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08/09/2019 às 09h56min - Atualizada em 08/09/2019 às 09h56min

Médicos alertam para alta de casos de trabalhadores com Síndrome de Burnout

Síndrome causada pelo excesso de trabalho é cada vez mais comum; médicos de Uberlândia fazem alerta

GIOVANNA TEDESCHI
Apesar de amar sua profissão, você se sente muito cansado, fisicamente e mentalmente. Você não consegue dormir, sua alimentação está cada vez pior e você se sente fracassado, pouco reconhecido e inseguro no seu local de trabalho. Começam a aparecer outros sintomas: pressão alta, palpitação, dores musculares, alterações repentinas de humor, tontura, tremedeira. E a cada momento, você se pergunta o que fazer, onde ou a quem pedir ajuda.

É o que aconteceu com Renata Corrêa, de 38 anos, oftalmologista de Uberlândia diagnosticada com a Síndrome de Burnout. “Os sintomas começaram em meados de 2014. Eu estava trabalhando muito e comecei a ficar desanimada, triste. Eu estava em um lugar que eu não tinha reconhecimento, exigiam além do meu limite, eu era criticada. Isso vai minando a nossa autoconfiança”, afirma. Ela chegou a trabalhar 14 horas por dia. “Era uma época da minha vida em que eu não dava conta de falar [a palavra] não”, relata.

Após ser curada, oftalmologista Renata Corrêa começou a escrever | Foto: Arquivo Pessoal

A médica só procurou ajuda quando chegou a uma crise: atendeu 20 pacientes em duas horas. “Na hora que eu abri minha agenda e vi a quantidade de pacientes que ainda tinha, eu comecei a chorar e não conseguia parar. Depois dessa crise, eu procurei um psiquiatra”, explica. Ela foi diagnosticada com sintomas de ansiedade e depressão, mas demoraram a descobrir que isso tudo era resultado da síndrome. Na época, ela não conseguia nem dirigir por causa do pânico e teve que parar de fazer cirurgias.

Em 28 de maio deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a síndrome será incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em 2022. A definição da OMS para o Burnout é “uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões: sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia; aumento do distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao próprio trabalho; e redução da eficácia profissional”.

De acordo a professora Anabela Peretta, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (IP-UFU), a Síndrome de Burnout é um conceito criado na década de 70. “Foi ums grande conquista para os trabalhadores a criação desse conceito porque foi a primeira vez que se pensou o quanto o trabalho pode nos adoecer”, explica.

A psiquiatra Gabriela Scalia já atendeu diversas pessoas com a doença. “A pessoa vai ter três sintomas: uma exaustão emocional, uma reduzida realização pessoal - no trabalho, eu já não consigo ter satisfação, tudo eu encaro como um fardo - e uma despersonalização, que seria como se o paciente tratasse tudo, até as pessoas, como objeto. A pessoa se sente distanciada”, explica. Assim, o paciente acaba não tendo sentimentos como compaixão e empatia, afetando também relacionamentos pessoais.

Scalia explica que também podem aparecer sintomas físicos, como formigamento, tontura, dor de cabeça e gastrite. “A pessoa somatiza e imprime no corpo esses níveis de tensão de maneiras diferentes. Às vezes ela vai no neurologista por causa de uma dor de cabeça que não passa nunca, vai no otorrino pensando que está tendo vertigem ou labirintite. Mas tudo decorrente de um quadro psíquico-emocional de esgotamento”, afirma. Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa.

A psicóloga Fabiana da Cunha explica que a doença é mais frequente em profissões que exigem competitividade e grandes responsabilidades. “É muito comum em profissionais que trabalham sob pressão, como policiais, jornalistas, professores, médicos, enfermeiros. Hoje, 72% dos brasileiros que estão no mercado de trabalho sofrem alguma sequela ocasionada pelo estresse”, afirma.
Na educação, campo de estudo da professora Peretta, quem mais adoece são as pessoas mais dedicadas e envolvidas com o trabalho. “Sabe aqueles professores que têm vontade de mudar a educação, que querem fazer toda a diferença na escola e que chegam um tanto idealistas”, exemplifica.

Psicóloga Fabiana da Cunha explica que a doença é mais frequente em profissões que exigem competitividade e grandes responsabilidades | Foto: Arquivo Pessoal

Para Cunha, é necessário prestar atenção para não confundir sintomas do Burnout com situações comuns da rotina. “Geralmente é um cansaço que começa a atrapalhar suas outras atividades do dia a dia. Uma pequena confusão mental, você vai fazer uma coisa e esquece o que vai fazer constantemente. É muito importante estar atento. A pessoa deve procurar um profissional capacitado da área para que possa fazer um diagnóstico de forma assertiva”. O tratamento pode ser realizado com terapia e remédios.
 
