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30/09/2018 às 05h00min - Atualizada em 30/09/2018 às 05h00min

Assis Guimarães

Artista mineiro radicado em Uberlândia desde 1978 fala do início de carreira e da importância de Babinski em sua vida

ADREANA OLIVEIRA
Foto: Adreana Oliveira
Adentrar à casa de um artista é sempre um privilégio cercado de mistérios para qualquer pessoa. A reportagem do Diário de Uberlândia passou uma manhã no espaço em que Assis Guimarães mantém sua ordem em meio ao caos, onde tudo é inspirador, tudo pode virar arte. No primeiro cômodo, logo na entrada, uma obra inacabada, cercada por 12 latas de tintas a ser contemplada pelo artista. “Ainda não está como eu quero. Estamos dialogando”, comenta Assis com uma mão no queixo e um olhar complacente sobre as linhas trilhadas estendidas no chão.

Nascido em Carmo do Paranaíba, no Alto Paranaíba, acompanhou os pais (já falecidos) e os quatro irmãos (ele é o do meio) em muitas mudanças. Aos sete anos de idade passou uma temporada em Varginha. “Nessa entrada na adolescência eu convivia com grandes famílias tradicionais locais por onde passávamos. Foi um momento muito importante da minha vida: Colégio Marista, Banda Marcial, Escola de Samba, povo rico, povo pobre, era um contexto muito bom de viver”, comentou.

Assis lembra de uma vida desprendida, segura, sem crimes. “Tinha um certo glamour em viver ainda. A gente saia de casa pra viajar de carona pela região com 13, 14 anos e vivia grandes aventuras longe de qualquer maldade”, recorda.
Em 1978 ele foi “contemplado” com a vinda da família para Uberlândia. “A pujança dessa cidade me inundou. Ela explode que nem um cogumelo no Cerrado. De 1978 pra cá virou uma metrópole”. Para encontrar o seu lugar e se inserir na sociedade que ele desconhecia e que o desconhecia, arrumou seu primeiro emprego na recém fundada TV Paranaíba, onde trabalhou por três meses como assistente de desenhista de Sérgio Yplinsky, pintor natural de Araxá, muito premiado em São Paulo e que atualmente reside no Guarujá (SP). “Ele é um grande desenhista desta época, o mais representativo e eu tinha apenas 17 anos”, lembrou Assis.

Depois do período com Yplinsky partiu para um trabalho de freelancer como desenhista de embalagens. O convite veio de Joel Guimarães, da Embalagens Triângulo. “Fiquei lá por uns três anos. Ainda tenho ligações com a família até hoje, inclusive, um dos quadros que estou pintando no momento é para um dos filhos do dono da fábrica. Tenho poucas memórias físicas dessa época mas muitas memórias práticas, existenciais”, contou. Na época, o processo era muito artesanal. Os desenhos eram feitos em caneta nanquim sobre o papel cisterna, depois partia para o molde em alumínio – feito na sede do antigo jornal “Triângulo”. “Ali fazíamos os clichês, que vinha do fotolito a partir do desenho à mão. O processo era desenho-fotolito-clichê e depois o baquelite, a borracha. Eram cinco ou seis processos. Aprendi tudo sobre gravura e rotativas de impressão”, explicou.

Assis era skatista, adorava andar pelas ruas de Uberlândia. Até aí, ele ainda não havia tido contato com a arte em si. Em 1981 entrou para a Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais depois do momento que mudaria sua vida para sempre: conhecer as obras de Maciej Babinski. Nascido na Polônia, o gravador, ilustrador, pintor e desenhista lecionou na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) entre 1979 e 1987. É dele “a culpa” pela descoberta de Assis.
“Quando eu vi a exposição dele tudo mudou. A arte dele mudou a minha vida. Por causa daquela exposição eu quis ser artista eu queria ter aquilo pra mim. Eu nem sabia o que era arte, eu era só um desenhista e impressor, e foi ali, na UFU que tive minha primeira experiência estética com a arte. Fiquei chocado, comovido. Não acreditava que algo pudesse ser feito pela mão do homem como se tivesse sido feito pela natureza. Na pintura do Babinski a gente vê isso claramente”, elogiou Assis. Ele recorda que o mestre dizia-se pintor da necessidade. Como temos necessidade de comer, tomar água, o Babinski tinha necessidade de pintar.

Depois da faculdade Assis Guimarães voltou para Uberlândia e começou a se entrosar com professores da UFU, filósofos, outros artistas e se enveredar pelo mundo da literatura. “Eu me sentia um caipira, nasci no meio de plantadores de café, passei por vários colégios, vivi as alegrias da adolescência sem ter contato com galerias ou museus. E agora ali, me via como artista, amigo do Babinski, ao lado de pessoas incríveis como João Francisco Duarte, Eliana Nardin. Eles me encamparam”, contou ele, que durante sua formação acadêmica se mantinha com silks para camisetas.

