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18/04/2022 às 14h38min - Atualizada em 18/04/2022 às 14h38min

Sem autorização para aplicação de medicamento em Uberlândia, famílias de crianças com AME relatam desafios no tratamento da doença

Cidade não possui autorização para manuseio da Spinraza; pacientes precisam se deslocar até Belo Horizonte para receber infusão

IGOR MARTINS
Instituto Viva Íris acolhe crianças com doenças degenerativas | Foto: INSTITUTO VIVA ÍRIS/DIVULGAÇÃO
Além de todos os desafios físicos, psicológicos e sociais causados pela Atrofia Muscular Espinhal (AME), a doença também possui algumas limitações durante o tratamento em Uberlândia. É isso o que apontam pacientes, famílias e médicos que convivem diariamente com a enfermidade no município. Segundo eles, a falta da autorização para aplicação de um medicamento na cidade dificulta o acesso ao tratamento ideal.  

Segundo o neurologista Diogo Fernandes, o medicamento Nusinersena, conhecido como Spinraza, é uma das medicações registradas no Brasil para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal. Em abril de 2019, o Ministério da Saúde anunciou a incorporação do remédio ao Sistema Único de Saúde (SUS). O grande problema, conforme dito por Diogo Fernandes, é que Uberlândia não possui autorização para fazer a aplicação intratecal em pacientes.

Dessa maneira, a única cidade mineira que está autorizada a aplicar a Spinraza em pessoas com AME é Belo Horizonte, no Centro de Referência do Hospital Infantil João Paulo II, o que acaba gerando dificuldades a essas pessoas e famílias, que precisam se deslocar várias vezes ao ano para a capital mineira, causando pioras clínicas nos pacientes.

“No Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), nós temos um ambulatório de doenças neuromusculares para que os pacientes tenham acesso a esse tratamento. A nossa luta, o que nós precisamos, é que Uberlândia seja reconhecida como um local apto para aplicar o medicamento. Quanto mais tardio for iniciado o tratamento, pior vai ser para o paciente”, disse o neurologista.

LUTA DIÁRIA
Diagnosticada com AME tipo 1 com um ano e cinco meses de idade, Emanuela Vieira Nóbrega iniciou o tratamento com a aplicação intratecal há cerca de dois anos. Com evoluções no quadro clínico graças à medicação, a criança de três anos é levada de quatro em quatro meses pela mãe à capital mineira, o que tem comprometido o orçamento da família.

“Todos nós vamos de ônibus. Eu, a Emanuela, meu marido e minha outra filha, porque não consigo deixar ela com outra pessoa. A infusão do medicamento acontece na coluna. Ela já passou mal dentro do ônibus depois de receber a medicação. É muito desconfortável para ela. Hoje eu vou de quatro em quatro meses, mas no início era de 15 em 15 dias”, disse.

Em depoimento à reportagem, Renata dos Santos Nóbrega falou que, além de precisar viajar de ônibus por mais de 1.000 quilômetros entre ida e volta, a família precisa arcar com acompanhamentos com fisioterapeutas e médicos.  O processo, em sua opinião, poderia ser facilitado caso a cidade de Uberlândia tivesse um centro de referência para doenças neurológicas. 

“Poderia ter aqui um hospital de referência de doenças raras. Nós sempre vamos em um dia e voltamos no outro. A próxima ida para receber o medicamento já está agendada, vai ser no dia 4 de maio. A gente vai, paga passagem de ônibus e precisamos dormir em um hotel, para ter acesso a uma medicação que não é oferecida aqui”, complementou Renata.

INSTITUTO VIVA ÍRIS
Quem também vivenciou todos esses problemas e dificuldades impostos pela AME foi Aline Giuliani. Ela é mãe da Íris, que foi diagnosticada com o tipo 2 da doença quando tinha apenas um ano e oito meses de idade. Mesmo com todas as barreiras, com inúmeras consultas médicas e procedimentos, ela conta que sua filha está cheia de vida. A partir disso, foi criado o Instituto Viva Íris, que acolhe crianças com a enfermidade.

