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10/01/2019 às 08h40min - Atualizada em 10/01/2019 às 08h40min

Mudança abre margem para erros em livros

Nova versão de edital não exige referências bibliográficas das editoras

PAULO SALDAÑA | FOLHAPRESS
Ricardo Vélez, ministro da Educação, durante cerimônia de posse no cargo | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
O combate do governo de Jair Bolsonaro (PSL) à suposta doutrinação de esquerda na educação terá como um dos alvos os livros didáticos. O Ministério da Educação publicou uma nova versão de um edital que orienta a produção de livros escolares e, entre outros pontos, deixou de exigir das editoras referências bibliográficas que apoiem a estrutura editorial dos livros, o que, na prática, pode permitir a aprovação de livros sem qualidade, com erros e ainda visões de mundo particulares.

Além disso, o novo edital suprimiu trechos, como o compromisso com a agenda da não violência contra as mulheres e a promoção das culturas quilombolas e dos povos do campo.

Para membros do time do presidente, esses seriam temas da esquerda. O primeiro ato do novo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, foi desmontar uma secretaria do MEC responsável por ações de diversidade, como direitos humanos e relações étnico-raciais.

Além disso, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, publicou no Twitter no último dia 5 que os professores não deveriam ensinar sobre feminismo.
O novo edital de compras de livros didáticos ainda excluiu orientação às editoras para que ilustrações retratassem "a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade social e cultural do país". Um trecho que vetava publicidade nos livros didáticos também foi excluído. A publicidade em material didático é vetada por resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente por ser considerada abusiva.

As alterações no edital do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2020 constam em nova versão publicada no dia 2 de janeiro. Esse documento, publicado inicialmente no ano passado, serve de referência para que as editoras produzam as obras didáticas e as apresente para avaliação do governo. Após a análise de uma comissão técnica, uma lista de obras é levada para as escolas e redes, que escolhem os títulos que serão adotados. O edital em questão trata de livros para escolas dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e que devem chegar às unidades de todo país em 2020. Também contempla livros literários. As obras serão escolhidas, portanto, com base nessa nova versão.

Na versão anterior do edital, a orientação para as editoras, com relação a princípios éticos necessários, é que as obras promovam "positivamente a imagem da mulher, considerando sua participação em diferentes trabalhos, profissões e espaços de poder, valorizando sua visibilidade e protagonismo social, com especial atenção para o compromisso educacional com a agenda da não violência contra a mulher".

Na versão atual, o último trecho sobre a atenção especial à agenda da não violência contra a mulher foi suprimido. Os livros deveriam ainda "promover positivamente a cultura e a história afro-brasileira, quilombola, dos povos indígenas e dos povos do campo". O MEC exclui desse trecho as menções às palavras quilombola e povos dos campos.

Ainda foi suprimido trecho que exigia livros sem erros de revisão e ou impressão. A reportagem identificou ao menos dez alterações no documento, que mantém, no geral, o mesmo conteúdo original. Há orientação para que os livros estejam livres de preconceitos sobre orientação sexual ou gênero que foi mantido, por exemplo.

É comum que os editais do programa sejam retificados algumas vezes mesmo durante o processo de produção de obras. Mas desta vez, houve essas alterações pontuais sobre temas sensíveis ao novo governo. A nova versão está disponível no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC.
 
REFERÊNCIA
Livros são ferramentas de apoio aos professores

 
Ao tomar posse como ministro da Educação, Vélez Rodríguez exaltou em discurso a família, igreja e valores tradicionais. Os livros didáticos são muitas vezes as únicas ferramentas pedagógicas de apoio aos professores. Em cidades mais pobres, em que secretarias de Educação têm pouca estrutura, essa realidade é ainda mais forte.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a exclusão desses temas do edital do livro didático é preocupante. "A educação é também uma política de construção da identidade nacional. Parte fundamental da construção nacional é a capacidade reconhecer a diversidade", diz.

"Em relação à violência contra a mulher, o governo nega problemas estruturais fazendo relativismo histórico e suprimindo temas que existem no dia a dia. A função da escola é mostrar que violências são atitudes equivocadas, mas também servir de alerta para questões que podem acontecer no cotidiano das crianças."
A priorização no combate a supostas doutrinações também estará presente nos processos de avaliação, como o Enem e o Saeb (avaliação federal que compõe o Ideb, indicador de qualidade da educação).

O goiano Murilo Resende Ferreira foi indicado para a Diretoria da Avaliação da Educação Básica, subpasta responsável pelas duas ferramentas dentro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Em publicações e palestras, Ferreira já atacou professores, chamando-os de desqualificados e manipuladores. Seguidor do escritor Olavo de Carvalho, já fez parte do Movimento Brasil Livre (MBL) mas Renan Santos, um dos coordenadores nacionais do movimento, escreveu no Twitter que ele fora expulso por ser "lunático, conspiratório, fora da realidade".

Muitas escolas e redes de ensino pautam suas atividades a partir do que cai no Enem e no Saeb. O Enem é a porta de entrada para praticamente todas universidades federais. O próprio Bolsonaro já publicou nas redes sociais mensagem em apoio a Resende, que é doutor em economia mas não tem experiência em avaliação educacional.

Até a publicação desse texto, o MEC não havia respondido aos questionamentos. A reportagem não conseguiu contato com Murilo Resende Ferreira, que ainda não foi nomeado oficialmente.
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