Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
21/10/2017 às 05h21min - Atualizada em 21/10/2017 às 05h21min

Cai impacto dos trabalhos brasileiros

Brasil passou de 20º para 13º na quantidade de estudos publicados, mas ficou para trás na relevância

FERNANDO TADEU MORAES E GABRIEL ALVES | FOLHAPRESS
Pesquisa brasileira perde para os vizinhos Argentina, Chile e Colômbia quando se usa o critério de citações por trabalho / Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Nas últimas duas décadas, a produção científica brasileira cresceu de forma expressiva. Em 1998, nossos cientistas publicaram 11.839 artigos, número que colocava o país em 20º lugar no ranking dos que mais publicam. Quase 20 anos depois, com uma produção anual sete vezes maior, saltamos para 13º.

A relevância dos artigos nacionais, entretanto, não acompanhou essa marcha triunfal. Quando se usa como critério o número de vezes que cada estudo foi citado por outros cientistas, ou seja, seu impacto, o país perdeu terreno ao longo desse período e fica atrás de vizinhos como Argentina, Chile e Colômbia.

O levantamento, feito pelo biólogo da UnB (Universidade de Brasília) Marcelo Hermes-Lima a partir da base de dados aberta Scimago, mostra que o salto da produção brasileira veio acompanhado de uma diminuição de seu impacto internacional – ou de sua qualidade, na interpretação de Lima.

"A melhor forma de analisar a qualidade de um conjunto grande de artigos é por meio das suas citações", diz.

A classificação anual da base de dados utilizada por Lima computa as citações que cada artigo publicado em determinado ano recebeu – independentemente de quando a menção tenha sido feita. Em outras palavras, um trabalho publicado em 2007 terá tido mais tempo para ser citado do que um publicado em 2012.

Devido a isso, os números das citações por artigo de cada país vão diminuindo à medida que se avança em direção ao presente. A melhor forma de avaliar o impacto da produção de um país ao longo dos anos, segundo Lima, é descobrir quão perto ou longe ele está do 1º lugar em termos de citações por artigo.

Nessa comparação, nossa pesquisa ainda patina. Em um exemplo, os trabalhos brasileiros publicados em 2006 foram citados, em média, 15,42 vezes. Já os da Suíça, o 1º lugar, tiveram, em média, 34,07 menções, ou 2,2 vezes o número nacional.

 

INTERPRETAÇÃO

Para Lima, a explicação para o aumento de publicações com redução do impacto, que se acentuou a partir de 2005, é a política exercida pela Capes, principal agência de fomento à ciência do país, durante as gestões petistas.

"Havia muito dinheiro e muita pressão para publicar. Expandiu-se enormemente a quantidade de cursos de pós-graduação e se exigiu dos estudantes que publicassem artigos para poderem defender seus doutorados. Vendia-se a ideia de que iríamos nos tornar uma potência científica", diz o pesquisador da UnB.

A cobrança e a pressa por resultados, segundo Lima, inviabilizaram a produção de trabalhos trazendo descobertas relevantes. "Viramos uma farra de publicação", afirma. Outra consequência dessa política, de acordo com ele, foi o fenômeno conhecido como "ciência salame", em que trabalhos maiores são "fatiados" em artigos de menor impacto.

Rogério Meneghini, professor aposentado da USP e coordenador da base Scielo, reconhece que a pressão do governo federal teve um papel no rápido crescimento da produção brasileira, mas considera também outros fatores para explicar o fenômeno.

Segundo ele, um ponto importante foi o aumento, ocorrido em 2005 e em 2006, do número de periódicos brasileiros nas bases de dados internacionais.

Desconhecidos, esses periódicos precisariam de um tempo para que os artigos veiculados neles começassem a ser citados com mais frequência.

De acordo com Meneghini, era natural que uma consequência disso fosse uma queda no número de citações por artigo no total da produção brasileira.

Segundo o coordenador da base Scielo, embora a citação por artigo seja um critério importante para avaliar a qualidade das publicações, ele não é o único. Daí não ser possível afirmar, apenas por ele, que a qualidade dos artigos tenha caído.

 

OPINIÃO

Problemas da ciência nacional vão além da baixa repercussão

São vários os problemas que atravancam o desenvolvimento científico no Brasil: falta de recursos e corte no investimento público, dificuldade para manter cientistas brilhantes no país, barreiras alfandegárias à importação de reagentes, entre outros.

A aparente falta de impacto dos artigos científicos não é uma constatação inédita. Já foi notado que nossos cientistas publicam mal em revistas científicas "top". A nova análise, feita a partir de dados públicos, porém, renova o sentimento de urgência de reformas significativas no jeito brasileiro de se fazer ciência.

O país buscou aprender com os melhores, mas as tentativas de internacionalizar a ciência brasileira ainda não foram bem-sucedidas.

Instituições brasileiras não conseguem fazer frente a centros internacionais na disputa pelos melhores pesquisadores, universidades públicas têm processos engessados e programas como o Ciência sem Fronteiras geraram parcos resultados, na análise de vários cientistas.

Outra crítica – que parece universal entre aqueles que fazem ciência no Brasil– é o modelo de avaliação da produtividade e da competição por recursos.

Grande parte da pesquisa brasileira se dá no setor público e, para disputar recursos federais como bolsas de estudos e outros incentivos, os pesquisadores têm de cumprir certas metas de produtividade científica.

Uma das questões frequentemente levantadas é que, no fim das contas, compensa mais empreender os esforços na publicação de numerosos artigos medíocres do que em um trabalho mais completo, porém mais custoso em tempo e com risco não negligenciável de acabar publicado em uma revista "não top", se muito.

Tendo em vista essa ânsia por publicação – uma das poucas formas de saber se, de fato, um cientista é produtivo–, o mercado editorial se mexeu e houve uma proliferação de periódicos científicos. Boa parte deles é considerada predatória, por funcionar no esquema "pagou, publicou", deixando de lado a obrigação moral de avaliar criticamente o conteúdo dos trabalhos que veiculam.


Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90