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16/10/2018 às 08h40min - Atualizada em 16/10/2018 às 08h40min

Eleito terá que mudar constituição

Alteração na Carta requer votações na Câmara e no Senado, sempre em dois turnos, com aprovação de 3/5 do Congresso

FOLHAPRESS
Algumas das principais propostas de governo dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) demandariam mudanças na Constituição brasileira para serem encaminhadas. Essas alterações teriam que ser feitas por meio de Propostas de Emendas à Constituição, as PECs, que precisam passar por diversas instâncias de deliberação e de tramitação antes de serem definitivamente aprovadas. A partir de 2019, em um cenário em que a Câmara e o Senado estarão mais fragmentados do que nunca na história, é quase certo que o futuro presidente terá grandes dificuldades caso queira alterar a Constituição. Uma PEC precisa passar por votações na Câmara e no Senado para que seja aprovada. As votações se dão sempre em dois turnos, sendo exigido o apoio de pelo menos três quintos do total de membros de cada Casa para aprovação.

As principais propostas de Bolsonaro que precisariam de PECs são a redução da maioridade penal; as mudanças nas terras indígenas; alterações no 13º salário; além da ideia de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, apresentada pelo vice, general Hamilton Mourão (PRTB), e depois negada pelo presidenciável. No caso da maioridade penal, Bolsonaro tem dito que, caso eleito, deve tentar reduzi-la para 17 anos, evitando assim repercussão negativa. Outro presidente, então, faria a redução para os 16 anos. Segundo Diogo Rais, professor de direito do Mackenzie e da FGV-SP, há uma "zona cinzenta" ao tratar da mudança.

"Há três leituras possíveis. Uma delas, a mais branda, diz que seria possível, sim, mudar por PEC. Uma segunda leitura é a de que só uma nova Constituição permitiria tal alteração, dado que a redução toca na cláusula pétrea do direito à vida. Uma terceira visão seria a de que nem mesmo uma nova Constituição autorizaria, já que o Brasil firmou compromissos com sistemas internacionais de direitos que vedam a mudança. É uma discussão que acabaria no STF", diz Rais.

Sobre o projeto do presidenciável do PSL de colocar as terras indígenas para os próprios índios administrarem, dando-lhes a possibilidade de as venderem, Rais afirma que a Constituição fala em "posse permanente" e "usufruto exclusivo das terras pelos índios, confirmando, assim, que apenas uma PEC possibilitaria a realização do projeto. A campanha de Bolsonaro não chegou a tratar formalmente do 13º salário. Mas Mourão fez críticas ao salário e chegou a sugerir o parcelamento dos valores. Ele depois foi desautorizado por Bolsonaro, que disse que o direito não pode ser suprimido.

De acordo com o professor de direito da USP Dircêo Torrecillas Ramos, o 13º salário não pode ser extinto, mas propostas para modificar o modo de pagamento podem ser tratadas por meio de PEC. "Pode modificar se for para melhorar. Uma PEC poderia apontar uma orientação geral sobre o 13º salário, deixando mais flexível a negociação da forma de pagamento", afirma. Na semana passada, tanto Bolsonaro como Haddad recuaram nas propostas de convocar uma Assembleia Constituinte e disseram que não pretendem encaminhá-las. No caso do candidato do PSL, a ideia foi originalmente de Mourão, que defendeu uma Constituinte composta de "notáveis".

"O poder constituinte não pode ser repassado por meio do presidente chamando um grupo de notáveis. Tem que ser em Assembleia Constituinte com representantes eleitos, para dar legitimidade à Assembleia", afirma Ramos.

No programa de governo do Haddad, há ao menos sete propostas de alteração na Constituição. Entre elas pontos historicamente caros ao petismo, como um marco regulatório das empresas de comunicação, expandir para a iniciativa popular o direito de convocar um plebiscito e a adoção do voto proporcional e em lista pré-ordenada. À lista somou-se, após o impeachment, a revogação de uma outra PEC, a do teto de gastos, aprovada no governo Temer, que limita o aumento dos gastos do governo federal por até 20 anos.

