetáculo “Enquanto Chão”.

O monólogo d´A Próxima Companhia (SP) traz o ator Caio Franzolin como protagonista e conta a história de duas comunidades distantes, mas que têm muita coisa em comum, a de Canela, de Palmas (TO) e do Patrimônio, de Uberlândia. Junto com Carminda Mendes André, sua orientadora em projeto de pesquisa de campo no Instituto de Artes da Unesp e com direção de Rafaela Carneiro, a montagem mostra como essas duas comunidades têm sofrido com um apagamento cultural proveniente de um progresso desenfreado.

Você deve estar pensando sobre como essa companhia paulistana e esse ator também paulistano chegaram à essa história, até desconhecida ou negligenciada por muitos uberlandenses. Franzolin explica. “A Carminda participava de um grupo de pesquisa no Instituto de Artes na Unesp e foi convidada para dar oficina de intervenção urbana na Universidade Federal de Uberlândia [UFU] e na Universidade Federal do Tocantins [UFT]. Nessa pesquisa chamada Mapa Xilográfico ela e seus colaboradores chegaram a essas comunidades”, disse.

Os pesquisadores se reuniram no que chamavam de troca de alimentos por histórias. Os moradores sentavam-se nas cadeiras ao redor das mesas e dividiam suas memórias com eles. A riqueza desses relatos era tanta que acabou demandando mais tempo de pesquisa que resultou em dois documentários audiovisuais e a peça.

“Ficamos três anos indo e voltando para essas comunidades. Por isso vai ser tão importante estar hoje apresentando essa peça no bairro Patrimônio, dividindo isso com eles que por meio de suas festas populares representam uma verdadeira cultura de resistência. Aproveitamos essa época da festa da Folia de Reis Pena Branca porque até mesmo quem não mora mais no bairro volta para participar”, destacou Franzolin.

Apesar de ser um monólogo, o artista não está sozinho. Por meio de técnicas como a mímesis corpórea (criada pelo Lume de São Paulo) e conceitos do Teatro Documentário, Franzolin dá vida a personagens reais, como o Mestre Bolinho, por exemplo, importante representante da cultura negra uberlandense. “É um processo em que vivo diferentes pessoas mas não de forma caricata. O senhor Bolinho é muito conhecido em São Paulo, já recebeu muitas homenagens de escolas de samba daqui por conta de sua história e também é muito valorizado como compositor”, explicou o ator.

TURNÊ

“Enquanto Chão” estreou no final de 2017 e já circulou pelo estado de São Paulo e chega a Uberlândia pela primeira vez. “É uma forma de agradecer à comunidade que inspirou a montagem, de dentro da nossa pequenez, colaborar com a perseverança dessa cultura”, disse o ator Caio Franzolin, em entrevista ao Diário de Uberlândia pouco antes da viagem de Ribeirão Preto (SP), onde se apresentou na terça-feira (22), para Uberlândia. Está prevista a chegada da peça também ao Tocantins ainda no primeiro semestre deste ano, segundo o ator.

Para Franzolin, é importante circular e mostrar mais dessa história. A apresentação de hoje tem um limite de 40 lugares, por isso, quem chegar em cima da hora pode não conseguir entrar. O ingresso tem preço simbólico e o valor arrecadado fica com a comunidade, que banca toda a festa da Folia de Reis, realizada de forma coletiva.

“A apresentação é feita em um ambiente que se junta à festa deles. Eu não vou imitar alguém ali, farei com que meu corpo e minha voz se aproximem ao máximo da pessoa com a qual estou trabalhando na mímesis corpórea. E quero levar essa experiência a mais cidades para quem mais gente conheça esse lugar historicamente”, explicou.

Franzolin comenta que durante a pesquisa percebeu-se o risco desse apagamento cultural tanto de Canela como do Patrimônio por conta do progresso, da especulação imobiliária e da falta de compreensão dos novos moradores sobre suas tradições. “Em Uberlândia, por exemplo, para fazer a Folia de Reis Pena Branca eles demoram seis meses para conseguir todos os alvarás, tem polícia acompanhando os cortejos que para alguns vizinhos é ‘bagunça’ e a música deles é considerada ‘barulho’. É preciso manter essas tradições vivas”, explicou.

SERVIÇO
O QUE: ENQUANTO CHÃO
QUEM: Cia Próxima de Teatro
QUANDO: hoje, 20h
LOCAL:  – Terreirão do Samba (Av. das Américas, 390 - Morada da Colina)
INGRESSO: R$ 10
CAPACIDADE: 40 lugares
DURAÇÃO: 70 minutos
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos
 
FICHA TÉCNICA
Concepção original: Caio Franzolin e Carminda Mendes André
Direção e Preparação de Ator: Rafaela Carneiro
Provocação Cênica: Carminda Mendes André
Direção Musical: Rani Guerra
Dramaturgia: Solange Dias
Texto: Caio Franzolin
Preparação Corporal: Gabriel Küster
Cenografia e Iluminação: Caio Marinho
Figurino: Caio Franzolin
Produção: Solange Borelli - Radar Cultural – Gestão e Projetos
Realização: A Próxima Companhia
Núcleo Artístico A Próxima Companhia: Caio Franzolin, Caio Marinho, Gabriel Kuster, Juliana Oliveira e Paula Praia.
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