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20/10/2019 às 10h09min - Atualizada em 20/10/2019 às 10h09min

Até hoje, imigrantes árabes chegam a Uberlândia em busca de paz e melhor qualidade de vida

Diário conversou com libaneses que aproveitaram oportunidades para negócios na cidade

SÍLVIO AZEVEDO
Sérgio Srova é dono de restaurante libanês no bairro Saraiva | Foto: Sílvio Azevedo
Muitos imigrantes árabes atravessaram de navio o Oceano Atlântico ao final do século XIX chegando em solo brasileiro trazendo na bagagem uma cultura muito diferente à encontrada em suas terras natais. Eram milhares de libaneses fugindo de guerras ou em busca de uma melhor qualidade de vida.

Com o passar dos anos, podemos encontrar muito da cultura árabe no dia-a-dia das cidades brasileiras, seja na gastronomia, na dança e na religião. São Pedro do Uberabinha foi um dos destinos de famílias libanesas que por motivos religiosos ou econômico-sociais vieram para cá.

Dezenas de anos após o início da emigração árabe, Uberlândia continua recebendo famílias que buscam melhores qualidade de vida e pessoas que tentam encontrar a paz em um período de guerras.

O Diário de Uberlândia entrevistou duas famílias de libaneses que estão na cidade há anos e aqui encontraram um lugar propício para viver. Também vamos contar a história do “mestre Sérgio”, que fugiu da guerra e encontrou em Uberlândia, paz e muito trabalho.

Vida nova no Brasil
Em 1961, quando tinha 14 anos, Nádua Wehbe morava com os pais em Trípoli, no Líbano. Lá, encontrou Mousse Makhoul, 20 anos mais velho. Depois de um ano, noivaram e se casaram. Pouco tempo depois embarcaram em um navio e vieram para o Brasil, onde o marido já residia.

“Ele foi para o Líbano passear com parentes para ficar 3 meses. Quando me viu, ele disse que apaixonou pela primeira vez e prolongou a viagem vai três meses para me conquistar. Eu era muito nova, tinha 14 para 15 anos, e meus pais nem pensavam em me casar. Estava estudando e no começo não deu certo. Aí ele prolongou mais seis meses, ficou quase um ano lá até conhecer, noivar, casar e viemos para cá em 1961. Uma viagem de 30 dias de navio”.

Com a chegada no Brasil, a primeira parada foi em Capinópolis, Pontal do Triângulo, onde Mousse abriu um armazém de atacado e varejo para atender aos fazendeiros. Toda semana eram caminhões de mercadorias que abasteciam a cidade.

“Em Capinópolis eu ficava muito tempo em casa, por isso aprendi a fazer as coisas. Meu marido levava as pessoas para almoçar em casa. Não tinha nem restaurante e ele conhecia os empresários que compravam cereais dele. A vezes eu recorria às receitas que minha mãe mandava para mim por cartas. Sorte que tenho a mão boa”, contou Nádua.

Nádua Wehbe, dona do Empório Monte Líbano, ladeada pelos filhos Fernando e Adriana | Foto: Arquivo pessoal


Já com os quatro filhos nascidos, três meninos e uma menina, e com a precariedade dos serviços oferecidos na cidade do Pontal, a família se mudou de vez para Uberlândia no ano de 1978.

Em 1981 a vida de Nádua mudaria drasticamente quando Mousse Makhoul estava indo para Belo Horizonte a trabalho quando faleceu em um acidente. “Fiquei viúva com os quatro filhos menores e nunca tinha trabalhado”.

A família tentou levar Nádua de volta para o Líbano. Um dos seis irmãos chegou a visitá-la em Uberlândia para convencê-la a levar a família para lá. Mas com o país em guerra, recusou. Só voltaria com o cessar fogo.

“Quando a guerra começava a parar, outros países cutucavam e começava de novo. O tempo foi passando, os meninos crescendo, entrando na faculdade e como que eu iria. E se fosse ainda os pegariam para lutar na guerra. Eu não queria isso”.

Foi nesse impasse entre ir e ficar que Nádua tomou uma decisão que perdura até hoje. “Sabe uma coisa, vou abrir aquela garagem ali e começo a trabalhar com coisas que entendo. Eu já sabia cozinhar comidas libanesas e comprava os ingredientes em São Paulo e preparava os pratos. Era para ficar uns tempos, mas já tem 35 anos que o Empório Monte Líbano está aberto”.

Nas lembranças, o quintal de casa, das chácaras da família e as brincadeiras com os irmãos e primos. “Meu pai tinha uma chácara em Trípoli e a gente subia nas árvores apanhávamos ameixa, damasco, pera, maçã... de tudo. Tenho muito lembranças boas. Eu era moleca. Era a única menina entre quatro irmãos e dois primos. Tudo que eles faziam, eu fazia junto”.

Jovem aventureiro
O dia era 20 de junho de 1951 quando o libanês Salem Jamil Sleiman Barbar, jovem de 18 anos formado em desenho industrial na cidade de Hakouor, desembarcou em Santos e encontrou tios e tia que o aguardavam.

