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01/09/2020 às 07h47min - Atualizada em 01/09/2020 às 07h47min

Augusto César Ferreira e Souza

ANTÔNIO PEREIRA
Augusto César foi o deputado provincial que defendeu nossa pretensão de emanciparmo-nos como sede de município. Éramos, então, distrito de Uberaba. E conseguiu.

Terminado seu mandato, mudou-se para Uberabinha, candidatou-se a vereador à primeira Câmara, foi eleito e escolhido presidente da Casa e, como tal, agente executivo. O agente executivo era o vereador escolhido pela Câmara para administrar o município. Não havia prefeito.

Nasceu em Três Pontas, estado de Minas Gerais, aos 24 de maio de 1845, filho de João Batista Ferreira e Urbana Carolina Branquinho.

Em 1850 mudou-se para Franca, onde ajudou os pais trabalhando na lavoura. As primeiras letras quem lhe ensinou foi um soldado da polícia, seu amigo. Aos 18 anos começou a trabalhar por conta própria como professor.

Em 1865 alistou-se espontaneamente para servir na Guerra do Paraguai seguindo a tropa até Santana do Paranaíba, onde foi acometido de malária e dispensado. Faleceu em Araguari, em 1908.

Em algum momento de sua vida, ele conta num artigo parte de sua existência. Esse artigo deve ter sido publicado em algum jornal e foi transcrito, no dia 26 de janeiro de 1930, no jornal “A Tribuna”, n. 481. O jornal não diz de onde o copiou. E nós o transcrevemos aqui para que se conheça alguma coisa sobre essa personalidade das mais importantes da história de Uberlândia:
 
