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05/11/2017 às 05h19min - Atualizada em 05/11/2017 às 05h19min

Esportista dá exemplo de superação

Com uma vida no esporte, Gustavo Carneiro se reinventa após diagnóstico de câncer e amputação de parte da perna

ÉDER SOARES | REPÓRTER
Gustavo já tem planos no esporte paralímpico / Foto: Éder Soares

 

O administrador de empresas uberlandense Gustavo Carneiro Silva, de 44 anos, vem emocionando pessoas por todo o Brasil pela sua coragem e força de vontade em superar o seu maior obstáculo até então. Praticante assíduo de esportes desde a infância, Gustavo encontrou neste hábito a força mental para superar o câncer recém-diagnosticado.

Em uma ação entre amigos, no dia 22 de outubro, ele mesmo organizou a sua última corrida antes da cirurgia, realizada no dia 23, na qual teve parte da perna esquerda amputada. Mais de 200 pessoas acompanharam o esportista em um trajeto nas imediações do Praia Clube.

O que mais chama atenção neste viciado em esportes, conforme ele mesmo se intitula, é a força de vontade de superar o problema e a naturalidade para já traçar, de forma antecipada, um novo rumo na vida esportiva, que deverá mesmo acontecer no esporte paralímpico.

O Diário do Comércio esteve na casa de Gustavo Carneiro, que concedeu uma entrevista aberta e descontraída. Ele contou detalhadamente todo a sua vida no esporte, títulos conquistados no tênis e outras modalidades, até chegar no momento mais difícil, o do diagnóstico da doença, que embora grave não o abateu.

Pai de duas filhas, uma de sete anos e outra de 23, segundo ele mesmo diz, está somente começando um novo ciclo na sua longa trajetória.

 

Diário: Desde quando o esporte faz parte da sua vida?

Gustavo: Desde que me entendo por gente, o esporte sempre esteve ligado à minha vida, e não é pouco. Tem gente que fala que gosta de esporte. Eu sou viciado em esporte. Tem gente que às vezes chama: ‘vamos à noite para uma balada?’ Eu não. ‘Vamos sair pra fazer alguma coisa esportiva às 3 da manhã?’ Opa, vamos sim. Acho que é da minha personalidade mesmo.

 

Qual o seu esporte preferido?

Eu comecei como toda a criança. Fiz natação e jogava bola como todo o menino. Quando eu tinha nove anos, meu pai viu um torneio de tênis no Praia Clube e falou: ‘vamos jogar tênis’. No princípio eu não queria, mas ele me obrigou. Depois de um tempo eu continuei somente com o tênis e larguei a natação. O tênis sempre foi meu esporte. Treinei no Praia e também no UTC. Naquela época, década de 80, era bem mais difícil do que hoje, pois hoje se tem maiores facilidade para viajar.

 

Você chegou a conquistar títulos?

Eu fui campeão mineiro de tênis algumas vezes, de torneios regionais, sempre estive entre os primeiros. Em 1986, fui fazer uma clínica de uma semana com o com o Carlos Alberto Kirmayr, uma das maiores referências do tênis brasileiro de todos os tempos. Fiquei no primeiro nível na classificação dele e fui convidado para ficar com ele. Só que, naquela época, era muito difícil, não tinha telefone, era muito longe. Acabou que eu não fui e não segui carreira no tênis, sendo esta uma das minhas frustrações.

 

Que outros esportes você praticou depois?

Depois passei a jogar peteca. Tinha 16 anos e eu era bem precoce, pois jogava no meio dos adultos. Fui campeão mineiro, vice-campeão brasileiro e conquistei vários títulos regionais em Brasília e Goiânia. Paralelamente, eu sempre corria, sempre gostei de corridas. Depois passei a praticar mountain bike, em 2001. Com trinta anos e pouco descobri o squash, no qual fui campeão brasileiro, em Belo Horizonte, no ano de 2009. Joguei ainda futevôlei.

 

E as corridas de rua e maratonas, o que mais te chama atenção neste tipo de esporte?

Na corrida é a hora que eu tenho meus melhores pensamentos. Parece que ativa o cérebro. Eu viajo realmente e até encaro como uma verdadeira terapia. Me faz muito bem e por isso quero continuar correndo como sempre fiz.

