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12/11/2017 às 05h18min - Atualizada em 12/11/2017 às 05h18min

Decifrando o cérebro dos criminosos

Pesquisadores buscam descobrir os fatores por trás do comportamento violento; o cérebro aparece como peça chave

MARILICE DARONCO | FOLHAPRESS
Pessoas violentas tiveram características biológicas identificadas em estudos / Foto: Javier Pais via VisualHunt/CC BY

 

O que faz um pai matar toda a família? O que leva uma pessoa que parecia ser muito tranquila a atirar em outra por uma discussão no trânsito? O que se passa na cabeça de um homem que ejacula em alguém em um ônibus?

A diversidade de programas ficcionais, principalmente séries como "Dexter e "The Following", sobre o que se passa na mente dos criminosos, são uma prova de como esse assunto desperta interesse geral.

Na ciência não é diferente. Há muito tempo, pesquisadores buscam descobrir os fatores por trás do comportamento violento. E, cada vez mais, o cérebro tem aparecido como peça chave no caminho para uma resposta. Mas é possível decifrar a anatomia da violência?

Alguns especialistas afirmam que sim. O psiquiatra britânico Adrian Raine, da Universidade da Pensilvânia, já dedicou mais de 30 anos de sua vida a tentar entender o cérebro dos criminosos. Em seus estudos, ele analisa desde crianças para saber como o comportamento se desenvolve, até presos em cadeias de segurança máxima.

Raine, que esteve no Brasil em junho, participando do 14° World Congress on Brain, Behavior and Emotions, em Porto Alegre, sugere que a propensão à violência ocorre pela soma de alterações nas funções cerebrais causadas pela genética - a amígdala dos psicopatas seria até 18% menor do que o normal- e pelo ambiente - como mães que fumam durante a gravidez e má alimentação nos primeiros anos de vida.

Dizer que o cérebro é um dos responsáveis pela propensão à violência pode parecer simples hoje, mas durante anos despertou bastantes questionamentos.

Sobretudo porque, por mais que não houvesse ligação, as pesquisas da chamada neurocriminologia - que reúne em seus estudos áreas tão variadas quanto neurociência, genética e saúde pública- algumas vezes eram associadas à frenologia do século 19, usada para sustentar estereótipos raciais acerca do comportamento criminoso.

Mas Raine diz que aquilo que ele e outros pesquisadores buscam não é o que mostrava, no início dos anos 2000, o filme "Minority Report", no qual todos os crimes podiam ser previstos e os criminosos providencialmente contidos.

O pesquisador começou a fazer tomografias cerebrais em homicidas em prisões americanas ainda nos anos 80. Ele foi um dos primeiros pesquisadores a comparar exames cerebrais de assassinos condenados com o de pessoas que não tinham cometido crimes.

 

ANATOMIA DA VIOLÊNCIA

Essas pesquisas incipientes já mostravam que os cérebros dos homicidas tinham uma redução significativa no córtex pré-frontal em relação aos demais participantes do estudo.

À medida que as pesquisas avançaram, conta Raine, ele e outros neurocientistas começaram a chegar a resultados semelhantes sobre a relação dessa diferença com maior propensão a comportamentos violentos.

"Nessas pessoas, existe um menor controle sobre o sistema límbico, responsável por emoções como a raiva, e redução do autocontrole".

 

PROBABILIDADE

Fatores biológicos e ambientais se correlacionam

O neurologista Ricardo de Oliveira Souza, da Unidade de Neurologia Comportamental e Cognitiva da Rede D'Or Labs, resume um dos principais avanços no que diz respeito às pesquisas que ligam o cérebro à violência: não estudar os fatores biológicos isoladamente dos ambientais. "O que está em jogo quando se julgam responsabilidades individuais, tanto boas, quanto más, é o indivíduo, e não seu cérebro. Desconectado do corpo, o cérebro não significa nada", diz.

É por isso que o neuropsicólogo Vitor Geraldi Haase, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que é possível falar de uma anatomia da violência, porém com algumas ressalvas.

Há mais de 30 anos o pesquisador estuda correlações anátomo-funcionais entre o cérebro e o comportamento. Segundo ele, alterações em determinadas áreas ou circuitos cerebrais, seja sob a forma de aumento, seja de diminuição do nível de atividade, podem predispor o indivíduo a comportamentos agressivos. Mas o especialista alerta que a relação é probabilística. "Falar em uma relação de causa e efeito é forçar um pouco as coisas. É melhor pensar em termos de riscos ou predisposições", diz Haase.

"O comportamento é função do cérebro. Não existe variação no comportamento sem variação anátomo-funcional no cérebro", argumenta o pesquisador.

Mas ele chama a atenção para o fato de que as correlações entre cérebro e comportamento envolvem múltiplas instâncias e não ocorrem independentemente da vontade do indivíduo.

"Se um tarado ejacula em uma mulher num ônibus e o juiz o solta, a probabilidade de que ele faça isso de forma recorrente aumenta. Se as instituições prenderem o malfeitor, não haverá oportunidade de praticar crimes novamente."

 

MEDIDAS

Má nutrição dobra chance de filho violento

A busca dos cientistas não é apenas por descobrir "a origem do mal". Eles também procuram elucidar o que pode ser feito para evitar ou ao menos diminuir a violência.

Adrian Raine, da Universidade da Pensilvânia, por exemplo, defende que mães com má nutrição que bebem ou fumam durante a gestação têm o dobro de chances de gerar um filho violento. Ele também participou de uma pesquisa realizada na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, na qual a propensão à violência foi relacionada à baixa frequência cardíaca.

Para o pesquisador, os estudos têm demonstrado que é possível reduzir a criminalidade oferecendo atividades físicas e melhor alimentação (a ingestão de ômega 3 é destaca por ele como essencial). Segundo Raine, o estudo realizado em Pelotas mostrou que fazendo isso com crianças de três a cinco anos, a criminalidade quando elas chegaram aos 23 anos foi reduzida em 34%. "Claro que não estamos solucionando a criminalidade, mas é possível reduzi-la", diz Raine.

Para Vitor Haase, da UFMG, como as questões ambientais não podem ser analisadas isoladamente, é preciso considerar também que a sociedade brasileira tem sido excessivamente permissiva com os comportamentos antissociais, como crimes sexuais, furto, roubo, latrocínio ou até os chamados crimes do colarinho branco.

Suas considerações vão ao encontro do que afirmou o professor da University of Southern California, Antoine Bechara, no 14° World Congress on Brain. Segundo Bechara, a mente do corrupto é como a de um psicopata, capaz de mentir, seduzir e manipular para conseguir o que quer.

Ele explica que o comprometimento funcional do córtex pré-frontal ventromedial, causado por desordens genéticas ou trauma e estresse no início da vida, desregulam sistemas neuronais que alertam para as consequências das más escolhas. "A identificação precoce desses traços pode ajudá-los a lidar com o risco de comportamento antissocial", afirma Bechara.

Para o neurologista Marino Muxfeld Bianchin, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, "o cuidado das crianças desde a concepção até os primeiros seis anos de vida é o melhor investimento que se pode fazer em termos de saúde mental e geral para uma população. Não só isso, claro, mas esse período é crucial. Os governos deveriam investir nisso".


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