                               “Alistei-me voluntário em 1865, tendo seguido ao lado das forças legais em campanha para o Paraguai até Sant’Anna do Paranaíba, ali recebendo baixa e voltando a Franca, por ter apanhado uma febre intermitente que até hoje periodicamente me acomete.
                               Aos 18 anos ensinei, em aula particular, a 40 e tantos alunos, as primeiras letras. Aos 20 era jurado na Franca, sendo suplente de 1871 a 1872 no Sacramento julgando muitas causas. Fui Escrivão de Paz interino em Santo Antônio da Rifaina, São Paulo, de 1869 a 1871. De 1890 até hoje sou jurado em Uberabinha, tendo sido suplente nesta cidade de Araguary em dois anos. Advogando desde 1873 até hoje tenho defendido gratuitamente muitas dezenas de criminosos, entre estas muitas praças de polícia de Minas e São Paulo
                               Amigos, ou que julgara o serem, defendi sem retribuição muitos entre estes funcionários públicos, em diversos lugares. Desde 1872 até 1890, fui Vereador e a mor parte presidente da Câmara Municipal de Sacramento neste Estado, onde também exerci cargos (gratuitamente) de Delegado de Polícia e Adjunto de Promotor Público pelo espaço de 15 anos. Este último cargo tenho exercido interinamente sem retribuição dos cofres do Estado.
                               Eleito Deputado Provincial no biênio l888-l889, embora sem preparo intelectual, representei um dos Distritos da antiga Província de Minas Gerais, com partidos bem disciplinados e honorificadores de um mandato.
                               Fui nomeado primeiro Promotor Público desta comarca, em sua instalação, não aceitando o cargo por dever de consciência, pois entendia que a um filho do lugar competia o início da justiça na Comarca.
                               De 1892 a 1895, fui Agente Executivo Municipal de Uberabinha, cargo que exerci sem outro intuito que o de ser útil ao Município, podendo apelar para todos os homens honestos e justos da Comarca sobre meu procedimento.
                               Como advogado desinteressado (embora sem competência alguma), desde 1873, poderia sem receio algum pedir o “veredictum” de magistrados como os drs. A. T. de S. Magalhães, José Manuel Pereira Cabral, Francisco de O. Pinto Dias, João Baptista Rabello de Campos, Zeferino de Almeida Pinto, infelizmente falecidos, mas que foram brilhantes constelações que figuraram no firmamento da magistratura, quando era prestigiada pelo poder, pela educação do povo e pelos que ainda vivem - dr. Joaquim A. P. Alves, e especialmente o ilustre e íntegro Juiz de Direito desta Comarca, dr. Domingos Pimentel de Ulhôa. Jamais poderia dizer que uma só vez deixei-me dominar pelo poder venal do ouro, graças a Deus. Jamais o infeliz preso e criminoso deixou de ter por si a minha voz fraca, incompetente, mas pronta e desinteressada durante 33 anos de peregrinação pelo campo do Direito e da Justiça.
                               Desde 1862 escrevo para a imprensa tendo diversas coleções de artigos de cunho moral e social. Admiti sempre em meu escritório grande número (superior a 30 rapazes) de indivíduos como aprendizes unicamente para abrir-lhes carreira. Finalmente tenho sido o “flagello” dos déspotas arrogantes e injustos, pusilânimes.
                               Fui Delegado Literário e Inspetor Literário do Araxá e Sacramento. Nomeado diversas vezes oficial superior da Guarda Nacional, jamais aceitei as nomeações, fazendo-as recair em amigos que merecessem essas distinções e mesmo por ser inimigo de qualquer manifestação que pusesse em relevo minha individualidade.
                               No exercício de minha única e modesta profissão jamais tentei e nem turbei direitos que os colegas adquirissem pelos contratos com seus constituintes, sendo sempre (apelo para o juízo de Deus que me ouve) o mais leal com todos.
                               Como lavrador iniciei a cultura do café no Sacramento deixando ali uma propriedade com 20.000 pés de café e diversas casas edificadas por mim ali e em outros lugares de Minas e São Paulo onde tenho residido.
                               Tenho exercido na maior escala o direito de agasalhar todos que me procuram no espaço de 45 anos sem a retribuição de um real.
                               Pai de família, poderei com orgulho dizer que bem poucos terão enfrentado uma luta constante para criar e educar dezenas de filhos, netos e pupilos expostos estes aos azares da sorte.
                               Militando em política no Império, ao lado do Partido Conservador, servi e exerci funções múltiplas até nas mesas eleitorais de qualificação com escrúpulos respeitadores dos direitos dos adversários. No desempenho dos cargos de confiança aliava o cumprimento do dever ao respeito devido ao adversário e de tal modo que sempre me considerando intransigente em princípios, jamais adquiri inimigos políticos tendo, ao contrário, muitos amigos e afeiçoados no campo adversário.
                               Caído o Império retirei-me à vida íntima convencido de que o meu desligamento de todo e qualquer grupo era um ato de patriotismo e consciência considerando como meritório o meu isolamento do cadastro eleitoral.
                               Franco sempre na manifestação do pensamento, tenho adquirido muitos desafetos, o que considero como honroso à minha pessoa, pois que jamais alimentei a hipocrisia.
                               Em reúno, se não sou um cético, alimento a convicção de que a sinceridade pessoal e política na época é um mito que campeia em todas as classes sociais, como o verme rói os resíduos das podridões.
                               .......................................................
                            Como esposo fui desvelado e extremoso para com a esposa querida e chorada, muito embora essa contingente fraqueza humana que não abre senão raríssimas exceções, não me julgasse impecável e sujeito aos avisos da consciência para erros cometidos.
                               Jamais abusei da confiança dos meus comitentes nos contratos de valores não determinados recebendo sempre módicas retribuições à vontade dos clientes. A usura nunca achou agasalho em meu espírito que foi também sempre avesso à ambição do ouro.
                               Só tendo bem nítida a consciência de que avanço, que diante da corrupção avassaladora da consciência humana, da depressão do caráter individual (salvo honrosíssimas mas raríssimas exceções) os serviços que ofereço em minha Fé de Ofício nenhum valor tem nos tempos que correm porque faltam-me dois elementos primordiais para ser admirado e executado: o ser rico e bajular o poder e os fortes, mas ...”

 
                               (OBS: Transcrevi desprezando a ortografia da época)  



 
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