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31/05/2017 às 05h59min - Atualizada em 31/05/2017 às 05h59min

Inflação de clichês em filme sobre o Plano Real

“Real – O plano por trás da história” está em cartaz nas salas de cinema brasileiras

AGÊNCIA ESTADO | SÃO PAULO
Parte do elenco do filme de Bittencourt que tem dificuldade em ressaltar o mundo político da época / Foto: Divulgação

 

Diante da atualidade política brasileira, dificilmente uma ficção seria mais caricata que a própria realidade. Mesmo assim é o que se pode dizer desse “Real - O plano por trás da história”, de Rodrigo Bittencourt, baseado no livro “3000 Dias no Bunker: um plano na cabeça e um país na mão”, de Guilherme Fiúza. O filme tenta recriar, de forma ficcional, bastidores da criação do Plano Real, que conseguiu debelar a hiperinflação no Brasil ao ser lançado em 1994. Com o sucesso do Plano, Fernando Henrique Cardoso foi eleito em outubro do mesmo ano para o primeiro dos seus dois mandatos presidenciais. O tema é estimulante; o resultado, pífio.

Nesse ponto, é preciso uma consideração prévia. “Real - O plano por trás da história” apresenta-se como "ficção baseada em fatos reais", álibi frequente de cineastas. Se alguém disser que as coisas não correram exatamente como são retratadas, sempre se pode retrucar que é ficção e não documentário. Mesmo assim, é de interesse que uma ficção, relacionada a fatos históricos, mantenha certo compromisso com a verdade.

Pode-se também argumentar que a "verdade" ninguém conhece e que apenas se pode especular e ser verossímil. Certo. Ainda assim seria recomendável certa atenção à veracidade e à complexidade de certas situações. No caso, àquela trama político/econômica que o filme se propõe tratar, decupando fatos a seu bel prazer.

Após a queda de Collor, Itamar Franco, o vice, empossado agora como presidente, precisa de um projeto urgente para debelar a inflação. Sob comando do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, um grupo de cabeças coroadas da Economia - Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco, entre outros - é reunido para bolar o tal plano.

Um deles é posto em destaque: o economista Gustavo Franco (Emilio Orciollo Netto), a transitar entre a vida pessoal e sua atuação pública. É descrito como egocêntrico, fiel ao ideário liberal-conservador, sem amigos, pouco identificado com o país. Com doutorado em Harvard, Franco encaixa-se no perfil do golden boy arrogante e autossuficiente. Satisfaz-se com equações e convicções. Não sei o que Franco pensou ao se ver interpretado desse jeito.

O cinema brasileiro tem dificuldade em retratar o mundo político em sua crônica de bastidores e luta pelo poder. Com exceção de obras-primas como “Terra em Transe” (1967), esse retrato se faz de maneira incompleta. No caso, essa dificuldade adensa-se. “Real - O plano por trás da história” não roça sequer no que seu título promete. Há pouca ou nenhuma história em seu conteúdo. Quem a faz, e a sofre, não aparece, nem na contraluz. As contradições internas do processo são deslocadas do campo social para o individual. Mas claro, o surgimento de um filme como este, a esta altura do campeonato, nada tem de casual e nem procura esconder o parti-pris. As cenas e os letreiros finais lhe dão a justa dimensão de peça de propaganda.

 

OUTRAS ATUAÇÕES

No filme de Rodrigo Bittencourt os personagens não rendem, mesmo quando vividas por bons atores e atrizes. Cássia Kis é uma jornalista que entrevista o economista de forma renhida e fornece pretexto para que ele rememore a formulação e administração do Plano Real. É intensa, mas artificial. FHC (Norival Rizzo) e, sobretudo, Itamar Franco (Bemvindo Siqueira), parecem caricaturas ambulantes. Paolla Oliveira, como namorada de Franco, é desperdiçada em atuação chapada. Mariana Lima leva com discrição um papel menor, mas importante, o de secretária do gênio da raça Pérsio Arida (Guilherme Weber) e Pedro Malan (Tato Gabus Mendes) são figuras interessantes, mas não podem ir além do roteiro unidimensional.

Previsivelmente, o representante do PT, o fictício Gonçalves (Juliano Cazarré) é um clichê irrisório. Afinal, Gonçalves converte-se em representação do Mal absoluto aos olhos de Franco. E de outros.


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