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08/08/2021 às 14h00min - Atualizada em 08/08/2021 às 14h00min

Pais comentam sobre paternidade após perderem esposas para Covid-19

Número de pais solteiros no Brasil representa cerca de 3,6% dos genitores

GABRIELE LEÃO
Washington Soares do Nascimento e a família comemorando o aniversário dos filhos | Foto: Arquivo Pessoal

O dia dos pais é sempre uma data muito especial. Mas em meio a uma pandemia e a tantos lutos, este ano, além de intensificar o significado da paternidade, Wlender de Oliveira Magdalena e Washington Soares do Nascimento vão passar a data sem uma parte importante da família: as mães. 

O pintor industrial, Washington Soares do Nascimento, foi casado por 17 anos com a cabeleireira Iara, de 32 anos. O namoro, que começou com a troca de olhares e com a familiaridade da vizinhança, logo deu o play para a família. A união rendeu cinco filhos, sendo um de quatro anos, um de oito anos, as gêmeas de nove anos e a mais velha de 16 anos.

Mas, infelizmente, em meio a pandemia, a aliança da família foi interrompida. "São cinco meses sem a minha esposa e tudo aconteceu tão rápido que não tivemos tempo de nos preparar. Iara teve Covid-19 e em menos de 10 dias após a contaminação, ela veio a óbito. Hoje, a última lembrança que minha família tem é dela entrando na ambulância sem ar", contou. 

A família se uniu para viver e sobreviver ao luto. “Eu e meus filhos sempre fomos muito unidos. Sempre fui muito brincalhão e estive muito presente na vida deles”, explicou o pintor. 

Essa também não é uma realidade muito diferente do segurança Wlender de Oliveira Magdalena. Há exatos 67 dias, ele perdeu a grande companheira da vida: Gisele. “Tive os primeiros sintomas de coronavírus e precisei ser internado. Dois dias depois, Gisele começou a ter os sintomas. Na mesma hora pedi para o médico me dar alta, pois eu precisava cuidar da minha esposa. Mesmo contra as recomendações médicas, eu não conseguia ficar no hospital preocupado com ela. Depois que sai, ela passou por uma consulta e os médicos passaram alguns medicamentos. Mas não foi suficiente. Minha esposa ficou internada e entre idas e vindas do hospital, ela ficou 21 dias internada. Ela entrou e nunca mais saiu”, contou.

Os filhos são as lembranças que ficaram. Bárbara, de 16 anos, e Bruno, de 11, eram o elo mais forte entre o casal. “Por causa da minha rotina como segurança, o Bruno dormia com a Gisele e, agora com a nossa nova vida, ele costuma dormir comigo. Sempre que a saudade aperta, dou um jeito de ficar ainda mais perto dos meus filhos. Essa é a maneira que encontramos de viver, um dia após o outro”, comentou.

Essa é uma nova realidade, não é fácil viver essa experiência. A casa ficou vazia e precisei mudar os moveis de lugar, para cessar a lembrança e a saudade”. O segurança ainda lembrou da última conversa com a esposa. “Fizemos uma chamada de vídeo, e ela dizia que me amava, me deu orientações para cuidar da nossa gata e dos afazeres da casa. Se eu soubesse que aquela era a última vez, eu teria aproveitado mais”, contou emocionado.

PAIS SOLTEIROS
Segundo o último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015, o número de pais solteiros no Brasil representa cerca de 3,6% dos genitores. Apesar de parecer baixo, o percentual cresceu 16% em dez anos, se comparado ao levantamento anterior feito pelo órgão.

Esse crescimento reflete no número de pais solteiros, divorciados ou viúvos, que têm buscado um lugar para morar só, acompanhados ou não de seus filhos. Os dados divulgados pelo IBGE mostram que durante a quarentena decretada pela pandemia do novo coronavírus , em 2020, a quantidade de pessoas vivendo só aumentou 18,7%. Ainda, de acordo com o instituto, em dez anos este número cresceu de 10,4% para 14,6%.

MUDANÇA DE AMBIENTES
Samara Carvalho é arquiteta e fala que, no início deste processo, é importante considerar que a arquitetura e a decoração do lar devem ser pensadas como aliadas, para facilitar o processo de transição entre uma casa e outra. “A criança precisará se familiarizar com o novo espaço, então é importante que ela tenha itens pessoais ali: roupas, toalhas etc. De modo que não seja preciso ficar carregando malas entre as casas, causando a sensação de andarilhos sem lar”, destacou.

Ela ainda completou: “O lar interfere na vida dessa família e é importante salientar que a criança precisa de estrutura em casa para tratar essa perda. Esse espaço da casa vai ser sempre uma memória da família original e de certo modo, muita gente prefere não mexer nessa estrutura por estar vivendo o processo do luto, mas vai chegar um momento que as coisas vão mudar e será necessária essa nova adaptação”, complementou.

Washington Soares do Nascimento contou que para proporcionar uma melhor rotina para os filhos, resolveu se mudar. “Claro que viver o luto não está sendo fácil e conviver com a casa sem a presença dela tem sido doloroso para todos. Por isso, recentemente, resolvemos nos mudar, para deixar o vazio para trás. Procurei uma casa mais perto dos meus familiares, até mesmo para situações de emergência”, disse.

Já Wlender precisou mudar os ambientes da casa onde vive com os filhos, e até mesmo reformou o quarto deles. “A saudade é muito dolorida. Viver num lugar onde a presença de outra pessoa é tão viva machuca muito. Uma das primeiras coisas que fiz foi mudar os móveis de lugar e realizar um dos últimos desejos da Gisele, que era reformar o quarto dos nossos filhos. Fiz isso para que ela sentisse orgulho de mim e que isso me deixasse mais perto da presença dela”, encerrou. 

DIA DOS PAIS
A data comemorada neste domingo (8) agora carrega um novo significado para ambos os pais. “Estou vivendo uma nova experiência ao ser pai, viúvo, e o responsável pela minha família. Sem dúvidas, esse papel é muito mais tranquilo e mais fácil quando se tem uma mãe ao lado. Hoje, sou pai, mãe, abrigo e família. Meus filhos são o meu maior presente, e a lembrança mais viva que ficou da Gisele na minha vida. Acho que isso é mais do que paternidade”, finalizou Wlender.

 

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