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17/04/2017 às 09h30min - Atualizada em 17/04/2017 às 09h30min

A saga de românticos conspiradores

IAT faz do 18º ano um marco para movimentar arte, cultura e ciências em Uberlândia, mantendo a independência

ADREANA OLIVEIRA | EDITORA
Da Redação
Teresinha Magalhães, Janine Martins, Antonio Couto, Martha Pannunzio, Augusta Mota, Beatriz Moraes, Patrícia Masan, Paulo Pinto e Gilberto Maciel

Às oito horas de uma manhã de outono em Uberlândia, o sol forte sobre Praça Clarimundo Carneiro, o vento e o céu sem nuvens deixavam o coreto e o prédio do Palácio dos Leões, onde está o Museu Municipal de Uberlândia, com toda aquela pompa de imagem de cartão postal. Ao contemplar a vista do alto de uma das janelas do Museu, a professora aposentada Janine Martins comentava: "me sinto como a Cinderela".

A alguns metros de distância, o advogado Antônio Couto contava à reportagem do Jornal Diário do Comércio sobre as sessões da Câmara Municipal – que funcionou no mesmo prédio – entre 1967 e 1971, época em que a atividade de vereador não era remunerada e, por isso, quem exercia essa função era porque se preocupava mesmo com o bem do coletivo.

Couto conversava com o artista plástico Gilberto Maciel, amigo de décadas. "Eu advogado, ele marxista, não gostava muito de mim, mas com o tempo isso mudou", disse o advogado lembrando da Uberlândia dos anos 20, considerada "a capital cultural do sudoeste goiano", segundo publicado no livro "A poesia em Goiás", de Gilberto Mendonça Teles, que teve sua primeira edição em 1964 pela editora da Universidade Federal de Goiás.

Aos poucos o salão do Museu tornou-se mais colorido, mais cheio de vida. A ocasião? Encontro de alguns dos membros do Instituto de Artes, Cultura e Ciências do Triângulo (IAT), que celebra 18 anos em outubro e retoma as atividades de forma intensa após um hiato que foi de 2012 a 2016.

A ata de fundação do IAT data de 20-10-1998 na residência de Clarimundo Campos, falecido em 2014 aos 98 anos. Couto estava lá, a escritora Martha Pannunzio, que se juntou ao grupo no Museu, também. Eles assinaram a ata. "Sempre trabalhamos com muitos projetos, cursos, conferências e congressos para fomentar o setor cultural da cidade", diz Janine Martins, que presidiu o instituto em duas gestões entre 2006 a dezembro de 2009.

Mas a história que precede a criação do IAT também é digna de registro. "O jornalista Marçal Costa e o escritor e historiador Antônio Pereira da Silva criaram, em 1965 em Uberlândia, o Evolução. A expressão é de Marçal Costa: 'Vamos tirar o R da Revolução'", recorda Couto.

As reuniões do Grupo Evolução contavam com pessoas interessadas em cultura, qualquer forma dela, não era coisa de escritor, fotógrafo, artista plástico ou músico, era de todo mundo. "Firmamos um princípio de não ter ata, não ter nada. Cada um mostrava a sua arte e tomava uma cerveja ou um caju amigo (suco de caju com cachaça) em encontros dominicais que aconteciam sempre na casa de um dos seus 40 membros", lembra Antônio Pereira, que diz que não se lembra nem quando nem por que o grupo acabou.

Entre o IAT e o grupo Evolução ainda teve a Academia Uberlandense de Letras e Arte (Aula). "O IAT é uma espécie de continuação do Aula, que deve ter durado uns sete anos", disse Antônio Pereira, ainda membro do IAT e que aprova que a instituição não tenha limitações e deva acolher membros de qualquer segmento que esteja disposto a somar.

Foi Martha Pannunzio quem fez uma pesquisa em todo o Brasil e trouxe para Uberlândia o estatuto para a formação de uma Fundação Cultural, que deveria ser aprovado pela Câmara. E mesmo sem essa aprovação o grupo conseguiu, com verbas levantadas por meio de eventos, recuperar o teatro Rondon Pacheco que, segundo Couto, estava "entregue aos pombos". Propriedade da Escola Estadual Bueno Brandão, o teatro, por meio de um convênio com o Uberlândia Clube, ganhou a entrada pela rua Santos Dumond. "Fizemos na antessala uma galeria de arte com o nome de Lourdes Saraiva e quem presidiu a reunião da inauguração do teatro Rondon Pacheco foi o Dr. Domingos Pimentel de Ulhôa. 

Por questões políticas, dizem, a Fundação não foi registrada pelo então prefeito Virgílio Galassi, mas este grupo já comprovou ali a sua força", disse Couto.

OSCIP

O IAT é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). O trabalho dos sócios é voluntário e atualmente o Instituto vive esse momento de abertura para novos membros. Vale lembrar que os profissionais podem ser remunerados pelos seus trabalhos no instituto. "Queremos que as pessoas venham e conheçam o Instituto que sempre deu certo pela força de vontade de seus membros. Somos todos românticos conspiradores porque queremos fazer algo que melhore esse país", diz a atual presidente, a jornalista Patrícia Masan. O vice é Paulo Pinto.