O instituto é composto por uma clínica de fisioterapia e uma Organização Não Governamental (ONG), que propõe ações de inclusão e conscientização, através de ações voltadas para o treinamento locomotor, integração sensorial, psicomotricidade, psicopedagogia e atividades de realidade virtual.

De acordo com Aline Giuliani, o espaço conta ainda com projetos para todas as pessoas e famílias que convivem com a Atrofia Muscular Espinhal. Uma delas é a “Corrida AME”, um evento que tem como principal objetivo conscientizar a população em geral sobre a doença. O instituto também tem as iniciativas “Amor sobre 4 Rodinhas”, “Bloco do Xulé Xêroso”, “Projeto Lambeijo” e “Sorriso Dividido é Sorriso Multiplicado”.

Em conversa com a reportagem, Aline disse que o instituto tem como objetivo auxiliar as famílias e todas as pessoas que convivem com a doença. Nos últimos anos, ela afirmou que fez tudo o que estava ao seu alcance para poder ver o sorriso no rosto de Íris, e é justamente isso o que a criadora do espaço deseja ver em outras crianças.

“Quando a Íris foi diagnosticada com a doença, não havia opção de tratamento medicamentoso, não tinha uma equipe especializada na doença na cidade, então muitas vezes nós precisávamos ir para outras cidades. A Íris fez acompanhamento com neurologista de fora, e é frequente que a gente tenha que sair de Uberlândia para buscar atendimento. Fomos muitas vezes a Belo Horizonte, Rio de Janeiro e principalmente Curitiba”, disse.

Com a evolução da medicina, Aline Giuliani pede a atenção dos órgãos de saúde para a capacitação e distribuição de medicamentos na cidade de Uberlândia. Segundo ela, é importante que o Ministério da Saúde reconheça o município como um local apto a entregar o tratamento adequado às pessoas com AME, evitando os custos elevados com viagens e consultas em outras regiões.

“Nós temos condições de aplicar o Spinraza por meio de injeção intratecal em Uberlândia. Temos o Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), que tem profissionais capacitados para fazer isso. Uberlândia precisa de mais capacitação para atender essas doenças. Nós temos capacidade de acolher e de atender essas pessoas, mas não existe um interesse em melhorar essa estrutura”, relatou.

AME
A AME é uma doença rara e degenerativa. Segundo o Ministério da Saúde, a doença interfere na produção de uma proteína especial para o desenvolvimento de neurônios motores, que são responsáveis por ações como respirar, engolir e se movimentar. De acordo com o órgão, a enfermidade atinge entre sete a dez bebês em cada 100 mil nascidos vivos, sendo a maior causa genética de morte em crianças de até dois anos de idade.

O neurologista Diogo Fernandes explica que a AME possui quatro tipos distintos de classificação. Segundo ele, os sintomas vão aparecendo de acordo com a idade e com o grau de comprometimento dos músculos. Em conversa com o Diário, o médico afirmou que apesar de não existir uma cura para a doença, o tratamento atrasa o desenvolvimento da atrofia e melhora a qualidade de vida do paciente.

“A classificação da AME acontece em quatro níveis. Temos o tipo 1, quando a criança desenvolve os primeiros sintomas nos primeiros seis meses de vida. A AME tipo 2 é quando a criança não consegue andar sem algum apoio, com atraso motor. O tipo 3 é aquela criança que chegou a andar sem apoio, mas que evolui com dificuldade e com fraqueza muscular, e a tipo 4 é quando a doença se manifesta de maneira mais tardia, até mesmo em adultos”, relatou o médico.

QUESTIONAMENTOS
O Diário de Uberlândia entrou em contato com o Ministério da Saúde e solicitou um posicionamento sobre a falta de autorização da cidade para realizar as aplicações do medicamento. 

Além disso, a reportagem também procurou a Prefeitura de Uberlândia e a Secretaria de Estado de Saúde e questionou quais ações públicas são feitas para auxiliar as famílias que precisam se deslocar para outra cidade para realizar o tratamento, mas até a publicação desta matéria não houve respostas das partes. 


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* Matéria atualizada às 7h50 de 19/04 para ajuste de informações.

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