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13/08/2018 às 10h22min - Atualizada em 13/08/2018 às 10h22min

Música caipira sobrevive aos modismos

Radialistas contemporâneos e antigos falam sobre a paixão pela música sertaneja e suas origens

EDER SOARES | REPÓRTER
Foto: Eder Soares
Os apaixonados pela música caipira se recordam de, no comecinho das madrugadas, na infância, ouvirem pelo rádio uma voz forte e aveludada, característica dos locutores da época, chamando compositores e intérpretes de clássicos da música sertaneja: Cascatinha & Inhana, Tião Carreiro & Pardinho, Tonico & Tinoco, Belmonte & Amaraí, entre outros.

Era natural passar férias na casa dos avós nas fazendas pelos estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo e sentir o contraste do som um pouco chiado do rádio AM, misturado ao som dos campos. Locutores famosos como Zé Bettio, célebre acordeonista e compositor, que por décadas comandou as manhãs em grandes rádios paulistas, fizeram escola no Brasil.

Neste contexto, Uberlândia não fica atrás em tradição do rádio. Aqui, os programas caipiras têm público fiel, mesmo com a transição musical que deixou um pouco de lado a simplicidade peculiar de outros tempos. Mesmo em tempos de “sertanejo universitário” nas paradas de sucesso e queda de audiência nas rádios AM, alguns profissionais preservam a cultura de manter no ar programas voltados para o público que gosta de ouvir sertanejo raiz.

O Diário de Uberlândia relembra nesta reportagem alguns nomes que fizeram história em nossas rádios. Um deles é Luisinho “O Nosso Caboclinho”, como ficou conhecido no rádio de Uberlândia, onde trabalhou principalmente pelas décadas de 1980 e 1990. Natural de Rifaina (SP), tem 73 anos, chegou menino em Uberlândia. Começou como aprendiz e chegou a repórter de campo. As rádios Difusora, Uberlândia, Bela Vista e Cultura, foram algumas das casas de Luisinho, que ganhou o apelido de “Caboclinho” devido a sua origem com os índios Tupinambás. Ele tinha uma vinheta famosa, gravada pela dupla Tião Carreiro & Paraíso. Foram mais de 30 anos tocando músicas caipiras nas manhãs uberlandenses. O último trabalho foi pela Rádio Liberdade FM, no ano passado. Antônio Carlos de Oliveira foi quem deu a ele a primeira oportunidade no final da década de 1970. Em uma fase na Rádio Cultura de Campinas (SP), foi colega de Fausto Silva, trabalhando como noticiarista.

Atualmente, o radialista trabalha no ramo de produtos para pets, se mostra com força e vontade para retornar ao rádio. “Sempre gostei de sertanejo e estou constantemente no meio. Onde tinha viola eu estava entranhado. Meu pai cantava, meu irmão tocava violão e cantava e eu sempre me arrisquei cantando e compondo. Ainda tenho essa vontade de voltar ao rádio tocar estas músicas maravilhosas de grandes duplas que marcaram nossa história”, disse Luisinho, que falou ainda sobre a preservação da tradição caipira no rádio. “O espírito da pessoa, pela manhã, ainda está sossegado, calmo e em harmonia. A aurora leva a lembranças bucólicas que combina com o sertanejo raiz”, disse.

PRECONCEITO

Conhecedor incondicional da história do rádio uberlandense, o jornalista Neivaldo Silva, o Magoo, lembra DE locutores que tocavam música sertaneja em uma época em que havia preconceito em relação a este gênero musical. “Quando eu era criança minha mãe ouvia rádio. Ela, inclusive, tem alguns pratos que ganhou, quando solteira, em sorteio na rádio. Esse jogo deve ter uns 60 anos. Estes programas, além de musicais, prestavam serviço”, recorda.
Magoo morava no bairro Santa Mônica e a energia estava chegando por lá. Quando tinha eletricidade a família assistia novela, quando não tinha escutava no rádio músicas como “Na Beira da Tuia”, com Tonico e Tinoco, na Rádio Bandeirantes (SP) ou o programa do Zé Bettio, voltados para o público rural”.

