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09/06/2020 às 13h35min - Atualizada em 09/06/2020 às 13h35min

Páginas de denúncias ganham espaço nas redes sociais em Uberlândia

Modalidades vão de queixas de interesse público até delação de infidelidade por casais da cidade

DHIEGO BORGES
Perfil posta imagens de uberlandenses em confraternizações, desrespeitando recomendações de distanciamento social | Foto: Reprodução/Instagram
Foi-se o tempo em que as redes sociais eram utilizadas apenas como ferramentas de pura interação social. Além de debates políticos acalorados, outra tendência nos ambientes virtuais tem sido o uso deles para denúncias dos mais variados tipos. O Diário de Uberlândia identificou ao menos quatro páginas criadas nas últimas semanas para delatar condutas vistas como incorretas por esses perfis.  

Uma dessas páginas denuncia o descumprimento ao isolamento social por parte dos uberlandenses. O perfil no Instagram “Vacilos Covid Udi” incentiva os seguidores a relatarem estabelecimentos e pessoas que estão ignorando as regras da quarentena, recomendadas pelos órgãos públicos locais. As pessoas expostas nas imagens não são identificadas. 

A página tem diversas publicações de vídeos, fotos e outros tipos de posts com festas e reuniões particulares sendo realizadas, além de denúncias de bares e estabelecimentos que estariam descumprindo as normas impostas pelo Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19.


O Diário entrou em contato com a Prefeitura de Uberlândia questionando se o Município monitora essas páginas ou apura as denúncias publicadas por esses perfis, mas a Prefeitura não respondeu ao questionamento. 

Em nota, o Município informou somente que as denúncias devem ser encaminhadas oficialmente ao Procon pelo WhatsApp (34) 9 9774-0616, e-mail [email protected] ou ainda pelo site faleprocon.uberlandia.mg.gov.br.

Fotos e vídeos dos uberlandenses são expostos durante pandemia | Foto: Reprodução Instagram

Casos de infidelidade

Outra modalidade de “denúncia” tem sido utilizada por perfis que dizem delatar pessoas infiéis na cidade. O perfil “Infiéis Udia” havia sido criado no Instagram para posts com acusações de possíveis casos extraconjugais. As acusações estavam sendo recebidas por meio de mensagens diretas e depois postadas publicamente como um tipo de “alerta”. 

Em um dos relatos, um dos seguidores detalhava: “terceiro período de ADM no Pitágoras trai a namorada dele direto no estacionamento com a [nome borrado] da sala dele! Depois disso, busca a namorada na Unitri! Sorte dela que na quarentena ele deve estar maneirando nos chifres [emoticon de risada], só não contei pra ela porque não conheço”. 

Já em outra mensagem, uma seguidora faz um alerta. “Tem uma [SIC] que chama [nome borrado]. Fica dando de amiga das meninas que namoram e depois dá em cima dos homens. Fez isso comigo, com a minha amiga, com a irmã da minha amiga e fazia isso desde que namorava com meu ex [...] Ela é baixa, loira e se faz de boa moça, mas é uma [SIC]”, afirma o relato anônimo. 

A página ficou ativa por alguns dias no mês passado, mas já foi retirada do ar. 


Página no Instagram recebia relatos de relações extraconjugais na cidade | Foto: Reprodução/Instagram 

Fraudes no sistema de cotas
Na última semana, algumas publicações feitas por meio de perfis na rede social Twitter e também no Facebook chamaram a atenção. Dezenas de estudantes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) tiveram suas fotos expostas em páginas como “Usuários Cotas Uberlândia - UFU" e “Fraudadores de MG”, que foram desativadas recentemente. Os posts apontam os universitários como possíveis fraudadores do sistema de cotas da universidade.

Em uma das páginas, as denúncias são incentivadas com uma mensagem que assegura o anonimato. “Se você conhece algum branquelo que roubou a vaga de negros, pardos ou indígenas em alguma universidade pública de Minas Gerais nos mande na DM. Totalmente anônimo”, afirma a publicação. 

Além das imagens, os posts detalham informações dos estudantes como nomes, cursos e período de ingresso na instituição. Nos comentários, um dos seguidores, por meio de um perfil aparentemente falso, se manifesta: “Gente, vamos fazer essa galera branca perder a vaga”. 

A respeito das denúncias apontadas pelos perfis, a UFU disse em nota que realiza, desde o segundo semestre de 2017, a heteroidentificação dos candidatos a vagas reservadas para PPI (pretos, pardos e indígenas), previamente ao deferimento de matrícula, e que os candidatos são avaliados com base em critérios fenotípicos, de acordo com a Resolução nº 12/2018 do Conselho de Graduação.

