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01/10/2017 às 05h49min - Atualizada em 01/10/2017 às 05h49min

Os desafios da leitura no século 21

Participação de alunos e professores no Encontro Literário do Cerrado mostra que leitura precisa de incentivo

ADREANA OLIVEIRA* | EDITORA
Alunos da E.E. Enéas de Oliveira Guimarães participam da atividade de contação do livro "Minha vida é um arco-iris de cores" com Lionízia Goyá / Foto: Adreana Oliveira

 

Ana Clara Carvalho está atenta. Com o tablet na mão registra tudo que acontece durante a visita dos alunos da Escola Estadual Enéas Oliveira Guimarães ao Encontro Literário do Cerrado (Elicer) que terminou ontem na UniAlgar depois de cinco dias de atividades. O apego com a tecnologia é algo inerente à geração de Ana Clara, de 10 anos, porém, não quer dizer que a leitura tradicional perde o seu espaço entre ela e seus 21 colegas que compartilharam essa experiência na última quinta-feira.

Os alunos do 4º e 5º anos que a Enéas Guimarães levou ao Elicer é de uma turminha que fica período integral na escola dentro do projeto Tempo Integral. De manhã eles participam de atividades relacionadas ao projeto e à tarde têm as aulas do ensino regular. Segundo a coordenadora pedagógica Kênia Elisa Pereira Corrêa o Tempo Integral vem de encontro a uma demanda da sociedade e do mercado. “Estamos em um período de grandes desafios, de repensar e ressignificar o papel da escola, trabalhar currículo de forma diferente, lúdica, integrando as disciplinas”, disse.

Cleber Couto, coordenador do projeto que iniciado na escola há 3 anos conta que há uma longa lista de espera para participação no projeto. “A família do século 21 conta com pai e mãe que trabalham fora de casa para sustentar os filhos e quando eles podem ficar o dia todo na escola ajuda muito”. Ele explica que as crianças trabalham com a linguagem audiovisual na qual podem integrar o aprendizado de todas as disciplinas. “Temos o blog alimentado por eles (eeneiasguimaraes.wordpress.com) e hoje eles vão registrar essa visita para produção de um vídeo”, conta.

“Eu comecei a ter mais contato com o tablet e celular na escola para ajudar no projeto e estou adorando”, disse Ana Clara que estuda neste semestre a preservação do bem cultural e a história da cidade. Para Kênia Elisa essa primeira visita deles ao Elicer é uma forma de incentivar o hábito à leitura e os alunos ficaram encantados com o que viram. “É uma oportunidade única. Esses meninos são de uma geração conectada mas devem saber que existe vida além da internet”, comenta.

Para a escritora e artista plástica Lionízia Goyá, centro das atenções dos jovens produtores audiovisuais, o interesse dos alunos pelas oficinas no Elicer surpreende. “Apesar da correria eles gostam muito, em uma próxima edição quero ter a possibilidade de fazer algo em que eles produzam mais junto comigo. Costumo dizer que pinto com as letras e escrevo com os pincéis porque não consigo desvencilhar essas duas artes”, comenta. Lionízia acredita que espaços como estes e contato com as artes podem modificar a vida do ser humano. A feira passa, mas o que eles levam dali poderá ser utilizado por muito tempo. “Tudo é evolução e a forma como nos comunicamos com essas crianças e jovens pode despertar neles o interesse pela arte e uma puxa a outra, sem concorrer com a tecnologia mas como complemento”, finaliza.

 

FERRAMENTAS

Internet ainda sai na frente

Durante o Encontro Literário do Cerrado (Elicer) a UniAlgar ficou pulsante. Crianças e jovens se dividiam por todos os espaços, alguns nem esperavam voltar para casa para abrir e apreciar os livros adquiridos. Alguns alunos da Escola Municipal Irene Monteiro Jorge, do bairro Morumbi, nunca tinham visto tanto livro em um só lugar. Os olhinhos chegavam a brilhar. A escola levou aproximadamente 320 alunos ao encontro. No projeto Zóic elas conheceram um alienígena que vem parar na Terra ao conhecer o menino Jonas e seu Vô Ventura numa história voltada para a sustentabilidade do planeta. Com direito a cineminha, trailer de games e dos três livros da série de Fernanda de Oliveira e Giordano Pagotti, os meninos e meninas ficaram encantados com a história.

