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03/09/2020 às 12h49min - Atualizada em 03/09/2020 às 12h49min

Operadoras de planos de saúde geram reclamações de pacientes com autismo

Ação civil pública conjunta entre MPF e MPE cita empresas de Uberlândia e cobra cobertura em atendimentos

DHIEGO BORGES
ANS também é ré na ação judicial movida pelo Ministério Público de Uberlândia | Foto: Agência Brasil
Desde que o filho foi diagnosticado com autismo, a funcionária pública Patrícia Freitas, de 47 anos, tem encontrado dificuldades para garantir o tratamento para a criança com a cobertura do plano de saúde que mantém há 12 anos. Os obstáculos se tornaram objeto de uma ação na Justiça para tentar reverter a situação e reaver o atendimento para o garoto, que está há aproximadamente um ano sem o tratamento adequado.  

Diagnosticado aos três anos com a doença, que não tem cura, a criança, hoje com oito anos, necessita de acompanhamento constante com equipe multidisciplinar incluindo fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, musicoterapia, equoterapia, psicomotricidade e atendimento psicológico. Segundo a mãe, o caso foi considerado como atraso global do desenvolvimento e envolve dificuldades relacionadas à fala, linguagem, interação social, restrição alimentar, sensibilidade sensorial e agitação motora, entre outros. 

Com laudos de dois neuropediatras indicando o tratamento, Patrícia disse à reportagem que buscou atendimento do plano de saúde da Unimed Belo Horizonte. “Iniciamos o tratamento e terapias assim que ele foi diagnosticado. Mas, é muito caro e específico e a Unimed não dispõe desses profissionais habilitados no seu quadro. No particular é tudo muito caro e não conseguimos mais pagar”, conta a mãe.

Ainda de acordo com Patrícia, o valor do tratamento sem a cobertura do plano de saúde custa mais de R$ 4 mil por mês. Em julho do ano passado, ela entrou com a ação em desfavor da empresa e com uma liminar para o início imediato, até que houvesse conclusão do processo. A liminar foi concedida, mas a fornecedora recorreu da decisão e conseguiu a suspensão da maior parte do tratamento em outubro de 2019. 

Segundo a advogada do processo, Tharita Gontijo, na época a empresa alegou que tinha os profissionais aptos e que a mãe da criança havia optado pela rede particular para pedir reembolso. Mas, segundo a defensora, a Unimed BH não indicou onde estão os profissionais habilitados para fazer o atendimento de crianças com o mesmo problema. “Em Uberlândia, não há profissionais aptos para fazer esse tratamento”, argumentou. 

Reclamações recorrentes
Casos como o de Patrícia têm sido foco de diversas representações judiciais em Uberlândia contra empresas fornecedoras de planos de saúde. A advogada contou ao Diário que tem recebido solicitações constantes de pais com filhos autistas que também enfrentam problemas para conseguir cobertura das empresas. 

No fim de agosto, ela entrou com três pedidos no Ministério Público Estadual (MPE) citando casos de diversas crianças com necessidades urgentes que não estavam sendo atendidas. As principais reclamações dos pais dizem respeito à limitação de sessões terapêuticas por parte dos planos de saúde. Além disso, segundo a advogada, as empresas também alegam que alguns atendimentos que seriam tidos como obrigatórios não são listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).  

“A lei 9.656 de 1958 fala da obrigatoriedade da cobertura das doenças listas na classificação estatística internacional de doenças, criada pela OMS, e uma delas é o autismo. Então o plano de saúde não pode intervir na determinação do médico e mudar o tratamento ou dizer que não está no rol da ANS ou ainda que não há profissionais aptos. O rol da ANS é uma lista recomendações, onde não estão listadas todas as doenças”, disse. 

O Diário de Uberlândia procurou a Unimed BH, que por meio de nota informou que “todo o tratamento de pacientes portadores de Transtorno do Espectro Autista (TEA) são autorizados de acordo com o rol de procedimentos da ANS, em conjunto com as diretrizes de utilização para cobertura de procedimentos na saúde suplementar”. Esclareceu ainda que “todos os procedimentos cobertos pelo rol e necessários ao beneficiário citado na reportagem estão sendo realizados de forma contínua; e que por não terem comprovação científica e eficácia validada, os métodos experimentais não fazem parte do rol de procedimentos da ANS, sendo assim, não têm cobertura contratual”.

Ação civil pública cobra mudanças
As representações deram origem a uma ação civil pública conjunta, encabeçada pelos ministérios públicos Estadual e Federal de Uberlândia que está em andamento na Justiça. Entre as empresas citadas estão Unimed Uberlândia, Amil e SulAmérica.  

O documento solicita que as operadoras de planos de saúde não restrinjam ou limitem a quantidade de sessões terapêuticas receitadas a pacientes com Transtorno do Espectro Autista, além de pagamento de danos materiais e morais no valor de R$ 2 milhões.

A ação também foi impetrada contra a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pede que o órgão modifique a resolução n° 428/2017, que dispõe sobre o rol de procedimentos que constitui a referência para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde. 

Segundo o documento, a ANS deve editar nova resolução específica para protocolos clínicos específicos e eficazes no tratamento do autista. A ação civil pública é assinada pelos promotores de Justiça Fernando Martins e Lúcio Flávio de Faria, além do procurador Cléber Eustáquio Neves. Nesta quarta-feira (2), o promotor Fernando Martins confirmou à reportagem que a ANS já foi intimada, mas ainda não há decisão da Justiça. 

