O Projeto Resgatar, uma iniciativa da Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia (Icasu) em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), oferece, em Uberlândia, acolhimento e reintegração social para mulheres resgatadas de situações de trabalho análogo à escravidão. O local recebe vítimas de todo o estado de Minas Gerais, oferecendo atendimento especializado, alimentação e cuidados necessários para que elas possam recuperar a dignidade e retomar suas vidas.
Uma das acolhidas do projeto, Dona Fátima Aparecida conta ao Diário que tem 54 anos, mas viveu boa parte da vida vida sem saber ao menos a própria idade. Ela chegou à Icasu no ano passado, quando foi resgatada de uma família em Belo Horizonte, onde era mantida como empregada doméstica e sofria abusos físicos e psicológicos, além de racismo.
“Eu morava com essa mulher, a filha dela esquentou água e jogou nas minhas pernas. Foi aquele sofrimento, nem minha idade eu sabia. Hoje, graças a Deus, estou muito bem, mas sofri bastante. Fiquei abrigada um mês em Belo Horizonte e depois fui acolhida aqui em Uberlândia. Cheguei aqui com os pés inchados, as pernas com marcas de queimado pela água que a filha jogou em mim”, relatou Fátima.
Agora, Fátima tem um quarto próprio, guarda-roupa e está aprendendo a ler. “Quero ter um celularzinho, estudar. A patroa falava que eu era burra e que ninguém ia me querer por ser negra”.
Ângela Maria, de 60 anos, também foi resgatada em 2023 de uma fazenda em Frutal, onde era submetida a trabalho análogo à escravidão. Na Icasu há mais de um ano, ela tem aulas de alfabetização e participa de atividades no Centro Educacional de Assistência Integrada ao Idoso (Ceai) do bairro Laranjeiras, além de sessões de terapia. Ela também planeja começar aulas de natação e continuar seus estudos.
“Lá em Frutal eu apanhava do cara, e aí fizeram uma denúncia anônima. Eles chegaram, conversaram comigo, me levaram para Uberaba e depois vim para cá. Fui bem recebida, fui ao médico, dentista. Faço tudo que gosto, tenho meu dinheiro. Sou feliz de estar morando aqui”, contou Ângela.
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ICASU
Em entrevista ao Diário, Antônio Naves, presidente da Icasu, explicou que a instituição foca na reconstrução da vida das vítimas. “Elas chegam aqui sem família biológica, então estamos construindo uma família para elas. São muito apegadas uma à outra. Damos todo o carinho e atendimento necessário. Nos sentimos realizados em poder atender e fazer a diferença na vida delas”, afirma Naves.
A entidade assistencial e beneficente atua desde 1967 na formação do cidadão, realizando projetos de acolhimento, educação e encaminhamento.
Atualmente, realiza seis projetos: Jovens Cidadãos, Jovem Aprendiz, Vida Nova, Resgatar, Ponto Final e Acolher. Cada projeto atende a um público-alvo específico com ações de atendimento gratuito e acompanhamento constante, reafirmando seu compromisso com a transformação social e o bem-estar dos indivíduos.
RESGATES
O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Paulo Veloso destacou a importância das operações de resgate, que envolvem o MPT, auditoria fiscal do trabalho e órgãos de segurança pública. “Uma vez constatado o trabalho análogo ao de escravo, o trabalhador é retirado daquela condição, há o acerto das verbas trabalhistas e das indenizações cabíveis”, explicou.
“Nos últimos anos, houve um esforço significativo para combater o trabalho análogo ao de escravo no setor sucroalcooleiro, resultando em diversos resgates de trabalhadores. Além disso, há registros de trabalhadores resgatados nos setores de construção civil e no ambiente doméstico na região”, disse o profissional.
O grupo móvel que faz as operações é organizado a partir de um planejamento estratégico ou denúncia específica. Eles inspecionam as condições de trabalho e, ao constatarem a prática de trabalho análogo ao de escravo, retiram o trabalhador daquela situação, cessando o vínculo empregatício e assegurando o acerto das verbas trabalhistas e indenizações cabíveis.
“O empregador pode regularizar a situação extrajudicialmente por meio da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Caso não concorde, o MPT ajuíza a ação civil pública cabível. As hipóteses de trabalho escravo incluem trabalho forçado, condições degradantes, servidão por dívida ou jornada exaustiva”, explicou Paulo.
As denúncias podem ser feitas pelo site do MPT ou pelo telefone 3131-3100.