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14/08/2019 às 08h22min - Atualizada em 14/08/2019 às 08h22min

Fatos e percepções

FERNANDO CUNHA

As pessoas vão se aglomerando aos poucos. Alguns parecem não acreditar que algo tão horrível poderia ter acontecido, enquanto outros se apressam em ligar as câmeras de seus aparelhos celulares para registrarem o ocorrido e postarem o mais rapidamente em suas redes sociais. Um pequeno grupo sabe relatar apenas o estrondo que ouviu. Testemunhas oculares contam em detalhes tudo que acreditam ter visto. Alguns poucos dizem que apenas sentiram um forte cheiro de combustível antes da grande explosão. E no meio dessa celeuma um pequeno grupo tenta conectar os relatos, baseados em diferentes percepções, para criar a narrativa de um único fato. É preciso ouvir, pelo menos, três testemunhas que não se conhecem. Assim é a rotina de jornalistas, repórteres e outros profissionais que tem como ofício a difícil arte de decifrar e narrar acontecimentos diversos com a mais pura precisão.

Já pensou que uma reportagem exibida na TV em apenas dois minutos leve cerca de quatro horas, ou mais, para ser apurada, construída e editada antes de ir ao ar? Já imaginou como é para um delegado ou perito da polícia científica juntar as peças de um “quebra-cabeças” para defender uma possível hipótese, seja diante de um crime ou de um acidente qualquer? Quantas vezes algo aconteceu dentro de nossas próprias casas ou no nosso ambiente de trabalho e que, até hoje, não se sabe ao certo o que realmente houve? E quantos conflitos internos entre familiares, amigos e colegas de trabalho nunca se resolvem por falta de clareza sobre os reais motivos que possam ter ocasionado a discórdia?

Dias atrás um velho conhecido meu sofreu uma grande injustiça. Uma colega de trabalho que, por questões meramente pessoais, vivia importunando a vida dele, o provocou de uma forma que ele acabou discutindo com ela. Após a discussão, a garota foi até a presidência da empresa e relatou a sua versão sobre o ocorrido. Sem sequer procurar entender o que houve, logo foi pedido o afastamento desse colega. A decisão de afastá-lo foi baseada em uma única versão: a dela. Nem a presidência e nenhum dos diretores se preocupou em ouvir o outro lado da história. Isso é o que acontece também em muitas empresas e instituições onde os detentores do poder são injustos e inescrupulosos.

Na parábola do mito da caverna, do filósofo grego Platão, prisioneiros vivem acorrentados numa caverna e são forçados a olhar somente para a parede do fundo. Uma fogueira localizada na entrada da caverna projeta a sombra de alguns objetos nesta parede. Para eles, as imagens refletidas representavam a realidade. Quando um dos prisioneiros consegue se libertar das correntes, descobre que as sombras na parede não são seres humanos de verdade. São apenas uma representação da realidade. O restante da história muitos de nós talvez já conheçamos. A questão é que essa história contada por Platão há cerca de 2.400 anos ainda se reflete na contemporaneidade. Muitos “líderes” baseiam as suas decisões apenas em percepções, e não em fatos concretos.

Se assistirmos a mesma notícia em diferentes telejornais teremos essa mesma impressão. Muitos órgãos de imprensa noticiam apenas representações da mesma realidade. Imaginemos a notícia do Fim do Mundo em diferentes veículos de comunicação. A notícia é a mesma: o apocalipse. Mas, na Folha de São Paulo, por exemplo, na qual a linha editorial é baseada em dados estatísticos, seria “51% dos brasileiros não concordam com o fim do mundo”. Na revista Veja, “Exclusivo: entrevista com Deus – por que o apocalipse demorou tanto”? Na Rede Globo, o programa Fantástico anunciaria “Pare de fumar antes do fim do mundo com o Dr. Dráuzio Varela”. No SBT a manchete talvez seria “Novo carnê dá prêmios para quem acertar o dia do apocalipse”, entre tantos outros exemplos.

No mundo corporativo também é assim. Cada colaborador apresenta a sua versão. Se o líder não aperfeiçoar o seu poder de exatidão, ouvindo todos os lados da história antes de tomar uma decisão, ele corre o sério risco de cometer uma injustiça. Por isso, antes de qualquer tomada de decisão diante de um conflito entre liderados, devemos reunir todas as partes envolvidas na discussão e ouvi-las. Assim a nossa comunicação será também um instrumento para a promoção de um ambiente colaborativo e harmonioso. Jack Trout, presidente da Trout & Partners e autor de alguns dos livros mais importantes sobre comunicação e marketing, certa vez disse: “Percepção é realidade. Não se deixe confundir pelos fatos”.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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