O Diário de Uberlândia entrou em contato com as citadas na ação civil. A Amil informou que não recebeu notificação da ação até o momento e que segue à disposição dos órgãos oficiais para esclarecimentos. A SulAmérica disse que não comenta processos judiciais em andamento. A Unimed Uberlândia não respondeu até a publicação. 

ESTADO DE GOIÁS
No fim do mês de julho, a ANS emitiu um comunicado para todas as operadoras de saúde do estado de Goiás suspendendo todas as limitações das sessões terapêuticas destinadas a pacientes com autismo. A determinação atende a uma decisão da Justiça, divulgada em março deste ano, e considera uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do estado. 

De acordo com o documento, os planos de saúde não poderão mais restringir procedimentos de saúde e consultas com psicólogo, psicoterapeuta ocupacional e fonoaudiólogo, sendo obrigados a oferecer a cobertura aos pacientes com autismo. A decisão é válida para todo o estado de Goiás. 

O OUTRO LADO
Ao ser procurada pela reportagem, a ANS disse que não iria se manifestar sobre a ação judicial. No entanto, esclareceu sobre os atendimentos das operadoras de saúde quanto aos pacientes com autismo. Veja a íntegra abaixo:

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não comenta ações judiciais em tramitação. Neste sentido, quaisquer questões relativas à referida a reivindicação do Ministério Público Federal de Uberlândia e do Ministério Público de Minas Gerais serão tratadas no âmbito da própria ação que está em curso. 

A reguladora esclarece, contudo, que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, estabelecido pela RN nº 428/2017, garante aos beneficiários de planos de saúde em tratamento para o autismo cobertura de diversos procedimentos, dentre os quais podemos destacar: 

- CONSULTA MÉDICA, em número ilimitado, para todas as especialidades médicas reconhecidas pelo CFM, conforme Portaria CME nº 1/2018, aprovada pela Resolução CFM nº 2221/2018, incluindo, dentre outras, as especialidades PEDIATRIA, PSIQUIATRIA e NEUROLOGIA; 

- REEDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO NO RETARDO DO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR, sem limite de sessões; 

- REEDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO NEUROLÓGICA, sem limites de sessões; 

- REEDUCAÇÃO E REABILITAÇÃO NEURO-MÚSCULO-ESQUELÉTICA, sem limite de sessões; 

- CONSULTA COM FISIOTERAPEUTA (COM DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO):Cobertura obrigatória de 2 consultas de fisioterapia, por ano de contrato, para cada novo CID apresentado pelo paciente, e consequente necessidade de construção de novo diagnóstico fisioterapêutico; 

- CONSULTA/SESSÃO COM PSICÓLOGO E/OU TERAPEUTA OCUPACIONAL (COM DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO): Cobertura mínima obrigatória de 40 consultas/sessões, por ano de contrato; 

- CONSULTA/SESSÃO COM FONOAUDIÓLOGO (COM DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO): Cobertura mínima obrigatória de 96 consultas/sessões, por ano de contrato; 

- ATENDIMENTO/ACOMPANHAMENTO EM HOSPITAL-DIA PSIQUIÁTRICO (COM DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO): Cobertura obrigatória de acordo com o médico assistente, de programas de atenção e cuidados intensivos por equipe multiprofissional, inclusive administração de medicamentos. 

Sendo assim, como explicitado acima, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde vigente já contempla ampla gama de procedimentos que visam a assegurar a assistência multidisciplinar dos beneficiários portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além disso, é importante frisar que o Rol atual determina um número mínimo de sessões que devem ser obrigatoriamente cobertas pelos planos, sendo, por exemplo, de 96 sessões por ano com fonoaudiólogo e 40 sessões por ano com psicólogo ou terapeuta ocupacional. Já as consultas com médico psiquiatra, bem como o atendimento em hospital-dia e as sessões de reeducação e reabilitação, em quaisquer das modalidades acima descritas, são ilimitadas. 

Cabe esclarecer que esta é a cobertura mínima obrigatória, logo, os planos de saúde são livres para oferecer, por sua liberalidade ou por expressa previsão contratual, cobertura maior do que a mínima definida pela ANS através do Rol de Procedimentos. 

Neste sentido, é importante pontuar que não há, por parte da ANS, qualquer normativo que limite o número máximo de sessões a serem ofertadas pelas operadoras de planos de saúde.  

A Agência esclarece, por fim, que a incorporação de novos procedimentos ao Rol, assim como a alteração das Diretrizes de Utilização atualmente vigentes está normatizada pela RN nº 439/2018 e a atualização ocorre a cada dois anos, com ampla participação da sociedade. É importante destacar que o processo de incorporação de novos procedimentos obedece a critérios científicos comprovados de segurança, eficiência e efetividade. Os procedimentos incorporados são aqueles nos quais os ganhos coletivos e os resultados clínicos são mais relevantes para os pacientes. Mas a inclusão de tecnologias é sempre precedida de rigorosas análises no contexto da saúde suplementar, especialmente no que tange à sua viabilidade, alinhamento com a política nacional de saúde, capacidade instalada/disponibilidade de rede prestadora, disponibilidade de recursos, bem como de um debate amplo e democrático com todos os atores da Saúde Suplementar.


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