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09/02/2020 às 08h00min - Atualizada em 09/02/2020 às 08h00min

Ela disse adeus

ALEXANDRE HENRY
Enquanto eu ouvia aquele relato, sentia a canção invadir a minha cabeça como se tivesse sido escrita para aquela história, embalada na voz inconstante de Herbert Vianna: “Ela disse adeus, e chorou, já sem nenhum sinal de amor. Ela se vestiu e se olhou, sem luxo, mas se perfumou. Lágrimas por ninguém, só porque, é triste o fim. Outro amor se acabou...”. A diferença da canção para o relato que eu ouvia era que, na vida real, não era outro amor que se acabava, mas “o amor”, aquele nascido na adolescência, o do primeiro beijo, da primeira noite, do namoro, noivado e casamento.

Sim, ela disse adeus e foi de verdade. Foi uma decisão (ao que parece) amadurecida, refletida ao longo de muitas frustrações. Eles se casaram muito novos e decidiram ser pais logo depois. Ela o amava no começo, com certeza. Aliás, no meio também e talvez ainda o ame um pouquinho agora que o fim chegou. O problema é que ela se cansou. Ele não bebe, não fuma, não joga, não trai, coloca comida dentro de casa e não a agride, seja com palavras ou bofetões. Na teoria, um bom marido. Mas ela queria um pouquinho mais da vida do que ter comida na mesa e um corpo masculino ao seu lado. Ainda sem alcançar os trinta anos, ela desejava um marido que a levasse para um barzinho de vez em quando, ainda que nenhum dos dois tenha o hábito de consumir álcool. Bastava um refrigerante, uma conversa e gente diferente ao redor. Ela também queria que ele tivesse um pouquinho mais de aspiração profissional na vida. Claro, é sempre bom ter o arroz e o feijão na mesa, mas um pedacinho de carne nobre lá de vez em quando também cairia bem. E o desejo? Ah, acho que esse foi o ponto final! Ela colocou um short um pouco mais curto e ele simplesmente ignorou aquele fato, como se a libido morasse do outro lado da cidade, quiçá em outro país.

Ela disse adeus e não foi por outro, mas por outra vida. Talvez se arrependa, mas é certo que se arrependeria ainda mais se nunca tentasse. O que ele fez de errado? Nada além de parecer ter setenta anos de idade sem ter chegado aos trinta. Bem, eu estou sendo preconceituoso com quem é idoso, porque tem muito idoso bem mais animado do que ele. Não saía, não tinha amigos, não tinha vida social e não se animava muito com a relação a dois. Como diz a canção que invadiu minha mente, “Now the deed is done, as you blink she is gone”.

Muitos casamentos acabam por problemas que, no final das contas, resumem-se a fazer tudo ao contrário do que se fazia nos tempos de flerte e namoro. Acontece com a esposa, acontece com o marido. De repente, aquela roupa íntima interessante da balada desaparece e tudo o que há é algo sem qualquer tempero, cor da pele. O elogio some, o convite para uma bebida a dois é só uma lembrança pré-casamento, o perfume evapora e aquele olhar, bem, aquele olhar se apagou. Socialmente, o casamento ainda existe: a família e os amigos acham que eles são um casal perfeito. Entre os dois, vigora um faz de conta que vai acabando aos poucos com ao menos um deles. Muitas vezes, com os dois. O homem, ainda marcado por uma sociedade patriarcal e machista, geralmente acaba buscando fora de casa o desejo de viver e não fala em separação. Algumas mulheres também fazem isso, embora grande parte apenas se sufoque. E assim, o que era para ser um sonho se torna um fardo, uma vida sem graça.

Não precisa ser desse jeito, não precisa que ela diga adeus ou que ele se sinta menos frustrado em outra cama. Se cada um fizer pelo outro parte do esforço que fazia nos primeiros meses de namoro, há uma grande chance de o casamento continuar fazendo bem para os dois por muito tempo. Um convite para um programa a dois de vez em quando, aquela roupa que chamaria a atenção até nos tempos de namoro, o corpo perfumado, um toque diferente para despertar o que nunca deve morrer, enfim, há muito o que pode ser feito para o casamento não se transformar em uma prisão sufocante e nem se acabar de vez.

Sim, eu sei, alguns casos são irreversíveis mesmo, seja pelo tempo, seja porque não basta o querer e o fazer de um só. Não me iludo achando que há um jeito para tudo. Não, não há. A única coisa que não admito é o pensamento que ouvi outro dia no sentido de que o casamento foi feito para não dar certo, porque o marasmo chega mais dia menos dia e não há como manter a chama acesa. Sem tentar, não dá mesmo. Mas, com um pouco de esforço e boa vontade, saindo da zona de conforto de vez em quando, como se você ainda não tivesse conquistado a outra pessoa, as chances de tudo dar certo aumentam bastante.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.








 

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