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22/09/2019 às 11h56min - Atualizada em 22/09/2019 às 11h56min

18ª Parada LGBTQI+ acontece neste domingo (22) em Uberlândia

Ativistas e especialistas discutem vertentes do movimento e direitos que ainda precisam ser conquistados

GIOVANNA TEDESCHI
Depois de uma semana de atividades que incentivam a diversidade, a 18ª Parada LGBTQI+ acontece hoje (22), a partir das 13h, na praça Clarimundo Carneiro, de onde três trios elétricos sairão pelas ruas, percorrendo até a praça Sérgio Pacheco, onde será o palco principal com shows das 18 às 22h. A manifestação cultural se tornou lei (12.339/2015) no município desde 2015 e incentiva iniciativas que disseminem informações de direitos sociais a qualquer cidadão, independentemente de escolhas de gênero ou orientação sexual.

Flávia Teixeira é antropóloga, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do Programa Em Cima do Salto, que existe desde 2006 e desenvolve projetos de extensão e pesquisa voltados à população de travestis e transexuais de Uberlândia. Para ela, apesar dos direitos existentes, os LGBTQI+ ainda têm muito o que conquistar. A doação de sangue, por exemplo, ainda não é possível para esta população.

“Essa ainda é uma restrição baseada em preconceito. O que a gente pode pensar é que eles usam e reiteram ainda que a comunidade LGBT seria um grupo de risco. Seria essa ideia construída no início da epidemia da Aids e é disso que o Ministério da Saúde está falando quando mantém essa proibição”, disse.

Membros do grupo LGBTQI+ recebem auxílio do programa Em Cima do Salto | Foto: Divulgação

A professora cita também a falta de centros que realizam a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, destinada a pessoas transsexuais. Hoje, só é possível realizar o procedimento em cinco estados: Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Goiás, e com filas de espera.

“Nós não temos em Minas Gerais nenhum centro que realize e esteja credenciado para a realização dos procedimentos cirúrgicos. Nós temos na UFU um pedido que foi apresentado à direção do Hospital de Clínicas em julho de 2018. Até o momento não houve resposta sobre nossa solicitação para o credenciamento do serviço”. Para ela, faltam também políticas públicas que pensem não só na cirurgia, mas na integralidade do cuidado de transsexuais.

Flávia Teixeira fala ainda sobre uma pesquisa coordenada pela Universidade de Brasília (UnB), em parceria com a UFU. O trabalho concluiu que o que falta para a população LGBTQI+ na rede de saúde é o reconhecimento de homofobia e transfobia institucionalizadas.

“Penso que os processos de violência e exclusão que essa população sofre são ainda uma barreira de cuidado. A relação de Aids e homossexualidade, diversidade sexual é muito forte. Então, o olhar do profissional da saúde para a população LGBT ainda é um olhar formado pelo conceito de risco epidemiológico”, afirmou a antropóloga.
 
UNIÃO ESTÁVEL
Integrantes do projeto Somos da UFU | Foto: Arquivo Pessoal

Ainda assim, direitos como a união estável para pessoas do mesmo sexo são considerados um avanço. O projeto Somos, do Escritório de Assessoria Jurídica Popular (Esajup) da UFU, tem como objetivo garantir direitos fundamentais da população LGBTQI+, auxiliando quem não tem condições de arcar com advogados. Em 3 de julho deste ano, o projeto realizou um casamento coletivo e oficializou a união de oito casais, com 150 convidados.

“Nós fomos atrás de patrocinadores, muita gente doou pela vaquinha online e pessoalmente. Recebemos doação de serviços, o local também foi cedido. Nós decidimos organizar essa ação porque existem muitas pessoas LGBT que não sabem que podem casar. Havia necessidade de se divulgar esse direito”, afirma a advogada e coordenadora do projeto, Camila Paiva.

Segundo a professora Flávia Teixeira, isso também tem um efeito na saúde, já que permite que os companheiros sejam considerados família. “Isso tem um reflexo positivo imediatamente na ideia de quem pode acompanhar e responder pelo seu companheiro em momentos de adoecimento. Acompanhar em leito, tomar as decisões”, explica.
 
JUSTIÇA
A retificação do registro civil é outra conquista da comunidade LGBTQI+. Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas transsexuais podem alterar nome e gênero mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. Em junho do mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a retificação diretamente nos cartórios.

