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09/10/2021 às 08h00min - Atualizada em 09/10/2021 às 08h00min

Curriculum Vitae

DÉBORA OTTONI

Em meus atendimentos na clínica, uma das maiores angústias que me aparecem por parte dos pacientes, são questões referentes à identidade profissional. Um dia, após uma sessão cujo assunto foi “eu só vou me sentir completo quando me formar”, fiquei pensando sobre a importância que um currículo tem. 

Já parou para pensar em como este elemento traz um certo peso e uma noção reducionista sobre quem nós somos?

Somos valorizados, primeiramente, pelas nossas conquistas profissionais. “O que você faz”? E, infelizmente, a sua resposta acaba definindo quem você é. Pelo medo de não atendermos às expectativas de status imposta, estamos sempre correndo atrás de certificados para encher um papel de “experiências”.

Já eu, prefiro as experiências pessoais! Afinal, Curriculum Vitae vem do latim “trajetória de vida” e é deste caminho que vem o verdadeiro aprendizado.

Costumo dizer que sou uma pessoa de pessoas. Inclusive, sempre usei essa frase em entrevistas de empregos. Posso lhes afirmar com segurança que as minhas histórias e vivências pessoais me renderam boas contratações. 

Tenho duas graduações, mas não possuo mestrado, doutorado e o meu Curriculum Lattes passa longe de ser robusto. Porém, todas as minhas experiências de vida me capacitaram a atuar com excelência e circular segura por diferentes áreas do mercado profissional.

Nenhuma formação acadêmica me ensinou o que a Dona Benedita foi capaz de me ensinar durante os meses em que frequentou as minhas aulas de alfabetização no sertão da Bahia. Ela me deu uma aula sobre dignidade e superação quando, em meio a lágrimas de felicidade, conseguiu, pela primeira vez, assinar seu nome.

Nunca trocaria o tabuleiro de artesanato que carregava para trabalhar com minha mãe na praia de Porto Seguro, por um “canudo” acadêmico. Esse papel não me proporcionou um terço do aprendizado que obtive ouvindo e conversando com diferentes pessoas de diferentes lugares do mundo.

O dinheiro fez falta em muitas situações, claro. Um belo currículo me ajudaria muito em determinados contextos. Porém, quando me lembro das situações de perrengue, me testifico de que fiz as escolhas certas. Em vários momentos em viagens missionárias, me questionei quanto ao conforto e boa alimentação, mas toda dúvida era dissipada quando me via responsável por saciar as almas famintas das pessoas que acolhíamos. 

Por cada lugar que passei, a minha motivação era de acrescentar a vida das pessoas e crescer emocional e espiritualmente. Nestes lugares, eu não precisei responder “o que eu fazia”, porque antes de me apresentar pelas minhas conquistas, eu apresentava a Débora. 

É gratificante saber que deixei marca na vida de muitas pessoas pelos lugares que passei. Elas se lembram de mim, sentem saudades, querem saber como estou e se emocionam quando nos reencontramos. 

A ironia está no fato de que, até hoje, nenhuma empresa para qual eu trabalhei e dediquei se preocupou em saber como estou indo depois de ter saído de lá!

Hoje vejo que nunca foram em vão os meus sorrisos, minhas falas, o meu tempo e os meus ouvidos à disposição do outro. Foram alguns anos priorizando valores diferentes de uma formação acadêmica, mas me formei com louvor nos conteúdos relacionados a amar o próximo, ouvir o próximo, me doar ao próximo, fazer sorrir o próximo e desfrutar de cada momento “simples” que a vida me deu. 

É extremamente importante o interesse pelos estudos, o crescimento profissional e o aperfeiçoamento acadêmico. Porém, precisamos nos atentar sobre as nossas motivações e sobre o que temos deixado de SER e FAZER em função disso.

Mudemos nossas prioridades. Não sabemos até quando teremos a oportunidade de conhecer pessoas novas, ajudar e acolher alguém, rever os amigos, andar à toa e ter uma conversa despretensiosa com um desconhecido.

Que sejamos pessoas de pessoas, porque não sabemos quando será o nosso último suspiro e, quando essa hora chegar, o que você colocou no currículo não vai fazer diferença alguma!

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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