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29/08/2018 às 08h45min - Atualizada em 29/08/2018 às 08h45min

Ampliar lazer reduz insegurança e solidão nas cidades, diz pesquisadora

Para Cristina Ortega, é preciso desenvolver políticas para que os cidadãos tenham acesso a uma educação de lazer desde a infância

RAFAEL BALAGO | FOLHAPRESS
Cristina Ortega diz que é preciso eliminar barreiras, como preço e distância | Foto: Arquivo Pessoal/Facebook
O aumento do investimento em atividades de lazer pode fazer com que as pessoas fiquem menos sós nas cidades e tornar as ruas mais seguras. É o que defende Cristina Ortega, chefe acadêmica e operacional da Organização Mundial do Lazer (WLO, na sigla em inglês).

Ortega, 48, é doutora em Lazer e Desenvolvimento Humano pela Universidade de Deusto, na Espanha, e participa nesta semana do 15º Congresso Internacional de Lazer, realizado pela WLO e pelo Sesc, em São Paulo, de terça (28) a sábado (1/9). O evento debaterá como as práticas de ócio podem enfrentar desafios como o aumento do uso da tecnologia, o envelhecimento da população e o crescimento da imigração.

Ações já realizadas em São Paulo, como a abertura da avenida Paulista aos pedestres e a expansão de ciclovias e de serviços de empréstimos de bicicleta são elogiadas por Ortega, que conversou com a reportagem por telefone.
 
Como as cidades podem aumentar o uso dos espaços de lazer?

 Cristina Ortega - Independente do tamanho da cidade, é preciso eliminar barreiras, como a distância e o preço. A educação desempenha um papel fundamental. É preciso desenvolver políticas para que os cidadãos tenham acesso a uma educação de lazer desde a infância, de tal maneira que eles desfrutem da cultura, do esporte, do turismo e da recreação. Lamentavelmente, na maioria dos países, isso é muito escasso.
 
Como as prefeituras podem ajudar nisso?


 É fundamental que os espaços públicos recebam diferentes atividades culturais, recreativas e esportivas. Muitas cidades fecham suas ruas para carros e as abrem para pedestres. Isso ajuda as pessoas a ter acesso à recreação. As ciclovias e empréstimos de bicicletas levam muitas pessoas, tanto turistas quanto moradores, a verem a cidade de outra maneira.
Os parques lúdicos, tanto infantis quanto para a terceira idade, são interessantes por facilitar a convivência entre gerações. Cidades como Paris e Londres não tem praia, mas criam espaços com areia e piscinas no verão. São iniciativas de baixo custo e que não exigem demasiado esforço.
 
E como lidar com a sensação de insegurança nas ruas?

 Não sou uma especialista no tema, mas o lazer pode ajudar a eliminar a insegurança em si. Ao organizar atividades e de eventos nas ruas e praças, esses lugares ficam ocupados pelas pessoas. Quando esse espaço público está com gente, aumenta a sensação de segurança. Mas é um processo de médio a longo prazo.
 
Há atividades de lazer que trazem mais resultado do que outras? O que uma cidade pode fazer para que seus cidadãos sejam mais felizes?
 
Hoje, o mais importante são as relações sociais. Estar com amigos, com a família. Pequenas intervenções ajudam a fortalecer esses laços e a fazer as pessoas mais felizes.
Uma das melhores experiências de lazer que tive foi num cinema ao ar livre numa praça de Bolonha, na Itália. Eram projetados filmes antigos, em branco e preto, em uma área cercada por um patrimônio cultural incrível. Não tem a ver só com cultura e patrimônio, mas um cinema ao ar livre pode promover estas pequenas ações, como dividir um lanche, que ajudam as pessoas a estar juntas. O filme é o de menos.
 
Como as políticas de lazer têm mudado nas últimas décadas?
 

A partir do final do século passado, as cidades passaram a desenvolver dois tipos de políticas. Algumas investiram na criação de grandes estruturas, como Bilbao, que fez o museu Guggenheim, para projetar uma imagem no exterior e atrair turistas. Já outras criaram políticas voltadas a eventos, que são feitos nas ruas, como festivais de cinema, eventos esportivos etc.
Há também ações como o movimento do grafite, que se desenvolveu de forma espontânea. E o aumento da preocupação com a saúde fez com que as ruas se enchessem de pessoas fazendo esporte, como a corrida.
 
O lazer por meio dos meios digitais têm os mesmos efeitos?
 
90% do nosso lazer é realizado via smartphones e tablets. Essa foi uma mudança radical. Não me atrevo a dizer se é algo bom ou ruim. É como tudo: tem que ter um uso equilibrado, sem abusos, sem dependência.
Também mudou todo o conceito de conexão. Nosso ócio hoje é conectado. Saímos para correr usando uma pulseira e estamos ligados a uma comunidade que também corre. Estamos jogando um game sozinhos, mas em contato com outras pessoas ao redor do mundo que dividem um mesmo interesse. Isso era inimaginável antes.
 
O uso destes dispositivos têm aumentado o tempo de lazer?
 
Dados do governo da Espanha mostram que os jovens de hoje saem menos do que antes, na comparação com outras décadas. Eles também se drogam menos. Mas, por outro lado, é a primeira vez que se identificam tantas pessoas que nunca saem. Muita gente vive o lazer por meio da tecnologia e não precisa sair. Isso gera o risco de solidão.
 
Quais são as tendências atuais de lazer?
 
Há diferentes movimentos, e todas têm relação com mudanças sociais, como o envelhecimento e a imigração. O lazer pode ajudar os idosos a se sentirem menos sós e mais integrados com a comunidade. Para os imigrantes, tem um papel fundamental. É pelo lazer que eles se integram a uma nova sociedade.

As pessoas também estão tirando férias mais curtas. Essa pausa já não dura um mês inteiro. Porém, se viaja muito mais, pois há passagens mais baratas. E novos modelos de negócio colaborativo [como o Airbnb] também ajudam a fazer com que mais gente tenha acesso ao turismo.

Algumas tendências também surgem como contraposição. Como resposta à tecnologia, ao tempo acelerado, ganham força movimentos como o "slow food" e a volta ao artesanal.
 
Há atividades de lazer que perderam interesse?
 
Não creio que as atividades desapareçam, mas que se passa a fazê-las de outra maneira. Uma das tendências é que as pessoas leiam menos. Só que elas consomem menos livros, mas mais textos curtos. Os jogos de mesa perderam território, porém ganham relevância os games no celular. Antes íamos muito ver filmes no cinema e agora temos uma geração Netflix. As formas mudam, mas as atividades seguem parecidas.
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