Para Assis a Academia tinha um papel importante na sociedade que hoje não existe mais. “Virou tudo digital. Parece que desapareceu o papel daquela escola para a escola de hoje, sinto que mudou tudo. Não há a mesma confraternização, nem a própria comercialização dos desenhos, das gravuras, só parece haver espaço para a arte cibernética. Tudo que chega tem os prós e contras. Nas últimas décadas o que as pessoas ganharam por um lado perderam por outro porque o espaço da convivência física, a convivência em si está um pouco negligenciada, ultrapassada até. A forma como as pessoas absorvem arte hoje está diferente”, disse Assis.

Para ele, “a arte sempre foi uma atividade de coragem”, tanto para quem a concebe quanto para quem usufrui dela. “Sempre vai ser uma atitude de coragem. Sempre foi difícil e nunca vai ser fácil o exercício da arte na nossa civilização ela é sempre um testemunho de riqueza mas se não for feito não se sente falta imediata”.

Assis reflete Uberlândia em sua arte, nos seus traços em cores ou em preto e branco. Seu processo foi se aprimorando com o tempo e desdobrou-se das telas para esculturas em bronze e sempre pautado pela liberdade de criação. “Fui e sou ligado à arte pelo encantamento acima de tudo. No início era um péssimo desenhista, mas insisti porque me dava, e dá, satisfação e alegria e ainda tive a graça de ter grandes mestres como professores. O que se faz hoje com o Photoshop eles faziam com uma lapiseira em uma prancha de forma majestosa”.

Em seu ateliê se serve água em copo de whisky, suco de uva na taça de vinho e tem sempre um chá para os convidados. Nos arredores, sapatos respingados por tinta se espalham nos vários cômodos em que Assis, que já foi considerado um outsider, se permite ser livre. “Sigo uma escola muito variada de expressões contemporâneas, embora tenha a formação clássica. É difícil classificar o meu trabalho. Ele é pautado primeiramente na linha, na luz e na escuridão. Começou com desenho, depois aquarela, e a linha especificamente. O desenho sempre me fascinou e tento desdobrar ele de vários modos”, comentou entre obras como o “Brasão das Armas do Inconsciente”, “Anjo Azul”, “Grotesco Veloz” e o “Anjo da Montanha” da Serra da Canastra, entre outros.


Foto: Adreana Oliveira

A inquietude está no DNA desse artista que afirma que a pintura é um prêmio que se dá a cada dia. “Andar numa casa dessas, com esse tamanho com esse tanto de pintura não é para qualquer pessoa. Não é qualquer um que tem uma oportunidade dessas. Sinto que estou vivendo um momento muito rico, encorpado, amadurecido que me traz uma grata satisfação de ser humano. Tanto na linguagem dos arvoredos quanto das linguagens abstratas impressionistas. Aqui me sinto brindado com alguma sorte de psicodelismo místico que enaltece a vida e o eterno”, relatou.

Ele explica que o encontro das linhas aparentemente caóticas favorece o surgimento de livres associações mentais e nessas imagens encontram-se personagens infinitos. “Dentro da simplicidade desse preto e branco a gente encontra uma infinitude de possibilidades de fruição da arte dentro das linhas puras. É isso que ofereço: o infinito. Chamo isso de humanidades investidas”.

Para Assis colocar valor monetário na arte é complicadíssimo, afinal, ali vai um pedaço do autor, algo que teoricamente não tem preço. “Por isso é imprescindível que não estejamos sozinhos, é indispensável que trabalhemos com pessoas que ajudem nessa dinâmica. Atualmente, em Uberlândia, os arquitetos e decoradores têm exercido papel de marchands. Eles estão despertando nesta cidade tão jovem um gosto pela arte particularmente nos últimos 10, 15 anos. É um pessoal muito vibrante que está mudando o cenário da cidade”, disse.

Tudo ao redor de Assis é uma instalação. “A vida é uma instalação”, disse ele que voltou recentemente da Holanda, onde morou há 20 anos, para aparar algumas arestas. Em sua trajetória, há muito que o artista prefira deixar para trás, mas não tem como olhar o presente sem entender o passado. “Essa viagem me fez retomar a gravura. Tive momentos inquietos, fragilizados. Às vezes ser artista é uma experiência traumática”.

Assis não consegue se definir em poucas palavras. Prefere privar-se dela, mas se vê como um menino lidando com o homem que está envelhecendo, se definhando. “Sou criança e adulto ao mesmo tempo e acho isso saudável. Esse espírito da infância que nos permite nos deslumbrar com o mundo nos faz muito bem”, afirmou.

Para quem quiser conferir seus trabalhos mais recentes, o artista, ao lado de Luiz Fernando Mercadante (SP), está com uma exposição no restaurante Bella Cecília (R. Tiradentes, 53, Fundinho) até o dia 10 de outubro, de terça a domingo, no horário de funcionamento do estabelecimento para almoço e jantar. “É um espaço muito bem frequentado, recebe cerca de três mil pessoas por mês e oferece uma boa visibilidade para o artista. Mercadante é uma pessoa dedicada apurada e que busca manifestar sua visão no papel. Nosso trabalho dialoga por causa da pureza das linhas e a proposta de oferecer coisas dentro delas que leve as pessoas a experiências estéticas dentro do mais simples o preto e o branco”. Acompanhe o artista: @assis_guimaraes_MB.


Foto: Adreana Oliveira
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