É impossível não se envolver. Não se sabe se é pelo batuque dos tambores, ou pelo apelo das cores, ou pelo soar das cantigas. Por onde passa a procissão da Festa da Congada em Uberlândia, que chega à edição número 141 hoje, ela arrasta uma pequena multidão formada por pessoas de diferentes cores, credos e classes sociais. É sim, um movimento da resistência negra na cidade e na região, mas ganha mais o carinho de toda a cidade e de pessoas que admiram e apoiam a causa a cada ano.
Segundo expectativas da Prefeitura Municipal de Uberlândia, parceira no evento, cerca de 20 mil pessoas são esperadas hoje nas imediações da Igreja do Rosário, onde acontece o encontro dos 24 ternos da cidade no que coroa um ano inteiro de trabalho movido a muito amor, dedicação e suor.
Denilson Nascimento, diretor administrativo da Irmandade do Rosário e São Benedito, tem praticamente 44 anos de sua vida dentro dessa cultura. Seus pais, avós e bisavós foram os responsáveis pelo início da tradição em Uberlândia há mais de 100 anos. “Para mim é um grande desafio trabalhar esse legado deixado para nós por nossos antepassados. Eles lutaram muito para que pudéssemos nos expressar, por esse movimento e hoje estamos à frente dele para que perpetue por gerações”, afirma o diretor.
Denilson afirma que uma das prioridades da Irmandade é que esta festa siga enraizada na Igreja do Rosário, considerada um foco da resistência da cultura negra da cidade. “Nem sempre aquela área foi nobre como agora. Era a periferia da cidade para onde empurravam os negros que não eram bem vindos na região central no final do século 19 e é ali a casa da comunidade congadeira de Uberlândia”, conta.
A igreja, o mais antigo prédio religioso do espaço urbano da cidade, é tombada como Patrimônio Histórico Municipal pela Lei nº 4.263 de 09/12/1985. Segundo registros, sua construção teve início em 1893 e o local foi sugerido em 1891 por Arlindo Teixeira, membro da Comissão Procuradora da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. A inauguração deu-se em maio de 1931.
Jeremias Brasileiro, comandante Geral da Congada em Uberlândia nos traz uma novidade. A Praça do Rosário vai ser reconhecida como Lugares de Memória - uma das categorias do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para registro de lugares com relevância cultural. “Ali é um espaço de ancestralidade, de permanência e resistência negra desde a escravidão, essa reparação história vai ser importante para a continuidade da tradição e das futuras gerações”, explica.
Assim como a igreja, a festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, ou simplesmente a Congada (ou Congado), é registrada como Patrimônio Imaterial Municipal pelo Decreto nº 11.321 de 29/08/2008 e os atuais festeiros preparam seus sucessores. Segundo Denilson Nascimento, nos anos 80 cerca de 70% dos grupos eram formados por idosos e 30% por jovens e atualmente essa realidade é inversa. “Temos 70% de jovens e 30% dos idosos. Trabalhamos com a criança desde cedo esse sentimento de pertencimento a essa cultura. Há meninos e meninas que desfilam pela primeira vez no colo dos pais e essa cultura é mantida viva dentro delas”, explica Denilson.
O diretor administrativo da Irmandade do Rosário afirma que outros que ajudam muito na difusão da Congada são os artistas e a academia. “Os artistas sempre nos ajudam com seus trabalhos sejam eles fotográficos, audiovisual ou por meio de outras artes. E também fico muito feliz quando estudantes das universidades saem do campus para conhecer nossa cultura”, disse Denilson.
Entre esses acadêmicos está Jeremias Brasileiro que afirma que a cultura do Congado acompanha o surgimento e a evolução de Uberlândia. Apesar da origem africana, a manifestação atrai, atualmente, admiradores de várias religiões e culturas. "Congada é uma reunião de todas as cores, manifestações e credos. Dentro dos próprios grupos, existem praticantes de outras religiões", disse Brasileiro que reforça que a grande festa deste domingo é um trabalho que dura o ano todo. “É uma prática cultural cotidiana, que atravessa o ano todo. Esta festa é uma celebração do que vivemos diariamente", explicou. Denilson concorda com ele. “Ao final das celebrações na segunda-feira já estaremos trabalhando na de 2018 com a dedicação de sempre”, promete.
Em agosto deste ano, por exemplo, a fotógrafa Cíntia Guimarães fez uma exposição com seus registros do Congado em Uberlândia. Em julho, dentro do projeto Multidão em Um, a produtora Nóis lançou o mini documentário “Tambores do Rosário” com direção e edição de Yuji Kodato, disponível gratuitamente e na íntegra no YouTube.
PROGRAMAÇÃO
FESTA DA CONGADA DE UBERLÂNDIA - 2017
HOJE (8)
7h - Encontro dos grupos na casa do Presidente – Rua Prata, 690
7h30 - Desfile dos grupos pela Av. Floriano Peixoto, até a Igreja do Rosário
16h - Reunir festeiros: Congo Camisa Verde, M. Belém, Congo Verde e Branco, Congo Rosário Santo, Congo Amarelo Ouro, Marinheiro de São Benedito, Catupé Azul e Rosa; Moçambique Estrela Guia, Moçambique Guardiões de São Benedito, Congo São Domingos, Congo Santa Ifigênia, Congo Prata; Moçambique Princesa Isabel, Moçambique Pena Branca, Catupé (B. Dona Zulmira), Congo Sainha; Marujo Azul de Maio, Moçambique Raízes, Catupé ( Martins), Moçambique do Oriente, Catupé (B. Mansour), Marinheiro de Nossa Senhora do Rosário e Moçambique Angola
18h - Procissão com as Imagens de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, com a presença de todos os grupos. Logo a seguir missa e coroação dos novos festeiros.
SEGUNDA-FEIRA (9)
8h às 17h visita aos festeiros nos bairros Aparecida, Roosevelt e Patrimônio
17h30 Despedida na casa do Presidente
18h30 Despedida na porta da Igreja