Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
11/04/2020 às 09h00min - Atualizada em 11/04/2020 às 09h00min

Mães de ontem, mães de hoje

ALEXANDRE HENRY
A esta altura, não é mais segredo que tem muita mãe se descabelando por conta da quarentena com criança em casa. Aliás, não sejamos sexistas: mães e pais estão se descabelando. No meu caso, só tenho uma filha de seis anos de idade e, ainda assim, tenho que admitir que não é fácil. Com minha esposa fazendo doutorado e eu trabalhando em sistema remoto, como juiz e como professor, nossa quarentena tem sido intensa como a de quase todo mundo. Muito do meu pouco tempo livre agora é junto à pia, lavando louça. Claro, e fazendo tarefas de escola com minha filha, tarefas essas que foram divididas ao meio: as das disciplinas em inglês ficam comigo; as demais, com minha esposa. Fora isso, as necessidades de uma criança cheia de energia em um apartamento vazio de opções para se gastar essa energia acabam desaguando em... Bem, você sabe. 

Tudo isso me levou a pensar sobre as mães de antigamente. Como elas davam conta de criar quatro, cinco ou até mais crianças? Se a gente se esgota com uma só, o que seria se tivéssemos meia dúzia de filhos? Como é que as mães sobreviviam, ainda mais tendo em conta que muitas crianças significam anos de gravidez? Qual era o segredo para não enlouquecer?

Puxei as memórias da minha infância para tentar me lembrar de como era uma casa com quatro meninos. Foi aí que comecei a me dar conta das diferenças e a entender a certa, digamos assim, tranquilidade das mães de antigamente. Lembrei-me, por exemplo, de uma vez em que fiquei de castigo porque eu estava chegando muito tarde em casa todo sábado. Sim, eu voltava das “brincadeiras”, como eram chamadas as festas dançantes, bem depois da meia-noite, isso em um tempo em que as pessoas dormiam muito mais cedo do que hoje. Detalhe: eu tinha dez anos de idade. Aquilo foi demais até para a criação liberal do meu pai. Mas, esse foi um ponto fora da curva. No geral, se a gente não tivesse aula, era normal acordar, tomar café da manhã e sumir para a rua. Voltava para almoçar, às vezes para um lanche da tarde e, quando o sol ia se pondo, chegava em casa todo sujo e cansado. Aí, era banho e cama, só para começar tudo de novo no outro dia. Se tivesse energia, ainda voltava para a rua de noite um pouco mais. A maioria das mães não fazia (e nem queria fazer) a menor ideia de onde os filhos estavam. Sabiam que eles estavam por aí, batendo perna nas ruas, caçando passarinho nos terrenos baldios, jogando bola nos campinhos de terra, soltando pipa, aventurando-se no meio do mato alto em terrenos baldios, essas coisas.

Em resumo, a gente não ficava em casa torrando a paciência de pai e mãe. Se era tempo de escola, os pais queriam saber apenas se não estávamos matando aula e se as notas estavam razoáveis, dentro do suficiente para não “tomar bomba” no final do ano. Não me lembro de ver mãe (e muito menos pai) sentada dia após dia fazendo tarefa com as crianças. Imagino que isso até acontecia em alguns lares, mas não era a regra. O estímulo para a gente dar alguma atenção aos cadernos era o cinto com a fivela pesada. Se não passasse de ano, a surra era quase como uma regra. Também não havia essa coisa de ficar enchendo o saco dos pais para comprar um brinquedo novo todo dia. A maioria das crianças ganhava brinquedo, quando muito, no aniversário e no natal. Isso, claro, as crianças de classe média.

Não recordo tudo isso com saudosismo, já que não nasci com a genética voltada para o passado. A recordação é só mesmo para compreender como pais e mães de antigamente conseguiam criar vários filhos sem surtar. Tinham como ajuda grandes quintais, as ruas, campinhos de futebol e um monte de coisas que entretinham a molecada o tempo todo, além de primos e irmãos mais velhos que sempre davam uma força quando necessário. Eram preocupados e dedicados, sim, mas a intensidade da convivência era muito menor que hoje em dia. Uma criança presa dentro de um apartamento o dia todo exaure a energia dos pais tanto quanto cinco moleques que só voltam para casa na hora da janta. Isso sem contar que muitas mães, hoje em dia, possuem uma carreira profissional que exige tanta dedicação quanto a casa e a família.

A conclusão então é que a vida era mais “mole” para as mães de antigamente? Não. A vida era diferente, só isso. Os filhos ficavam soltos quase o tempo todo, aliviando a tensão. Mas, eram vários filhos. Os recursos eram menores, os eletrodomésticos eram mais raros e menos eficientes, os homens eram menos participativos. No final das contas, cada tempo tem suas agruras e suas benesses, inclusive para as mães.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90