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18/12/2018 às 08h26min - Atualizada em 18/12/2018 às 08h26min

Prazo de maioria de denúncias expirou

Segundo delegada goiana, médium não vai responder por boa parte dos crimes dos quais é suspeito

FOLHAPRESS
Defesa diz que médium João de Deus nega ter cometido crimes: “respondeu a todas as perguntas” | Foto: Marcelo Camargo/Abr
A delegada Karla Fernandes, responsável pela investigação de supostos abusos sexuais cometidos por João de Deus, disse ontem que o médium não vai responder pela maioria dos crimes dos quais é suspeito. Os 15 casos sob análise da Polícia Civil de Goiás, segundo ela, se referem a posse sexual mediante fraude (no caso específico, usar da fé das mulheres para cometer atos libidinosos com elas).

Até setembro deste ano, segundo a investigadora, a lei previa um prazo decadencial para a denúncia ser feita de até seis meses após a data do fato. Houve mudança na legislação penal e, somente desde aquele mês, o prazo decadencial não existe mais para esse crime. A mudança não se aplica aos casos anteriores, pois a lei brasileira não permite que uma regra nova retroaja para prejudicar o réu.

Fernandes ponderou ser importante que as mulheres continuem levando informações às autoridades, mesmo tratando-se de ocorrências antigas, pois elas podem servir de testemunhas e reforçar o quadro probatório contra o médium.

A delegada, que trabalhou por oito anos na Delegacia de Mulheres de Goiânia, explicou que o crime de estupro não se aplica aos casos sob análise, pois, segundo ela, não houve "conjunção carnal". O único caso posterior a setembro, que vem sendo considerado o principal, é o de uma mulher de 43 anos, moradora de Goiânia, que administra uma casa espírita. Ela contou ter procurado João de Deus para buscar a solução de problemas nesse centro espiritual. Foi a primeira a ser atendida e, segundo a versão apresentada, logo levada para uma sala reservada, cujas luzes estavam apagadas.

O médium teria então massageado a região sob o ventre da mulher, sob o argumento de dissipar uma energia ruim. Ela relatou que, em determinado momento, notou que João de Deus estava com o pênis de fora e reagiu, alegando que havia algo errado. Ele teria interrompido a sessão e solicitado que ela não contasse nada a ninguém.

A delegada afirmou que, em depoimento, João de Deus disse não conhecer ou não se lembrar de várias mulheres que o acusam e negou os abusos. Porém, quando questionado sobre esse caso mais recente, teria alterado o tom de voz e dito que a suposta vítima teria de apresentar alguma prova que comprovasse violação sexual.

Ele teria alegado que a acusadora é uma mulher problemática. "Além de negar o fato, ele tentou imputar em relação à vítima que ela teve problema na instituição [espírita à qual é ligada]. Tentou jogar para cima dela que estava tentando se aproveitar da situação", comentou a policial. A delegada afirmou que essa mulher foi a única encorajada pelo companheiro, seu namorado, a denunciar.

Contou que um dos casos é o de mãe e filha que relatam ter sido abusadas, mas que o marido e pai das supostas vítimas teria minimizado o problema e continuado frequentando o centro de cirurgias espirituais do médium. "Se o pai não defende a própria filha, ela tem medo de se expor." Fernandes disse que muitas das mulheres alegam que, no momento das supostas violações, não percebiam que se tratasse de um abuso, embora se sentissem mal. "São pessoas vulneráveis. Para todos que estavam ali, aquilo era um momento de apogeu, de benção."

A Justiça autorizou a Polícia Civil a fazer buscas em 20 endereços ligados a João de Deus. Os investigadores informaram que pretendem vasculhar ao menos quatro locais frequentados pelo médium, entre eles a estremecia dele e a casa dom Inácio de Loyola, em busca de mídias que possam conter mensagens e outras possíveis provas dos crimes.

Questionada se essas diligências não deveriam ser sigilosas, a delegada reagiu: "Sigilo de que, se esse trem já está tão estourado?". Ela explicou que conteúdos eventualmente apagados das mídias podem ser recuperados. O objetivo das buscas é também o de conhecer os espaços em que, conforme o relato das vítimas, ocorriam abusos e levantar eventuais funcionários e frequentadores que possam servir de testemunhas.
 
GOIÂNIA
Sequência de eventos estranhos marca depoimento

 
O depoimento de João de Deus, 76, na noite de domingo (16), em Goiânia, teve uma sequência de imprevistos que deixou os investigadores desconfiados.
Na hora de o médium falar, segundo os presentes, o computador usado para registrar as alegações do preso parecia ter vida própria. "Você apertava uma tecla e ela OOOOOOOOO...", descreveu a delegada Karla Fernandes, coordenadora da força-tarefa responsável pelo caso na Polícia Civil.

Estava calor, e a própria delegada resolveu usar uma extensão para ligar o ar-condicionado. Segundo relata a investigadora, o fio explodiu e, de quebra, queimou o frigobar. "Todo mundo gritou dentro da sala."

João de Deus foi preso neste domingo sob suspeita de abusos sexuais de suas pacientes em Abadiânia. A oitiva com o médium estava marcada para ocorrer em Anápolis, cidade próxima à capital goiana, mas um imprevisto tirou o escrivão de circulação. Ele foi atropelado na BR-060, a caminho da delegacia, e quebrou o braço.

O depoimento foi transferido para Goiânia. Foi possível domar o teclado, todos se recuperaram do susto e o interrogatório fluiu por mais de duas horas. Para a delegada, os episódios podem não ser só obra do acaso. "Estamos diante de uma situação que envolve crenças e energias." Questionada se estava com medo, disse: "Não, mas tenho respeito, até porque sou espiritualista". Ela classifica João de Deus como um homem que tem, de fato, "um poder". "Mas houve um desvio no meio do caminho", disse a delegada.

DEPOIMENTO

No depoimento que prestou à polícia, o médium negou qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é suspeito, e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. "Ele não admite [envolvimento]. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar", afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, que acompanhou a oitiva.

O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo a delegada Karla, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram. O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas. O delegado espera concluir os inquéritos sobre violências relatadas por 15 mulheres em 15 dias, quando será tomada a decisão sobre eventuais indiciamentos. Por ora, os crimes em apuração são os de estupro e posse sexual mediante fraude (usar a fé para obter sexo).

A delegada Karla disse que a prisão poderá aumentar o número de denúncias. Além dos 15 casos sob análise da polícia, o Ministério Público recebeu centenas de relatos de abusos. "Entendemos que, com a prisão, haverá o encorajamento de vítimas e isso pode levar a um aumento da procura", declarou.

O advogado do médium, Alberto Toron, disse que terá de ser analisado com serenidade se as pessoas querem se aproveitar da situação para pedir dinheiro ao médium. "Ele [João de Deus] respondeu a todas as perguntas. De algumas mulheres, ele nem se lembrava", disse, explicando que alguns atendimentos citados nas denúncias ocorreram há mais de dez anos.

Sobre a filha do médium, que o acusou de violentá-la, o advogado afirmou que ela já fez mais de um vídeo retirando as próprias acusações. "Fica difícil dizer o que acontece com ela. Tem histórico de internações." O advogado explicou que, no depoimento, João de Deus atribuiu a existência de centenas de denúncias a uma perseguição. "Ele acha que tem gente que o quer destruir."
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