Porém, questionados pela reportagem, todos afirmaram que ficam mais tempo na internet do que com os livros. “Vou baixar o app do game”, disse João Guilherme Ribeiro Lima, de 8 anos. Gabriel Henrique Gomes Oliveira, de 10 anos, e Mikael Gomes da Silva, de 8 anos, ficaram fãs do Vô Ventura e disse que vai ler mais daqui pra frente. A professora Adriane Bernardes só lamentou o fato de não ter vales-livros para os alunos. “Eles são de uma comunidade carente e ao verem toda essa riqueza com livros a R$ 3 e não poder levar corta o coração”, disse. Eshiley Rayami Felipe da Silva, de 9 anos, afirma que nunca tinha visto tanto livro, assim como Christian Eduardo dos Santos, também de 9 anos. A professora do 4º ano, Keyla Xavier Pires, disse que foi a primeira excursão de seus alunos e apesar da preocupação em manter todos juntos valeu a pena. A aluna Maria Elisa Santos Oliveira gostaria de participar de mais eventos desse tipo.

E os números não mente. Segundo a pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2016, o uso do telefone celular se consolida como o principal meio para acessar a internet no Brasil. Em 2015 o percentual de pessoas que acessaram a internet alcançou 57,5% da população de 10 anos ou mais de idade, o que corresponde a 102,1 milhões de pessoas. Enquanto isso, segundo pesquisa realizada pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro para a publicação Retratos da Leitura no Brasil (2016) o índice de leitura indica que o brasileiro lê 4,96 livros por ano. A leitura ficou em 10º lugar quando o assunto é o que gosta de fazer no tempo livre. Chamam a atenção outros dois dados: 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro.

A implementação de novas tecnologias, que embora presente no cotidiano de boa parte da população, ainda é um desafio para ambientes educacionais. Segundo o autor, produtor e coordenador de projetos de tecnologias educacionais e redes sociais Carlos Seabra, participante do Elicer, as condições técnicas para aliar as tecnologias à educação existem, o que falta no Brasil é inclusão cultural. “As condições técnicas para existir a inclusão digital existem, falta inclusão cultural e a eficácia disso depende de investimento do setor privado”, explica Seabra.

De acordo com Seabra, um dos maiores problemas é que as escolas não estão cumprindo sua principal função que é a de ensinar a ter prazer em aprender. O prazer é que incentiva o aluno a buscar aprendizagem. “Nós temos prazer em comprar, prazer gastronômico, mas nos falta o prazer intelectual não é tão espontâneo e é nisso que as escolas devem trabalhar”, propõe Seabra.

Embora, não tenha conquistado muitos adeptos ainda a literatura através de aparelhos digitais permite uma proximidade do leitor com o autor. Sendo ao alcance do autor conhecer o perfil de cada leitor e quais plataformas eles utilizam para ler, além disso, possibilita ao leitor dar opiniões sobre a obra. Em ambientes escolares, os jogos podem ser utilizados por professores como forma de pontuar os alunos, que têm em suas mãos aparelhos mobile que permite a adequação de várias mídias.

O autor, diz que não há uma formula que deve ser aplicada, cada caso deve ser analisado em particular, o melhor é ver que deu certo ou não. Mas existe o conceito básico de sempre escutar os alunos.

Deile Rosa de Almeida saiu do Elicer com seis novos livros e queria mais. A professora da Escola Estadual Marechal Castelo Branco está entre aqueles profissionais que tendem a despertar o interesse de seus alunos. “É uma necessidade nossa formarmos leitores melhores e mais conscientes. “E o que está no papel ninguém apaga, isso nunca vai morrer. A experiência é diferente e única”.

(*) Colaboração: Ana Luiza Pereira Costa


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