"Nesse momento atual de radicalismo político, será muito difícil alcançar o número de votos necessários para aprovar essas emendas. Então algumas dessas propostas, tanto de Bolsonaro quanto de Haddad, podem ser até legítimas, mas de complexa exequibilidade", diz Walber de Moura Agra, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e procurador do mesmo estado. No campo do Judiciário, Haddad propõe instituir mandatos para ministros das cortes superiores; no econômico, uma reforma tributária que implemente o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que substituiria a atual estrutura de impostos indiretos.

Para o professor de direito da USP André Ramos Tavares, mudanças na Constituição deveriam ser excepcionais, pois um constante retalhamento do texto prejudica sua coerência e compreensão. Uma das poucas propostas de emenda que vê com bons olhos é a relativa ao IVA. "Nesse caso me parece imprescindível a mudança. Chegamos de maneira madura à conclusão de que é impossível permanecer com esse sistema injusto, retrógrado e federativamente insustentável." Tavares, no entanto, afirma ser "contra experimentalismos constitucionais, por emendismo". "Será muito difícil alcançar o número de votos necessários para aprovar essas emendas. Então algumas dessas propostas, de Bolsonaro e de Haddad, podem ser até legítimas, mas de complexa exequibilidade.

PROCURADOR E DOUTOR EM DIREITO
O que Bolsonaro e Haddad querem mudar na Constituição


FERNANDO HADDAD
Teto de gasto

Revogar medida do governo Temer, também aprovada por PEC, que limita o aumento dos gastos do governo federal por até 20 anos

Marco regulatório da comunicação social
Impedir monopólios na comunicação e impor limites a que um mesmo grupo controle diferentes mídias no mesmo mercado

Nova Constituinte
Defendia a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para assegurar as conquistas da Constituição de 1988, mas Haddad declarou ter desistido da ideia

IVA
Propõe a criação e implementação gradual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que substitua a atual estrutura de impostos indiretos

Reforma política
Adoção do sistema proporcional, do voto em lista pré-ordenada (com cotas raciais e de gênero) e separação das eleições legislativas das executivas

Cortes Superiores
Tempo de mandato nos tribunais superiores, "não coincidente com a troca de governos e legislaturas" e mudanças na escolha dos magistrados dessas cortes, visando transparência e participação social

Plebiscito e referendos
"Vamos expandir para o presidente da República e para a iniciativa popular a prerrogativa de propor a convocação de plebiscitos e referendos", diz o programa petista
 
JAIR BOLSONARO
Redução da maioridade penal

Bolsonaro pretende baixar, inicialmente, para 17 anos a maioridade penal. "A nossa proposta é passar para 17 e o futuro governo passa para 16. Vai devagar que você chega lá", disse em entrevista. Uma PEC seria apenas o início do processo, que provavelmente chegaria ao STF.

Alteração nas terras indígenas
Permitir que os índios vendam suas terras. A Constituição diz que os índios têm posse permanente dessas áreas, então seria necessária a PEC.
"Por que, no Brasil, o nosso índio tem que ficar confinado num pedaço de terra? Aquele pedaço de terra é dele? É. Alguém quer tomar? Não. Mas ele tem que ter o direito de explorar a sua terra, até mesmo se quiser vender uma parte dela, que o faça, para o seu bem, para o bem de sua geração", disse em entrevista.

Promover alterações no 13º salário
O 13º é garantido constitucionalmente e não pode ser extinto. No entanto, no caso da ideia cogitada pelo vice, Hamilton Mourão (PRTB), de parcelar o pagamento, seria necessária uma PEC

Convocar uma Constituinte de notáveis
Apresentada por Mourão, a ideia de uma Assembleia Constituinte precisa de uma PEC. No entanto, ela tem que contar com a participação de parlamentares eleitos pelo povo. Caso contrário, com "notáveis", como disse Mourão, é inconstitucional. Bolsonaro desautorizou o vice
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