A viagem tinha um objetivo só. Melhorar de vida. “A verdade é que não tinha serviço lá. Trabalhei dois meses na fábrica de açúcar. O ganho não dava nem para andar até a cidade. Aí minhas tias foram nos visitar e falaram para vir para o Brasil, que estava bom demais. E eu vim”, lembra Salem.

Na chegada, ficou na casa de um tio que já morava em São Pedro do Uberabinha e trabalhou com ele em uma casa de tecidos por atacado. “Trabalha com meus primos. Mas não aguentei trabalhar com ele gritando com eles e resolvi sair. E resolvi mascatear. Ele me ofereceu o dobro, mas decidi sair”.

Em um período em que não se encontrava roupa feita nas lojas, Salem resolveu comprar cortes de tecidos e a vender como mascate. “Primeiro carro que comprei, sem nem saber dirigir, usava para vender nas fazendas. Andava só de primeira marcha (risos). Comprava uma fazenda com um fardo de tecido. Vendia pelos lados de Canápolis, Centralina, aquelas fazendas tudo. Era bom demais. Ganhava dinheiro”.

Depois Salem montou uma loja de armarinho por atacado, a “Libaneza do Salen”, que fica na Avenida Floriano Peixoto.

Salem Barbar, ao lado da esposa, Saode| Foto: Arquivo pessoal 

Ao falar da recepção pelos brasileiros, Salem fala com entusiasmo sobre o tratamento que recebeu. “O povo é muito bom. Não existe igual o brasileiro. Peguei amizade rápido. Parece que é a minha terra. E todo mundo me respeitava. Ia na fazenda e estranhava como era o povo brasileiro, fora de série pela educação”.

Hoje, Salem é casado com Saode João Muzeze Barbar, filha de um grande amigo que conheceu quando chegou a Uberlândia. “Quando tinha 10 anos conheci o Salem. Naquela época, todo “Patrício” que chegava na cidade era convidado por outra família para conhecer, almoçar. Ele conheceu meu pai. Eu era filha única. Com 17 anos eu fiquei noiva do Salem”. No final dos anos 50 se casaram e possuem seis filhos, 14 netos e um bisneto.

Fugindo da guerra
Um deles é o libanês Ali Srova, que adotou o nome de Sérgio, e veio ao Brasil junto com o pai e o irmão em 1997 fugindo da guerra no Líbano aos 13 anos. Foi um período triste na vida do hoje empresário do ramo de alimentos.

“A gente estava cansado da guerra. É uma lembrança que eu tenho. Era menino, voltava às aulas, e tinha foto na parede de quem faleceu, colega que você fazia trabalho juntos. Aí ninguém queria voltar a estudar. Eu queria esquecer, mas é difícil”.

Outra lembrança é de quando quase foi vítima da guerra junto com a irmã, mas acabou escapando ileso. “Uma lembrança que eu tenho é de um míssil que caiu e se minha irmã Maia não entra com o carro no supermercado eu não estava aqui para contar a história. Ela viu fumaça, desesperou e entrou com o carro. São 22 anos e a lembrança está fresquinha aqui”.

Em solo tupiniquim, encontrou um povo caloroso e solidário, mas o choque de cultura foi inevitável. “O primeiro impacto foi ver as mulheres destampadas né. Um mundo novo. Tive que estudar par aprender a falar o português. Mas eu adaptei rápido porque era novo. Os mais velhos têm um pouco mais de dificuldade. Fui para São Paulo, Foz do Iguaçu e depois Uberlândia. Estou aqui desde 2010, vendendo lanche”. Sérgio é proprietário do restaurante Arzi Kebab, no bairro Saraiva, onde oferece um cardápio típico libanês

Apesar de toda receptividade positiva, por causa das brincadeiras e comparações com seu verdadeiro nome, Ali Hussein, decidiu adotar o nome Sérgio e deixou de lado alguns costumes tradicionais libaneses.

“Eu usava um turbante e o pessoal chegava e perguntava se o kebab era com bomba ou sem bomba. Eu levava na brincadeira, mas no fundo... Na escola o pessoal perguntava se eu ia explodir, porque meu nome era Ali Hussein, e Hussein foi quem foi. Aí optei pelo nome Sérgio, mais comum, menos assustador”.

Volta e meia Sérgio viaja para Beirute visitar a família, mas o câmbio tem feito com que fosse com uma esporadicidade maior. “Eu ia todo ano visitar o Líbano, mas com o dólar alto, vou de dois em dois ver família, recarrega o gás e voltar. O custo de vida lá é alto por causa do turismo. Tem o mar Mediterrâneo. O próprio libanês não está lá. Tem mais sírios e 25 mil brasileiros aposentados que estão lá para curtir. Lá é um Dubai 2”, disse Sérgio.



 “Mestre Sérgio” fugiu da guerra e encontrou em Uberlândia paz e muito trabalho | Foto: Sílvio Azevedo 





 

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