 

"Uberlândia é uma cidade cheia de talentos em muitas áreas, por isso abrimos o Instituto para além das artes, como para a ciência. Nunca quisemos a tutela do poder público porque prezamos pela nossa independência. Somos pessoas com diferentes posições políticas que trabalham pelo coletivo", diz Martha Pannunzio.

Para Couto, é importante lembrar que eles são produtores de cultura e querem viver exclusivamente dela. "Não somos mercenários e não tem por quê ganhar a vida com outra coisa se podemos nos dedicar totalmente à arte. O Brasil precisa da produção de cada um", diz o advogado.

Gilberto Maciel lembra da atuação direta do IAT, sob a presidência de Martha Pannunzio, em 2000, na recuperação da igreja de Miraporanga, tombada como patrimônio histórico nacional. "A igreja estava caindo e fizemos um evento lá com a presença da banda do 36º Batalhão da Polícia Militar, que chamou a atenção para o lugar, graças à iniciativa da Martha. Aquela igreja tem papel importante na história ligada à guerra do Paraguai. Das 15 que o Papa pediu para construir, só ela está de pé. O IAT é importante no contexto cultural da história de Uberlândia", destaca Maciel. Em tempo, foi dele a ideia que deu origem à Feira do Coreto, que reuniu durante muitos anos artesãos na Praça Clarimundo Carneiro e depois ganhou outros formatos em diferentes pontos da cidade.

PROJETOS

Atividades atingem também crianças dos distritos e Zona Rural

Martha diz que atividades do IAT já são aguardadas 

O Instituto de Artes, Cultura e Ciências do Triângulo (IAT) tem vários projetos. Segundo seus fundadores, antes do conceito de “empresa rede” existir eles já trabalhavam de forma descentralizada, por núcleos como literatura, artes plásticas, música e ciências. Três projetos ganham destaque e as mulheres desde o início sempre tiveram forte representatividade.

“Nós temos projetos que são de ação continuada. Todo ano os apoiadores cobram, a cidade já espera que aconteça”, explica Martha Pannunzio.

Beatriz Moraes é a coordenadora do Cantares da Primavera, idealizado por Cora Pavan Capparelli e Martha Pannunzio e que segue para sua 13ª edição neste ano. “É um tipo de projeto que não pode contar com leis de incentivo, temos a colaboração dos melhores corais da região que fazem um esforço para vir e participar desse que é um dos maiores encontros de corais do país. Chegamos a receber 30 grupos com média de 30 integrantes cada”, conta. O IAT cita a Fiemg como um grande apoiador de seus projetos e instituição que sede o espaço para as reuniões do grupo, que não tem sede própria.

O concurso literário é outro xodó do grupo e está prestes a ter a 7ª edição realizada. “Esses trabalhos ficaram incorporados à vida cultural de Uberlândia”, diz Martha. No Cerrado e Letras, ela e Gilberto Maciel recebem alunos da rede pública na fazenda de Martha em Uberlândia, onde eles passam o dia em contato com o cerrado, com a vida da fazenda. “Os meninos não podem crescer pensando em ir somente para Disneylândia, precisam conhecer o campo, o povo que carrega esse país nas costas”, diz a escritora autora de “Veludinho”, que virou peça de teatro que ficou quatro anos em cartaz em Uberlândia e foi vista por mais de 70 mil pessoas.

Entre os projetos a serem reforçados neste ano está o Iatur, que promove o intercâmbio entre crianças de escolas dos distritos e zona rural de Uberlândia com crianças da cidade.

A Jornada de Contação de Histórias é outro destaque do IAT. Acontece neste mês e deve reunir pelo menos 25 grupos de contação de histórias, configurando-se como um dos maiores encontros do segmento na região.

Augusta Mota é membro e patrocinadora do IAT e acredita que o IAT tem um trabalho inspirador. “Quando tem a noite de autógrafos do concurso literário, onde os alunos veem suas poesias publicadas, é lindo olhar eles e suas famílias ali apoiando. Uma criança que se sente escritor aos 10, 11 anos ganha muito em autoestima. Isso muda a vida de uma pessoa”, afirma.

Há 12 anos aposentada, Teresinha Magalhães diz que até hoje seus ex-alunos se lembram dos livros artesanais e das histórias que escreveram dentro do projeto.

E se você quer fazer parte disso, entre em contato com o IAT pelo email: [email protected].

 

OLHOS

Somos todos românticos conspiradores porque queremos fazer algo que melhore esse país”
PATRÍCIA MASAN

“Uberlândia é uma cidade cheia de talentos em muitas áreas, por isso abrimos o Instituto para além das artes”
MARTHA PANNUNZIO

Não tem por quê ganhar a vida com outra coisa se podemos nos dedicar totalmente à arte. O Brasil precisa da produção de cada um
ANTÔNIO COUTO

 


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