 

Quando descobriu o câncer pela primeira vez?

Foi em 2013, quando descobri um liposarcoma abaixo da panturrilha da perna esquerda. Aí, na época, um médico de Uberlândia disse que eu precisaria amputar a perna. Eu fui para São Paulo e pesquisei outros médicos, que disseram que o tratamento estava todo errado. Eu passei por cirurgia para retirar um pouco de musculo da minha perna. Fiz cinco meses de fisioterapia, mais um mês de radioterapia, fiquei careca, todo aquele esquema que já se conhece. Terminei o tratamento em dezembro de 2013.

 

Demorou para retornar a praticar esporte?

Em 2014, fui voltando a vida normal. Em fevereiro já teve um torneio de tênis. Eu entrei no torneio e ganhei ele mancando. Voltei a nadar, na equipe de natação máster do Praia, mas não estava mais correndo por um problema de cartilagem nos joelhos. Voltei a correr no final de 2014, fui me reabilitando ao poucos e fui evoluindo. Em 2016, participei da Maratona do Rio de Janeiro, o que eu sempre tive vontade fazer. Depois vida normal, sempre fazendo acompanhamentos médico.

 

Como você ficou sabendo que a doença tinha retornado?

Este ano voltei a correr também e fazer musculação. No meio do ano passei a sentir dores na perna esquerda, a mesma. Enrolei um pouco a fazer o exame, pois estava viajando muito a trabalho. Peguei o exame no dia 2 de outubro e constou uma recidiva. O médico olhou e de cara me disse: ‘Gustavo, dessa vez não vai ter jeito, o tumor está em um lugar que não tem como eu retirar preservando as veias e artérias’.

 

Você ainda tentou um novo diagnóstico?

Saí deste médico e fui em mais dois, que deram o mesmo diagnóstico. Descobri no dia 2 de outubro, quando foi no dia 23 já fiz a cirurgia. Foram 21 dias para acontecer tudo. Como não tinha metástase, o quanto antes fizesse o procedimento seria melhor.

 

A vontade de superar o problema veio de imediato?

Foi muito estranho. Quando eu estava na sala do médico, antes de entrar ao consultório e receber o diagnóstico, eu estava tremendo. Quando eu entrei parei de tremer. Quando ele me disse ‘você tem que amputar a perna’, eu senti uma tranquilidade e uma vontade gigantesca de superar tudo. Acho também que é coisa de Deus. Desde então, eu não chorei hora nenhuma, não reclamei hora nenhuma e mantive uma calma que não é normal.

 

Você entende que esta sua relação intensa com o esporte foi fundamental para toda a sua força de superação?

Com certeza foi. Eu já pensei muito nisso. Eu sempre fiz muito esporte individual e acho que isso te dá uma força mental maior. Eu sempre gostei de desafios, de coisas difíceis, e com certeza essa força de vontade para superar a doença veio do esporte e de Deus também.

 

Você fez uma corrida dia 22 de outubro, com o seus amigos, a última antes da amputação da perna. Como foi?

Era para ser uma coisa pequena. Era para ser umas dez pessoas, mas a coisa foi se espalhando e muita gente quando eu ligava para convidar já estava sabendo. Viralizou. Fizeram um banner com a minha foto convidando para as pessoas para a corrida e me mandaram também, pedindo autorização para divulgar. Foi neste dia, a primeira vez que eu chorei, quando eu vi esta ação das pessoas. Liberei e virou uma coisa grande, com mais de 200 pessoas.

 

Em relação ao esporte, quais são os seus planos de agora em diante com este “vício”?

A primeira coisa que eu pensei, a partir do momento em que fiquei sabendo da notícia da doença, foi de ir para o esporte paralímpico de competição. Já entrei em contato com o técnico Rafael Moreira, da Seleção Brasileira de tênis paralímpico. Falei com ele que queria tentar. Não sei se vou conseguir, mas tenho esperança, pois sempre joguei bem tênis. Além de ser o esporte que eu mais gosto de fazer é aquele que tenho mais chances no paralímpico, porque no atletismo e natação tem muita gente. A partir do momento em que eu estiver bom, em torno de uns 40 dias, quero começar a treinar com o Rafael na cadeira de rodas. Este é o objetivo maior, e também voltar a correr, fazer uma maratona com prótese.


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