“Antes, esse pedido exigia laudo de psiquiatras, de médicos. Não é doença para ficar pegando laudo. Apesar disso, muita gente prefere não fazer o processo administrativo [no cartório] porque é muito caro. Na Justiça, o processo corre gratuitamente, com defensores públicos. Apesar disso, é muito demorado. De dois a três anos para a pessoa conseguir, isso quando algum juiz, por convicção pessoal, não nega o pedido e tem necessidade de entrar com recurso”, explicou a advogada Camila Paiva, coordenadora do projeto Somos. Entre processos finalizados e em curso, o Somos já auxiliou em cerca de 30 retificações.

Em junho de 2019, o STF aprovou a criminalização da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, incluindo-a na Lei do Racismo (7716/89). Questionada sobre o assunto, Camila Paiva ficou dividida. Para a advogada, a lei seria positiva quando se trata das mortes constantes motivadas por LGBTfobia, mas ela não acredita que a punição seja a melhor forma de solucionar o problema.

“Talvez com a criminalização, tenha uma ação mais incisiva do Estado sobre o tema. Por outro lado, eu acredito que a aplicação da Lei Penal sobre qualquer tema que seja, devia ser a última instância. O Estado deveria primeiro investir em educação, por exemplo. Quando você diminui a ignorância, você aumenta o respeito, a tolerância, a diversidade”, afirmou.
 
PROTESTOS

Parada já se tornou tradicional em Uberlândia e reúne milhares de participantes | Foto: PMU/Divulgação
 
Segundo Fabrício Vilela, mestrando em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e ativista LGBT, o movimento que hoje envolve esta comunidade teve origem ainda no século 19, durante a Revolução Industrial. “As elites passaram a se preocupar muito com a reprodução da mão de obra barata. Nesse sentido, começaram a produzir discursos que disciplinassem a sexualidade dos trabalhadores”, disse. Qualquer prática que não fosse heterossexual, com o objetivo de gerar filhos, era considerada uma doença e, em alguns países, criminalizada. 

Já no século 20, em função das duas guerras mundiais, as mulheres passaram a estar juntas em fábricas e os homens juntos, na guerra. Na década de 1960, começam a ficar visíveis espaços de entretenimento e lazer voltados a homossexuais. É nesse contexto que, em 1969, ocorre uma batida policial no bar Stonewall Inn, em Nova York, um dos únicos da cidade que a comunidade podia frequentar com segurança. Os policiais ameaçaram os frequentadores, que resistiram. Houve um confronto durante toda a madrugada. O episódio gerou uma onda de protestos pelo mundo e deu origem ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, comemorado em 28 de junho, todos os anos.

Para Vilela, a maior conquista LGBTQI+ ainda é desvincular a homossexualidade do conceito de doença. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do hall de doenças mentais. Em 1975, foi a vez da Associação Americana de Psicologia. E por fim, nos anos 90, a Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu a orientação sexual da lista de doenças. “Ainda no imaginário social, as pessoas consideram a homossexualidade como algo ruim, nojento, doente. Atualmente, vemos um retorno da cura gay: se os psicólogos podem ou não reorientar os homossexuais para a heterossexualidade”, explicou o mestrando.

Ainda de acordo com ele, a homofobia e a transfobia não afetam apenas os LGBTQI+. “Ela ataca todo mundo porque é uma forma de regular o que homens e mulheres podem fazer. Estabelece uma fronteira do que nós podemos fazer com os nossos corpos, o que podemos colocar nesses corpos, como roupas e acessórios. A homofobia e a transfobia asseguram o funcionamento da heterossexualidade. Essa perspectiva, levantada da década de 80 para a de 90 é chamada de teoria queer”, disse. Queer é uma palavra que representa ofensa homofóbica, nos Estados Unidos.

Vilela disse também que é importante citar a pluralidade do movimento LGBTQI+. Atualmente, o que predomina é uma corrente liberal. “Dentro do movimento, tem as perspectivas socialistas, anarquistas. Há conflitos e há disputas internas, por exemplo, entre lésbicas e gays, por questão de gênero, entre gays brancos e gays negros. Então, as identidades sociais das pessoas do movimento, ora são conflitantes, ora formam alianças. Há várias perspectivas”.
 
SIGLA
LGBTQI+ tem como significado Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queer e Intersexo. O símbolo + representa as identidades não incluídas na sigla, como assexuais e panssexuais.
 
SERVIÇO
Evento - 18ª Parada LGBTI+ de Uberlândia
Data – Neste domingo (22), a partir das 13h
Local - início na praça Clarimundo Carneiro com trajeto de trios elétricos até a praça Sérgio Pacheco

 
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