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05/02/2020 às 08h34min - Atualizada em 05/02/2020 às 08h34min

O ninja brasileiro

FERNANDO CUNHA
Um conhecido meu se mudou para o Japão há alguns anos. Ele não entendia o dialeto daquele povo e não sabia falar japonês. Ele conta que foi uma fase difícil na vida dele, pois não conseguia fazer amigos japoneses justamente porque não sabia se comunicar com eles. Num belo dia ele teve uma brilhante ideia. Inventou uma espécie de slogan de apresentação pessoal e inseriu na frase uma palavra que tem forte ligação com a cultura oriental e que, segundo ele, causaria mais impacto e conexão logo no começo de cada conversa.

Então, decorou uma frase em japonês, que dizia: “olá, eu sou Pedro, o ninja brasileiro”. Em pouquíssimo tempo ele percebeu que, sempre que dizia isso, as pessoas davam as costas e saíam de perto. Era tudo muito estranho, pois ele sempre se aproximava com um sorriso acolhedor e muita simpatia, até que um amigo, que também morava lá, lhe explicou que ninja é o guerreiro cruel, mercenário e malquisto pela sociedade. A palavra certa a se dizer seria samurai, que é o soldado do bem e bastante respeitado por todos. Depois que passou a usar o termo “samurai”, o clima ficou mais amistoso.

Por que estou lhe contando esta história do Pedro? Talvez você ainda não tenha parado para pensar sobre algumas questões, do tipo: as palavras que habitualmente uso estão afastando ou aproximando as pessoas de mim? Estas mesmas palavras estão criando que tipo de imagem e reputação sobre a minha pessoa? Que tipo de emoções elas têm despertado nos meus interlocutores? Deixe-me aplicar um teste com você! Analise o seu sentimento ao ler bem devagar as seguintes palavras: guerra, ódio, morte e doença. Agora faça a mesma coisa com as palavras antônimas: paz, amor, vida e saúde.

O que você sentiu? Imagine então o impacto emocional ao ouvi-las. Uma simples palavra pode provocar sorrisos ou lágrimas, tem o poder de unir e separar pessoas ou iniciar e findar uma guerra. Pedro não se informou sobre um pouco dos valores da cultura japonesa antes de falar com eles e, por isso, não estava obtendo os resultados desejados. Ele foi pela emoção. E nós, estamos nos expressando pela razão ou pela emoção? De que maneira as nossas palavras estão impactando os nossos clientes e as pessoas com as quais desejamos criar relacionamentos mais estreitos?

Já deixei de comprar muita coisa só por conta de um termo mal colocado. Da mesma forma, muitos talvez já deixaram de negociar comigo por causa disso também. Quando falamos motivados apenas pela emoção, o risco de uma palavra inadequada escapar é maior. Na imprensa e nas redes sociais, onde qualquer deslize verbal ganha mais amplitude, as consequências podem ser ainda mais graves. Os leads políticos são recheados de disparates. Por exemplo: “estamos aqui para enfrentar a sociedade”, quando, na verdade, ele quis dizer que o seu papel, como político, é também ter paciência para ouvir as queixas da população. Dias atrás, um edil aqui da região disse no rádio: “vereador precisa ganhar bem para não ter que desviar dinheiro”.

A intenção talvez seria dizer que os políticos têm condições de cumprir as suas funções com mais eficiência quando são bem remunerados. Não quero justificar palavras malditas por alguns de nossos representantes, mas alertar que, assim como uma pedra lançada ou um tiro disparado, uma palavra proferida também não tem volta. É preciso cautela!

Por isso, antes de fazer um discurso ou conceder uma entrevista à imprensa, tenha conhecimento prévio do assunto que será abordado. Faça um levantamento do máximo possível de informações relativas ao tema. Preveja as prováveis perguntas que serão a você direcionadas e as escreva numa folha de papel. Prepare respostas com termos potencialmente positivos (samurais) e descarte os argumentos negativos (ninjas). Treine exaustivamente suas respostas até que soem naturais.

E, caso seja pego de surpresa com indagações inusitadas, não as responda de bate-pronto. Respire fundo e pense um pouco antes de abrir a boca. Cinco segundos são suficientes para processar essas informações. Daí a importância de se dedicar mais tempo ao preparo e treino. Um versículo bíblico diz que a boca fala do que está cheio o coração, mas, no calor da emoção, por mais que o coração esteja cheio de boas intenções, fica difícil controlar. De toda forma, antes de verbalizar qualquer palavra, principalmente quando for compelido a isso, primeiro tente não agir por impulso. Assim, as chances de não se posicionar como um ninja e agir como um samurai são bem maiores. 


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 
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