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19/05/2022 às 11h10min - Atualizada em 19/05/2022 às 11h10min

Mães relatam horas de espera, negligência e diagnósticos errados em atendimentos a crianças nas UAIs de Uberlândia

Diário recebeu casos de pacientes que correram risco de morte após passar por avaliações equivocadas em unidades de saúde municipais

IGOR MARTINS
Bebê de apenas sete meses precisou esperar quase 6h para ser atendido I Foto: SECOM/PMU
Os atendimentos pediátricos das Unidades de Atendimento Integrado (UAIs) têm sido alvo de constantes reclamações por parte de moradores de Uberlândia. Mães entrevistadas pelo Diário relatam dificuldades ao buscar consultas para os filhos na rede pública municipal. As queixas revelam superlotação das unidades, negligência médica e até diagnósticos errados.
 
Em conversa com a reportagem, a comerciante Ariane Oliveira relatou que precisou buscar atendimento para a filha recentemente na UAI Morumbi. Maria Cecília, de apenas cinco anos, estava com sintomas gripais, apresentando febre constante, fraqueza e sinais de desidratação. A menina foi atendida no dia 18 de abril. 
 
A mãe contou que, inicialmente, o médico plantonista da unidade diagnosticou a paciente com sinusite. No entanto, ao voltar para casa, Ariane reparou que os sintomas da filha não cessaram mesmo com os medicamentos recomendados pelo especialista. A mãe voltou até a unidade uma semana depois e, dessa vez, o diagnóstico foi de uma “gripe comum”.
 
Novamente, Ariane e Maria Cecília voltaram para casa e os sintomas permaneceram. Foi aí que a mãe decidiu pagar uma consulta em um hospital particular, com o objetivo de ter um diagnóstico mais preciso com a realização de exames mais aprofundados. “Eu sei quando a minha filha não está bem. Paguei a consulta particular e a médica me disse que ela estava com uma meningite ou com alguma doença bacteriana ou viral”, detalhou.
 
A criança então foi encaminhada ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU) e, ao passar por exames, foi diagnosticada com covid-19. Pouco depois, Maria Cecília sofreu uma convulsão e precisou ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde ficou entubada por cinco dias.
 
Depois do susto, a menina teve uma melhora no estado de saúde e foi transferida para a enfermaria, segundo a mãe. Por conta das sequelas da covid, Maria Cecília segue internada e passa por sessões de fisioterapia para poder se movimentar.
 
“Se tivessem diagnosticado a minha filha antes, isso não teria acontecido. Hoje ela está fazendo fisioterapia e vai fazer uma ressonância para ver se tem alguma sequela. O diagnóstico deu que ela estava com encefalite pós covid. A infecção agravou tanto que atacou o cérebro. A médica disse que se eu demorasse um dia a mais, a minha filha poderia ter morrido”, disse.


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“FRESCURA DE MÃE”
Exatamente um mês após a primeira ida à UAI, a mãe reclamou sobre o atendimento prestado unidade do bairro Morumbi. Segundo Ariane, três profissionais diferentes atenderam a filha no local, com diagnósticos sempre diferentes e pouca clareza nas informações, além da falta de cuidados com a criança durante as consultas.
 
“Um dos médicos falou que era ‘frescura de mãe’, que a gripe é normal e agora é uma epidemia na cidade. A gente sabe quando nossos filhos não estão bem. Para atender na pediatria, tem que gostar de criança e ter amor à profissão. Felizmente a Maria Cecília está se recuperando bem, mas olha a situação em que ela chegou. Precisa fazer fisioterapia para andar, ela teve até problema de vista, não está enxergando direito”, relatou Ariane Oliveira.
 
HORAS DE ESPERA
Na última semana, a auxiliar administrativa Nayara Sthefany também passou por dificuldades em uma unidade de atendimento em Uberlândia. A mãe do Miguel, de apenas sete meses, contou à reportagem que demorou quase seis horas para ser atendida na UAI São Jorge. Além da espera, ela disse que o diagnóstico dado pela médica no dia foi impreciso.
 
“Eu cheguei na UAI São Jorge às 18h30 e estava muito lotado. O Miguel estava com febre de 40ºC e não deram preferência para ele. Nós conseguimos ser atendidos à meia-noite. A médica só mediu a febre e a pressão e falou que era uma virose, e que estava super normal na cidade. Ela mal observou o meu filho”, afirmou.
 