Esclareceu ainda que todas as denúncias são apuradas por uma Comissão, que ao final do processo, se concluir que a ocupação é de fato indevida, faz o desligamento do estudante. Disse também que os processos são acompanhados pelo Ministério Público Federal (MPF) e que as de irregularidades podem ser encaminhadas para [email protected].

O sistema de cotas na UFU vigora desde 2013, sendo que até o primeiro semestre de 2017, a Universidade não utilizava o modelo atual de uma comissão que faz a heteroidentificação dos candidatos, bastando apenas a autodeclaração. Denúncias de casos de fraude começaram a ocorrer em 2014 e, desde então, são investigados pela UFU em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF).

Procurador da República diz que irá apurar denúncias
A respeito das denúncias apontadas pelas redes sociais, o Diário conversou com o procurador da República, Onésio Soares Amaral, que informou que elas serão apuradas, mas que já existia uma investigação em andamento a partir de uma recomendação feita pelo MPF, em que a Universidade se comprometia a fazer a verificação de todos os alunos que ingressaram pelo sistema de cotas de 2014 a 2017, período em que não havia a comissão de heteroidentificação. 
“Temos muitos casos ocorridos com indícios de fraude. Então, estamos passando uma peneira junto com a Universidade. Vamos rever todas as situações em que houve ingresso sem a avaliação da comissão. Os casos que estamos levando à Justiça são situações de flagrante abuso”, destacou o procurador.

As situações comprovadas de fraude podem acarretar sanções como pagamento do valor do curso, em caso de pessoas que já concluíram a graduação, indenização por dano moral e cancelamento da matrícula para ingressantes. 

A estimativa é de que cerca de 4 mil casos de ingresso na UFU por sistema de cotas, alguns deles com indícios de fraude, sejam reavaliados. O procurador destacou também que o maior número de fraudes é registrado em cursos mais concorridos como o de Medicina, por exemplo.

LEGALIDADE
A reportagem também conversou com o doutor em Direito Constitucional e professor da UFU, Alexandre Walmott Borges, a respeito da legalidade das denúncias citadas na matéria.  O especialista esclareceu que é preciso avaliar caso a caso. 

As denúncias de interesse social, como a situação das cotas raciais, em que as imagens utilizadas são públicas, podem ser consideradas legítimas levando em consideração a Lei de Acesso à Informação, que obriga as instituições públicas de ensino a divulgarem dados sobre seus processos seletivos e critérios utilizados no ingresso às universidades.

No entanto, o professor esclarece que é preciso considerar o conteúdo da denúncia. “Se os dados são públicos não é possível invocar a inviolabilidade da vida privada. Mas, a depender da linguagem utilizada, vinculada a sua imagem, o indivíduo que se sentir prejudicado pode mover uma ação de danos morais caso haja ofensa contra a honra como calúnia, injúria e difamação”, destacou.

A respeito das denúncias de infidelidade publicadas pelo perfil citado na reportagem, Alexandre disse que esse tipo de publicação pode gerar consequências. 

 
“As relações matrimoniais não têm necessidade ou obrigação de serem veiculadas publicamente, interessam apenas ao casal. Então qualquer terceiro que venha expor vida conjugal ou relacionamento extraconjugal terá que arcar com as consequências financeiras de uma reparação por dano moral. Não há nenhuma razão de ordem pública para este caso e caberia reparação das duas partes, tanto em favor do acusado de infidelidade como a pessoa acusada de ser amante”, esclareceu o professor. 

O especialista lembrou também o artigo 5º da Constituição Federal, que traz a proteção à pessoa, à imagem e à honra e também garante a reparação em caso de ofensa. 

MORALIDADE
Para o professor e antropólogo, Sebastião Vianney, as pessoas têm buscado cada vez mais manifestar o que sentem. Nesse contexto, as redes sociais surgem como o porta-voz para protestos de insatisfações, principalmente nos casos em que o indivíduo se sente impotente ou injustiçado. 

O antropólogo, no entanto, alerta que é importante ter discernimento crítico a respeito do conteúdo, tanto o que se publica quanto ao que se recebe através das mídias sociais. 

 
“Quando se trata de interesse coletivo, o cidadão tem o dever de denunciar alguma irregularidade. Por outro lado, há perfis usando redes sociais para fazer fofoca, expondo a vida privada. Nesse caso, passa a ser uma questão de interesse particular, então é importante que as pessoas saibam o que é de interesse público e o que é vida privada, não se pode misturar as coisas”, afirmou o antropólogo. 

Vianney também destacou que as denúncias que são de interesse público não devem ficar restritas ao ambiente virtual e que o cidadão precisa estar mais atento para a responsabilidade na divulgação de denúncias falsas ou fake news.  

No Twitter, outro perfil divulgava supostos fraudadores do sistema de cotas da UFU: Foto: Reprodução/Twitter

 







 
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