MUDANÇA

A oftalmologista Renata Corrêa chegou a receber prescrições de medicamentos, mas decidiu mudar a rotina para tentar melhorar. A recuperação foi rápida. “Uma das coisas que mais me ajudou foi romper com aquele ciclo que estava vivendo. Eu saí do lugar em que estava trabalhando, abri um consultório próprio, comecei a fazer caminhada. Minha terapeuta falava que eu precisava encontrar algo que realmente me desse prazer. Foi aí que eu comecei a escrever e nunca mais parei. Hoje, voltou o meu amor pela profissão [médica]”, conta.

Corrêa já publicou 14 livros, entre romances e contos. Para ela, além de uma forma de fugir da realidade e se manter equilibrada emocionalmente, escrever é uma segunda profissão. A autora publicou uma obra, inclusive, sobre uma fisioterapeuta que é diagnosticada com a Síndrome de Burnout. “Quando a gente está passando por algo, é difícil falar sobre aquilo. Foi depois que eu já estava curada que resolvi escrever uma história porque eu comecei a perceber que quase ninguém sabia sobre a doença [Burnout]. É uma história fictícia, mas eu usei muito do que eu passei para poder criar a personagem”, relata.
  
COMPORTAMENTO
Psiquiatra Gabriela Scalia, que já atendeu diversos pacientes diagnosticados com síndrome de Burnout | Foto: Arquivo Pessoal

Para a psiquiatra Gabriela Scalia, que já atendeu diversos pacientes diagnosticados com síndrome de Burnout, esse quadro de estresse crônico tem aumentado porque as pessoas se submetem cada vez mais a longas horas de trabalho e a atividades que não gostariam de fazer.

“As pessoas querem ser bem-sucedidas, reconhecidas pelo que fazem, ter uma boa visibilidade social e isso gera um comportamento de dedicação ao trabalho, mas de uma maneira torta. O objetivo do trabalho deveria ser te dar um sustento, uma satisfação para a vida para você ficar feliz. Hoje em dia, o trabalho fica com um fim e não como um meio para você alcançar aquilo”, explica. Ela também diz que o uso excessivo de redes sociais e a falta de vínculos afetivos reais, com contato físico, podem ser motivos para este aumento.

Para a psicóloga Fabiana da Cunha, a incidência da síndrome pode começar a prejudicar o mercado de trabalho. Por isso, já existem projetos de prevenção. “Hoje, muitas empresas trabalham com programas de qualidade de vida, a fim de prevenir que essas síndromes apareçam. Há, por exemplo, massagens de relaxamento, ginásticas dentro do período de trabalho, palestras informativas, questões motivacionais”, afirma.

Na visão da professora Anabela Peretta, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (IP-UFU), a doença precisa ser entendida, além de um adoecimento individual, como um adoecimento social, que mostra como o trabalho pode gerar prejuízos na saúde coletiva. Ela sugere algumas atitudes: “Pensar em formas coletivas de conquistar melhores condições de trabalho, de conquistar momentos de poder dividir as coisas que se vive no trabalho, para poder encontrar caminhos coletivos para que esse trabalho seja menos sofrido”, afirma.

Scalia diz que a doença prejudica muito mais os indivíduos do que as empresas, justo pela grande rotatividade do mercado. “Quando a pessoa começa a ter o Burnout, mesmo que seja uma excelente profissional, começa a cair o rendimento. Aí, ela pede para sair ou pedem para ela sair e às vezes ele começa a melhorar. Ou não, porque aí a pessoa pode ficar com uma grande culpa”, diz.

Por isso, a prevenção precisa partir também dos trabalhadores. Fazer exercício físico, meditar, ter uma alimentação saudável, dormir pelo menos oito horas por dia, falar sobre o que está sentindo e fazer atividades de lazer são boas opções para manter o equilíbrio mental.

E para quem sente que já está perdendo esse equilíbrio, o melhor é procurar ajuda o quanto antes. É um alerta da oftalmologista e autora Renata Corrêa, que foi diagnosticada com o problema. “A gente muitas vezes fica achando que não é nada, que só está cansado, que vai passar, que isso é normal. Quanto mais tempo a gente demora para procurar ajuda, mais no fundo do poço a gente chega.”
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