Sobre o rádio local, Magoo relembra nomes importantes como Odorico Felizardo Cintra, o famoso Zé do Bode, que tinha um refrão famoso nos entre as décadas de 1960 e 1970: “Viola é o pau que rola”, em programas nas rádios Cultura, Difusora, Uberlândia, Educadora e Visão. “O mais antigo era o Alfredo Paniago Rodrigues, o Alfredinho, apelidado pelo senhor Ary (proprietário de rádio) como o ‘deputado do sertão’, por conta da quantidade de cartas e pedidos de favores que recebia. Nessa época, como a Educadora tinha ondas tropicais, era comum ele mandar recados para o Amazonas, Mato Grosso e Goiás”, disse.

Ainda, segundo o jornalista, na década de 1980 vieram programas que marcaram época como o “Bom de Bola e de Viola”, matinal na Rádio Cultura, apresentado por Zé Beto, que mistura futebol amador com música sertaneja e prestação de serviço, além de Luisinho. “Hoje você tem a geração FM, como o Francisco Roberto que toca música antiga na Paranaíba FM. Mas os grandes nomes com os quais eu trabalhei foram o Zé Beto, Luizinho, Zé do Bode e Alfredinho”.

ATUALIDADE
Preservação da cultura por meio dos pioneiros e da juventude



Wander Tomaz une futebol e música caipira em programa


Wander Tomaz de Oliveira, tem 44 anos. Natural de Morrinhos (GO) veio criança para Uberlândia. Narrador e comandante da equipe esportiva da Rádio Vitoriosa, ele carrega a paixão pela música caipira. Há quatro anos estreou o “Café da Tarde”, das 16h às 18h, voltado aos clássicos sertanejos. “Morando em Fazenda eu comecei a ouvir rádio e o programa de Zé Bettio, na Rádio Record (SP). Era programa obrigatório de meus pais nas primeiras horas do dia. Meu pai e quatro tios, eram cantadores afamados em Goiás, com formação de variadas duplas e apresentações no Sudoeste Goiano. Talvez, a música raiz esteja em meu DNA, que foi aflorado quando comecei a trabalhar na Educadora”, disse Wander. “Tive o privilégio de ser companheiro de trabalho do Alfredinho, que apresentava, no fim de tarde, o seu programa “Alegria Sertaneja”. Depois, durante anos na Rádio Cultura, sempre observei locutores sertanejos de primeira grandeza, tais como Zé Beto e Luisinho”.

Segundo Wander, o “Café da Tarde” era para ser um programa provisório e caiu no gosto popular. “Era para eu apresentar alguns dias, até a emissora contratar um novo locutor. Aproveitei para colocar o meu estilo no programa. Locução rápida, música boa e notícia. Já são quatro anos à frente deste projeto. É uma situação interessante e diferente. Andando pelas ruas da cidade, o ouvinte me aborda mais sobre a beleza das canções que o programa apresenta do que sobre questões do Uberlândia Esporte”, disse Wander.

Ainda na Rádio Vitoriosa, os ouvintes podem escutar o programa “Noite Vitoriosa”, voltado para o estilo caipira, apresentado por Carlos Alberto Pereira. “É um programa para cima, com piadas, informação e muitos clássicos da música sertaneja”, disse Pereira.

FM
Há oito anos, Francisco Roberto Pereira, radialista apaixonado pela música sertaneja dava início a um desafio. Nascia na Rádio Paranaíba FM, o “Fazenda Paranaíba”, voltado para quem aprecia a música caipira e o sertanejo tradicional. “Toco o sertanejo original, que é a mãe da música atual. No começo da década de 1980, a gente ficava na torcida para que o conceito das pessoas pela música sertaneja mudasse até chegar ao ponto que está. Quando entrava uma música sertaneja em uma novela era uma vitória”, disse Francisco. “Eu não achava que daria certo por algum preconceito que ainda existe com a música mais antiga. Temos um público formado por vigilantes, caminhoneiros e pessoas das fazendas e mesmo assim, a audiência é gigantesca”, disse o radialista de Tupaciguara (MG), onde começou no rádio como operador.

Para Francisco, é importante preservar a cultura da música sertaneja no rádio. “Isso vai persistir por mais tempo. Enquanto for mantido essa turma que preserva a cultua, a música caipira continua. As músicas caipiras têm história, começo, meio e fim e isso prende as pessoas. Por isso, muitos jovens têm aderido. Em Uberlândia, observamos centenas deles aprendendo e ensinando a tocar viola e acordeom, instrumentos que são a base disso tudo”, finalizou.
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