Mesmo com as medicações receitadas pela pediatra, o filho de Nayara continuou com febre e passou a apresentar novos sintomas, como a tosse. O bebê também teve conjuntivite durante o período, o que fez com que Nayara retornasse, dessa vez, à UAI Morumbi. A mãe disse que enfrentou nova demora no atendimento e só conseguiu que o bebê fosse consultado cerca de quatro horas após a chegada na unidade.
 
Outro problema relatado pela auxiliar administrativa foi o descaso de profissionais da rede com outros pacientes. Ela conta que muitos médicos estavam atendendo apenas casos de urgência. Revoltada, ela insistiu e foi atendida por um especialista da unidade, que pediu alguns exames para o diagnóstico.
 
”Depois de muito insistir, o médico da unidade pediu exames e constatou infecção urinária e de garganta. Ele disse que se demorasse mais um tempo, ia dar infecção generalizada. Se não tivéssemos insistido eles não iam atender o meu filho. O que é caso de urgência para eles? Qual é o critério? Quando fui na UAI diversas mães estavam com os filhos vomitando muito, desmaiando e as enfermeiras não fizeram questão de medir a febre das crianças. São muitos casos absurdos, eles não têm empatia”, reclamou a mãe.
 
CIRURGIA ÀS PRESSAS
Quem também passou por transtornos foi a tatuadora Joecia Reis, que precisou buscar atendimento para a sobrinha em uma unidade de saúde. A pequena Vitória, de oito anos, foi levada até a UAI Planalto na última semana com fortes dores abdominais e febre. Após ser atendida, o médico constatou que o caso poderia ser uma infecção de garganta. A criança voltou para casa com a receita de um anti-inflamatório, mas os sintomas persistiram.
 
Dois dias depois, a tia voltou com a menina na unidade e, dessa vez, o plantonista disse que as dores abdominais eram decorrentes de uma grande quantidade de fezes. No local, Vitória passou por uma lavagem intestinal, mas as dores não cessaram, o que gerou revolta na família. “A lavagem é um processo muito invasivo e ela é só uma criança de oito anos. No outro dia de manhã ela estava com muita febre de novo”, relatou Joecia.
 
Vitória precisou ser levada, agora pela terceira vez, à UAI Planalto, acompanhada desta vez pelos pais. O novo diagnóstico foi apresentado como apendicite. O problema é que a doença já estava supurada, processo que ocorre em pessoas que não procuram o tratamento médico com a rapidez necessária. Nestes casos, o apêndice pode romper e causar uma infecção generalizada no abdômen, provocando a falência de múltiplos órgãos e levar a pessoa a óbito.
 
“A Vitória chegou no hospital às 10h e até 16h30 ela ainda estava aguardando a ambulância para poder fazer a cirurgia no HC-UFU. Nós fomos para o hospital e a cirurgia foi longa, mas correu tudo bem. Foi negligência total dos médicos, porque nem exames fizeram direito. Temos que tomar providências, o recurso que a gente tem é a saúde pública. Está muito difícil”, disse.
 
O QUE DIZ O MUNICÍPIO
No último fim de semana, entre os dias 14 e 15 de maio, Secretaria Municipal de Saúde informou que por conta da escassa oferta de profissionais de pediatria em Uberlândia, houve alteração nas escalas de médicos disponíveis para atendimento. As mudanças ocorreram nas unidades Luizote, Morumbi, São Jorge e Roosevelt.
 
O Município também anunciou no último mês a transferência dos atendimentos pediátricos dos bairros Planalto e Martins para a UAI do bairro Luizote. A mudança também causou transtornos na vida dos moradores que buscam a unidade para assistência médica. Uma
reportagem do Diário de 21 de abril mostrou a realidade vivida por pais e mães com a absorção da demanda pela unidade.
 
A Prefeitura chegou a anunciar a abertura de vagas tanto para médicos pediatras quanto de outras especialidades, com convocação imediata pelas gestoras das unidades de atendimento integrado, SPDM e Missão Sal da Terra. 
 
Por meio de nota enviada nesta quarta-feira (18), a Secretaria Municipal de Saúde não comentou sobre os problemas citados pela reportagem. Apenas informou que tem buscado a contratação urgente de novos profissionais para a rede municipal de saúde. "As gestoras das unidades (SPDM e Missão Sal da Terra) estão com vagas abertas tanto para médicos pediatras quanto de outras especialidades, com convocação imediata".

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