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17/04/2018 às 17h30min - Atualizada em 17/04/2018 às 17h30min

Dona Ivone Lara deixa lacuna no samba

Radialista uberlandense recorda passagem da cantora e compositora por Uberlândia: "chamava a todos de filho"

ADREANA OLIVEIRA COM FOLHAPRESS | SÃO PAULO
Dona Ivone Lara, 97 anos, faleceu na noite de segunda-feira | Foto: Guto Costa/Divulgação

A sambista Dona Ivone Lara morreu aos 97 anos na noite de segunda-feira (16) no Rio de Janeiro. Ela estava internada há duas semanas em um hospital do Leblon com uma infecção renal. A artista tinha completado 97 anos no último dia 13. O corpo foi sepultado na tarde de ontem no cemitério Inhaúma, onde também aconteceu o velório.

O samba perde a sua Grande Dama, fica uma lacuna. “Eu a trouxe para fazer um show aqui em Uberlândia. Foi no início da década de 90 e ela ainda estava bem ativa”, recorda o jornalista e radialista uberlandense Vitor Hugo Oliveira, um entusiasta do samba.

“Dona Ivone Lara chamava todos nós de filho, daquele jeito mais carinhoso. Era uma mãezona mesmo. ‘Mô filho vem cá’, dizia”, conta Vitor Hugo.

São muitas as facetas de Dona Ivone Lara a serem lembradas por amigos e fãs. Mãe, esposa, assistente social, cantora, compositora, a carioca nascida em Botafogo, na zona sul do Rio, e criada em Madureira, na zona norte, transitou por diferentes universos ao longo de quase um século de vida.

Chegou ao mundo em 13 de abril de 1921 com o nome de Yvonne, cuja grafia seria alterada mais tarde, por causa da carreira artística. A música estava no sangue. A mãe, Emerentina da Silva, cantava em ranchos nos quais o pai, João Lara, tocava violão de sete cordas. Os dois se conheceram durante uma apresentação do tradicional Rancho Ameno Resedá. A infância humilde foi marcada por uma sucessão de tragédias. Perdeu o pai aos quatro anos. A mãe casou-se novamente, mas faleceu poucos anos depois. Na época, Ivone vivia no Colégio Municipal Orsina da Fonseca, então um internato. Entre suas professoras estavam Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Villa-Lobos, e Zaíra de Oliveira, vencedora do concurso da Escola de Música do Rio de Janeiro em 1921. Com elas, Ivone aprendeu a ler partituras e desenvolveu o gosto pela composição de melodias. A primeira música, “Tiê-tiê”, teria sido escrita quando Dona Ivone tinha 12 anos, em parceria com o primo, Mestre Fuleiro, que se tornaria um influente sambista da escola de samba Império Serrano. Na juventude, temendo apresentar suas criações e ser recriminada por ser mulher, Dona Ivone pedia que o primo mostrasse suas composições como se dele fossem.

Aos 26 anos, casou-se com Oscar Costa, filho de Alfredo Costa, fundador da escola de samba Prazer da Serrinha. Foi Oscar quem levou o amigo Silas de Oliveira para a agremiação. Em 1965, Dona Ivone entraria definitivamente para a história do samba. Com Silas de Oliveira e Bacalhau, compôs “Os cinco bailes da história do Rio” - era o primeiro samba-enredo oficial assinado por uma mulher.

O principal parceiro, no entanto, foi Délcio Carvalho. Ela escrevia a música, e Délcio, as letras. Compuseram dezenas de canções, entre elas “Sonho meu”, gravada por vários artistas. O mais recente parceiro foi Bruno Castro, com quem compôs “Nas escritas da vida”.

“Ela foi uma grande matriarca do samba e uma excelente cantora e compositora. Me deu uma entrevista ao vivo na FM Universitária, quando veio fazer seu show aqui, só não me recordo o ano. Fora essa, também me atendeu várias outras vezes por telefone, via interurbano. Sempre que solicitada falava com a gente”, disse o radialista uberlandense.

Vitor Hugo lembra também que ela era da resistência negra. “Era uma aficionada pelas velhas guardas. Me contou que chegou a desfilar de baiana pelo Império Serrano e foi a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores da escola”, disse.

A música só se tornou a principal profissão quando Dona Ivone se aposentou como assistente social. Também foi enfermeira.

“Agora ela deixa o samba um pouquinho órfão”, finalizou Vitor Hugo.
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