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12/02/2021 às 19h24min - Atualizada em 12/02/2021 às 19h24min

Cabelos brancos

ALEXANDRE HENRY
Engraçado como a gente se lembra de certos detalhes bobos da vida. Eu morava em São Paulo, onde fazia faculdade, e estava vindo no meu velho Uno Mille para Uberlândia. Pouco depois de Ribeirão Preto, naquelas retas infinitas da Rodovia Anhanguera, eu passei a mão na cabeça e, quando percebi, vários fios tinham ficado na mão. Era 1996 e eu tinha apenas vinte anos, mas vi ali que a genética tinha me brindado com uma calvície precoce. Procurei então uma boa dermatologista e, desde então, tenho feito o que é possível para retardar a perda de cabelos. Mas, depois de mais de duas décadas e de perder batalhas de menor monta para a calvície, parece que agora ela resolveu atacar com todas as forças.

Não foi só isso. Quando completei trinta anos, começou outra guerra chata: a dos cabelos brancos. Genética, né? Herdar dinheiro, isso a gente não herda. Mas, calvície e cabelos brancos precoces, além de alguns problemas de saúde, tudo isso veio sem necessitar de qualquer burocracia ou inventário. Hoje, não sei ainda se chegará primeiro a calvície completa ou o branco em todos os fios. O que eu sei é que, ao menos para o primeiro ponto, faço o que dá e me sinto satisfeito com o esforço, sem ficar sofrendo por isso. É a velha máxima epicurista segundo a qual a felicidade passa por não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade.

Por que falo tudo isso? Porque estou em uma idade em que os sinais do tempo começam a aparecer com um pouco mais de força e muita gente ao meu redor, além de correr desesperadamente contra o tempo, ainda sofre de forma exagerada pelo que ele traz. Há quem sofra por si mesmo e há quem faça o outro sofrer, especialmente maridos e esposas, cobrando uma aparência física de duas décadas atrás.

Não, eu não faço isso nem comigo e nem com a minha esposa. Se você faz, acho que deveria repensar, pois o seu agir trará tão somente infelicidade. Se há algo inevitável é o envelhecimento e o que ele traz. A pele fica mais flácida, os músculos vão perdendo a rigidez, o rosto ganha rugas e perder peso se torna uma tarefa muito, mas muito mais complicada. O jeito então é não se estressar muito com isso. Quando eu me olho no espelho, algo que faço com pouca frequência, eu busco uma sintonia entre a idade dos meus olhos e a idade do restante do corpo. Se meus olhos têm mais de quatro décadas de existência, qual a razão para eles tentarem enxergar em mim um corpo mais novo do que isso? Eu preciso olhar no espelho e entender que ali em frente está alguém que já passou pela infância, pela adolescência, viveu a juventude e agora está entrando em uma fase adulta mais madura, ainda relativamente distante da velhice, mas também muito distante do tônus epitelial adolescente.

Essa ideia é ainda mais importante quando você olha quem está ao seu lado. Eu não busco ver em minha esposa a menina de dezenove anos que beijei em uma madrugada de céu estrelado. Não é justo com ela, não faz bem para mim e muito menos para a nossa relação. Ambos já estamos na metade da década dos quarenta e é preciso entender que aqueles corpos juvenis precisam ser apenas um quadro feliz na parede da memória, nunca a imagem do que deve ser buscado agora a todo custo. Trazer comigo esse entendimento da vida me faz bem feliz, pode acreditar, pois, a cada vez que eu olho para ela, eu consigo sentir o mesmo que eu sentia há vinte anos. Como diz outra máxima antiga, aqui adaptada, nem meus olhos e nem nossos corpos são os mesmos de duas décadas atrás. Ser feliz é manter a compatibilidade temporal entre o olhar e a imagem que ele capta.

Evidentemente, tudo deve ser ponderado e as palavras não devem ser tomadas como uma escolha radical. Quando eu vejo meus precoces cabelos brancos, sei que, fora pintá-lo (o que não está nos meus planos), não há muito o que eu possa fazer. Mas, sei que o envelhecimento não é desculpa para eu me descuidar do que está ao meu alcance e, assim, mantenho uma rotina de correr pelo menos oito quilômetros e andar de bicicleta outros quinze toda semana, além de uma leve musculação. Minha esposa faz academia, usa cremes e tudo o que tem à disposição para se sentir esteticamente bem. Apesar de nós dois estarmos com muitos quilos a mais desde aquele beijo na madrugada, cuidamos para não judiar demais da balança. Ainda assim, especialmente no meu caso, esse esforço é apenas o normal e sem abrir espaço para o sofrimento por conta dos sinais da idade. Quero continuar envelhecendo bem e aproveitando o melhor de cada tempo, sempre em paz comigo mesmo.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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