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02/07/2018 às 09h42min - Atualizada em 02/07/2018 às 09h42min

Nós e o futebol

ALEXANDRE HENRY ALVES | COLUNISTA
Divulgação
Alguma coisa mudou na relação do brasileiro com a sua Seleção de futebol nos últimos trinta anos. Se você já passou por algumas Copas do Mundo, talvez tenha percebido isso também. Parece que estamos mais calmos, mais sensatos, menos passionais.
A primeira Copa da qual me lembro é a de 1982, com a perda trágica para a Itália. Mas, para efeitos de comparação, o que me vem à cabeça mesmo é a Copa de 1986, bem como a de 1990. Com dez anos de idade, eu já trabalhava e acabei ajudando, em várias ocasiões de jogos da Seleção, em um bar que a minha família tinha no centro da cidade. O maior torneio de futebol do planeta voltava ao México, palco de nossa última taça dezesseis anos antes, e a população parecia ansiosa por juntar mais uma estrela à nossa constelação gravada no peito da camisa verde-amarela. Além de tudo, era época de redemocratização e estávamos já havia alguns meses vivendo o Plano Cruzado, uma das várias ideias mirabolantes (e desastrosas) dos nossos governos em busca da domesticação da inflação. Na terra dos astecas, ganhamos da Espanha, da Argélia e da Irlanda do Norte na primeira fase. Derrubamos a Polônia com quatro gols nas oitavas e fomos para as quartas de final contra a França.
Esse último jogo, contra os franceses, não importa muito para o que eu quero dizer. Claro, foi triste ver o Zico perder um pênalti e ver o Brasil sair da Copa daquele jeito, mas a comparação que faço é com os jogos anteriores. A cada vitória da nossa Seleção, tínhamos um carnaval nas ruas. O bar da minha família era um dos palcos de comemoração e, após arredarmos as mesas, o salão de transformava em um verdadeiro salão de folia mesmo, como se tivéssemos vencido a Copa. Foi assim nos quatro jogos que vencemos.
Na Itália, em 1990, a alegria durou menos tempo, pois o Brasil ganhou os três primeiros jogos da fase de classificação e, logo nas oitavas de final, caiu diante de uma Argentina de Maradona e Cláudio Caniggia. De toda forma, as três primeiras vitórias renderam carnavais semelhantes. A explosão de euforia era tanta que tinha gente que dizia que não poderíamos ganhar a Copa, sob o risco de o país entrar em convulsão social. Ouvi isso mais de uma vez, de mais de uma pessoa. Aliás, acho até que li em alguns jornais.
Ganhamos em 1994 e não teve nenhuma desordem social. Estávamos tristes pela morte do Senna e aquele tetracampeonato, sob a batuta do Romário, foi uma espécie de alívio, de recuperação de um mínimo de autoestima, tão decaída depois da frustração com um país que não virou gigante só porque foi redemocratizado, de um país que fazia de tudo, mas não vencia a inflação. Mas, não passou disso. A nossa situação já estava um pouco melhor quando fomos jogar a Copa da França, em 1998, e o vice-campeonato não representou uma tragédia assim tão grande, da mesma forma como o pentacampeonato em 2002 não nos fez acreditar que éramos a nação mais poderosa do mundo.
Hoje, não consigo enxergar na sociedade brasileira aquela ligação que havia há 32 anos, quando fomos jogar no México. Ainda somos apaixonados por futebol, ainda nos reunimos eufóricos para ver os jogos, mas pouca gente pula carnaval, como se tivesse acabado de ganhar na loteria, só porque o Brasil venceu em campo. As vitórias e derrotas trazem reações absurdamente amenas se comparadas ao que tínhamos três décadas atrás. Talvez tenhamos amadurecido com o tempo, talvez o tetra e o penta, intercalados de um vice, tenham nos deixado mais em paz com o fato de que teremos altos e baixos, mas sempre estaremos entre os bons. Não sei. Em 2010, eu tive a felicidade de estar em Madri justamente no dia da final da Copa do Mundo da África do Sul e vi a explosão de alegria dos espanhóis após a vitória, com uma festa gigantesca nas ruas. Conversei na ocasião com um espanhol e disse que, no Brasil, já não tínhamos aquela euforia toda. Ele me respondeu: “Mas vocês têm cinco títulos e esse é nosso primeiro!”.
Talvez seja isso mesmo. Mas, mesmo se não for, o que importa é que estamos mais serenos, distanciando nosso destino do que ocorre dentro dos gramados. A Seleção ser campeã do mundo é o que queremos, mas praticamente ninguém enxerga algum efeito prático disso na vida pessoal além de alguns excelentes momentos de alegria. E, quando perdemos, fazemos tantas brincadeiras conosco mesmo que o troço fica bem mais leve. É, no final das contas, acho que evoluímos. Ainda bem.
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