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15/02/2019 às 09h40min - Atualizada em 15/02/2019 às 09h40min

Por que não a tecnologia?

MARIANA SEGALA
O mundo celebrou o Dia das Mulheres e Meninas na Ciência na última segunda-feira, dia 11. A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para incentivá-las a se envolverem cada vez mais com ciência, tecnologia, engenharia e matemática – uma tétrade de campos do conhecimento conhecida pela sigla STEM, nos quais a presença feminina é muito pequena. É uma questão global: 28% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Localmente, as coisas funcionam de maneira parecida. Embora mais da metade dos estudantes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) sejam mulheres, em cursos como o de Ciências da Computação elas não chegam a 15% do alunato. No de Engenharia Mecânica, o corpo docente – que tem mais de 60 professores – tem apenas sete mulheres.

O potencial inexplorado de meninas e mulheres brilhantes que optam por não estudar ou seguir carreiras nesses campos, argumenta a ONU, é uma oportunidade perdida para elas próprias e para a sociedade como um todo. Basta lembrar que a tecnologia é uma área que registra falta crônica de profissionais qualificados. As empresas do setor têm feito de tudo para encontrar gente boa para trabalhar. Duelam com os concorrentes em busca dos melhores programadores, debruçam-se sobre as universidades procurando contratar bons estudantes, ainda que sejam muito jovens. As mulheres representam mais da metade da população. Ignorá-las é, entre muitas outras coisas, o mesmo que deixar de considerar metade dos talentos disponíveis para trabalhar. É tudo o que um segmento em ascensão não quer (ou não deveria querer) fazer.

As razões para a baixa representatividade feminina na ciência e na tecnologia e o que pode ser feito para mudar esse cenário foram os temas de um produtivo bate-papo realizado no Sebrae nesta semana. TechWomen foi o nome dado ao evento, organizado por membros do Uberhub, como é chamado o ecossistema de inovação de Uberlândia. Quase 70 pessoas se reuniram para trocar experiências, entre presidentes de empresas, professoras universitárias de áreas tradicionalmente masculinas, programadoras e entusiastas do assunto. Foi uma discussão rica e produtiva com gente que escolheu desafiar as estatísticas. (Alerta de spoiler: o interesse foi tanto que uma nova edição, em março, está sendo organizada.)

Alguns depoimentos me chamaram particularmente a atenção. Porque uma dúvida em especial teima em não ser sanada. Se a tecnologia é um campo promissor, com oportunidades de emprego e de ascensão profissional abundantes, em que se desenvolvem soluções inovadoras, por que as meninas se interessam pouco pela área? Aspectos biológicos não dão conta de explicar o fenômeno, não há estudos confiáveis que destrinchem essa questão. A matemática, vista como o terror encarnado em uma disciplina, é tão difícil para meninas quanto é para meninos.

A experiência pessoal de uma programadora que participava do evento joga luz sobre o que se coloca como a provável razão mais evidente para essa situação. Ainda na escola, boa aluna que era, a jovem poderia escolher qualquer carreira universitária – passar no vestibular não seria uma missão impossível. Embora demonstrasse gosto pelas ciências exatas, a seu pai não ocorria que pudesse escolher outro curso que não medicina ou odontologia. Mas escolheu. Fez a prova para o curso de Ciências da Computação sem contar a ninguém. A família só soube depois que o resultado do vestibular foi publicado. A jovem hoje tem mestrado, um cargo de liderança em uma das mais tradicionais empresas de tecnologia da cidade e faz doutorado. Em casa, no entanto, seu trabalho continua sendo descrito como “alguma coisa com computador”.

É provável que mais meninas e mulheres se interessariam por áreas tidas como tipicamente masculinas se elas lhes fossem apresentadas como possibilidades profissionais naturais. Se não sentissem que precisam quebrar um paradigma para se dedicar a elas. Se conhecessem mais sobre o que um profissional de tecnologia é capaz de fazer. Se fosse dispensada menos atenção ao que é “coisa de menina” ou “coisa de menino”, e mais ao que é “coisa para si”. Me alegra perceber que algumas iniciativas desenvolvidas na cidade, ainda que não focadas nas garotas, têm tido um papel importante ao expor a elas possibilidades diferentes daquelas para as quais costumam ser encaminhadas. Uma delas é o Uberhub Code Club, programa que procura apresentar os conceitos básicos das Ciências da Computação para estudantes secundaristas e jovens adultos. Não se trata de formar programadores, mas de levar a garotada a considerar o assunto, não raro completamente ignorado. Um quarto dos participantes do ano passado eram meninas. É pouco, ainda. Mas é um primeiro passo.
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