Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
29/06/2022 às 14h51min - Atualizada em 29/06/2022 às 14h51min

ABORTO LEGAL: quase 40 mulheres realizaram o procedimento em Uberlândia nos últimos dois anos

Procedimento, realizado pelo Hospital de Clínicas da UFU (HC-UFU), através do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual, é direito garantido em casos de risco à saúde da gestante e abuso sexual

IGOR MARTINS I DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Apesar de permitido em certos casos, o procedimento ainda é alvo de julgamentos, aponta psicóloga ouvida pelo Diário I Foto: PIXABAY
Discussões sobre o chamado “aborto legal” ganharam grande repercussão no Brasil nas últimas semanas. Em Uberlândia, nos últimos dois anos, quase 40 procedimentos abortivos foram autorizados e realizados legalmente, segundo o Ministério da Saúde. No SUS, o processo é feito pelo Hospital de Clínicas da UFU (HC-UFU), através do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas).
 
De acordo com a professora de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Neiva Flávia de Oliveira, o procedimento é autorizado em três situações: abuso sexual, risco à vida da mulher e em casos de o feto ser anencefálico. O Sistema Único de Saúde (SUS) em Uberlândia foi responsável por fazer 27 abortos em 2020 e mais 12 em 2021. Neste ano, até abril, um procedimento já havia sido realizado. Os dados do Ministério da Saúde apontam ainda que 372 mulheres interromperam a gravidez legalmente entre 2020 e 2022 no estado de Minas Gerais, e em todo o Brasil, o número chega a 4.785.
 
Segundo a professora, o aborto foi estabelecido como crime no Brasil em 1940, conforme o artigo 128 do Código Penal, mas, caso a mulher se enquadre em alguma das três situações já citadas, ela tem o direito de realizar o procedimento gratuitamente por meio do SUS. Caso a gestante se enquadre nas situações previstas, basta procurar o Hospital de Clínicas e informar o desejo de realizar o aborto. Em casos de estupro, não é necessário realizar Boletim de Ocorrência (BO) contra o autor. Caso a vítima queira denunciar o estuprador posteriormente, ela será orientada juridicamente no núcleo para dar continuidade ao processo.
 
“A vítima não precisa necessariamente de um BO para ter direito ao aborto legal. Ela precisa cumprir formulários com declarações, e nesse serviço ela vai narrar tudo o que ocorreu com ela com todo o sigilo garantido. A decisão de denunciar o estuprador vai depender apenas dela, até porque muitas mulheres se tornam vítimas de feminicídio depois de apresentarem uma denúncia”, explicou.
 
MACHISMO ESTRUTURAL
Ainda de acordo com a professora Neiva Flávia de Oliveira, o aborto ainda é um tema cercado de julgamentos e preconceitos no Brasil. Na visão da jurista, as vítimas de estupro são, em diversas ocasiões, tratadas como culpadas pelo crime, além de serem desacreditadas quando relatam um abuso.
 
“Nós vivemos em uma sociedade profundamente machista. Infelizmente, as pessoas ainda naturalizam que as mulheres não devem, não podem ou não têm capacidade de decidir por si aquilo que elas mesmas viveram. A palavra da mulher é vista com desconfiança. A mulher diz que foi vítima de estupro e a primeira reação da sociedade é duvidar. Eu desconheço uma mulher que denunciou um estupro que não tenha sido vítima disso”, disse.
 
Além da sensação de dúvida de boa parte da sociedade, Neiva acredita que várias vítimas são questionadas até mesmo por familiares e profissionais do Poder Judiciário, o que, na opinião da professora da UFU, mostra que o aborto precisa ser discutido com mais seriedade no país.
 
“O estupro é a pior violência que existe, porque é você ter o seu corpo invadido. A vítima conta para a família e a família desacredita, quando ela vai procurar atendimento e é questionada onde ela estava e se ela não foi culpada pelo crime. Precisamos acolher as mulheres. O Brasil é um país violento para as mulheres, elas têm o direito de serem acolhidas com afeto”, afirmou Neiva.
 
ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO
Em entrevista ao Diário, a psicóloga do Nuavidas, Luzia Silva dos Santos, afirma que o número de abortos legais feitos em Uberlândia ainda representa uma pequena parcela em comparação ao número de atendimentos feitos na unidade. O espaço oferece apoio psicológico e jurídico às vítimas de violência sexual.
 
O atendimento começa no Pronto Socorro do HC-UFU, quando as vítimas recebem serviço médico voltado para a ginecologia, englobando a coleta de vestígios, profilaxia de doenças e identificação de possíveis Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) que podem ser sido transmitidas durante o ato. De acordo com a psicóloga, o atendimento é realizado 24 horas por dia.
 
A especialista ouvida pelo Diário explica ainda que após o atendimento inicial do HC-UFU, as mulheres são encaminhadas à Nuavidas, onde começa o acompanhamento psicológico e orientação jurídica, através de psicólogas, assistentes sociais e advogadas. O trabalho tem como o objetivo prevenir ou tratar transtornos decorrentes da violência, algo que é bastante comum em vítimas de estupro.
 
“Apesar de o aborto legal ser considerado um direito, várias mulheres são muito julgadas não só pela família, mas também por amigos. Durante o atendimento, essas vítimas relatam sentimento de culpa e vergonha. Por todo esse tabu que cerca o assunto, existe esse receio de conversar sobre a violência com outras pessoas, de falar sobre o aborto”, disse.
 
As sessões de terapia oferecidas pelo núcleo geralmente duram entre três e seis meses, mas podem durar mais de acordo com a complexidade de cada caso. De acordo com a psicóloga, o trabalho desenvolvido contribui para a melhor tomada de decisão da vítima, que pode seguir ou não com a gestação.
 
“O principal motivo para não seguir com a gestação ocasionada por estupro é de representar aquele momento e a vítima lembrar do estuprador. Mesmo mulheres que desejam ter filhos muitas vezes optam por não ter em uma circunstância de violência. Os outros principais motivos são a falta de condições financeiras e emocionais para cuidar do filho e também a ausência de desejo de ter um filho naquele momento”, detalhou.


• Compartilhe esta notícia no WhatsApp
• Compartilhe esta notícia no Telegram


VEJA TAMBÉM:
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90